Expresso

7 pontos-chaves para entender o caso da Prevent Senior

Estêvão Bertoni

22 de setembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h24)

Operadora de saúde virou alvo da CPI da Covid após dossiê de ex-médicos levantar suspeitas de atuação irregular em estudo sobre a cloroquina. Empresa diz ser vítima de ‘armação’

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FOTO: EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO – 22.SET.2021

Imagem mostra o diretor da Prevent Senior, Pedro Batista Jr, de terno azul, gravata vermelha e máscara branca, sentado à mesa, falando ao microfone e olhando para seu lado direito

O diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, durante depoimento à CPI da Covid

A CPI da Covid no Senado ouviu na quarta-feira (22) o diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior. A empresa tem sido acusada de omitir mortes num estudo sobre a hidroxicloroquina com o objetivo de demonstrar sua eficácia e de administrar medicamentos ineficazes contra a covid-19 sem o consentimento dos pacientes. As denúncias aparecem em um dossiê produzido por ex-médicos do plano que foi encaminhado aos senadores da comissão.

Os resultados do estudo sobre o uso da hidroxicloroquina foram divulgados pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos em suas redes sociais em abril de 2020, com a informação de que nenhum paciente havia morrido entre os que tomaram os medicamentos. O dossiê, porém, aponta nove mortes, seis delas de pessoas que receberam o coquetel que o presidente propagandeou ao longo da pandemia com o nome de “tratamento precoce” ou “kit covid”.

O diretor da Prevent Senior defendeu o estudo e acusou os ex-médicos de acessarem ilegalmente dados de pacientes e adulterarem informações para atacar a empresa. Ela recorreu à Procuradoria-Geral da República para investigar os autores do dossiê sob suspeita de “denunciação caluniosa”.

Neste texto, o Nexo lista sete pontos-chave para entender as suspeitas em torno da atuação da operadora de saúde, uma das maiores do país, e como ela se defende diante da CPI.

O que é a Prevent Senior

A operadora foi criada nos anos 1990 pelos irmãos Eduardo, médico geriatra, e Fernando Parrillo, com o objetivo de oferecer planos individuais para pessoas mais velhas. Em 1997, ela inaugurou o hospital Sancta Maggiore, que deu origem a uma rede com oito hospitais e quatro unidades de pronto-atendimento na capital paulista e na Grande São Paulo.

Em 2020, a empresa, que emprega mais de 3.000 médicos e 12 mil funcionários, teve um faturamento líquido de R$ 4,3 bilhões, 19% a mais do que em 2019. Também ampliou em 9% o número de clientes, quando alcançou 505 mil beneficiários. Em junho de 2021, já eram 540 mil. Segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), a Prevent Senior é o nono maior plano de saúde do país. As mensalidades para idosos podem variar de R$ 1.000 a R$ 2.000.

No início da pandemia no Brasil, ela foi alvo de investigações do Ministério Público pelo alto número de óbitos por covid-19. A primeira morte pela doença noticiada no país, em 16 de março, foi de um porteiro de 62 anos atendido pela operadora. No começo de abril de 2020, os óbitos pela doença ocorridos nos estabelecimentos da rede representavam 58% de todos os registros no estado de São Paulo. A situação fez o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sugerir uma intervenção no local.

No final de março de 2020, a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo também chegou a pedir intervenção de três hospitais da rede, mas elas nunca aconteceram. O plano de saúde afirmou que a prefeitura tentava “faturar com a desgraça” e usava expedientes “desonestos, abusivos e inverídicos” para “causar pânico”.

Em abril daquele ano, o CEO da empresa, Fernando Parrillo, divulgou um vídeo em que pedia aos jornalistas que entrassem num dos hospitais para averiguar a situação e para que a opinião pública pudesse avaliar a empresa. “Nós temos os laudos da prefeitura [mostrando] que não houve absolutamente nenhuma indicação de algo errado”, disse. Ele chamou Mandetta de irresponsável.

O estudo suspeito

Informações que constam no dossiê enviado à CPI, reveladas inicialmente pela GloboNews na quinta-feira (16), mostram que um dos diretores da empresa informou à equipe que os testes com hidroxicloroquina e azitromicina (um antibiótico) em pacientes com covid-19 iriam começar em 25 de março de 2020. Na mensagem, ele pede que os pacientes e familiares não sejam avisados sobre o uso das medicações, prática que é vedada pelo Código de Ética Médico.

O estudo foi feito com 636 pessoas, das quais 412 receberam o “kit covid”. Os demais (224) não tomaram os remédios e serviram como um grupo controle, para que os resultados pudessem ser comparados. Segundo o estudo, a necessidade de hospitalização foi quase três vezes maior entre os que não receberam os medicamentos.

A conclusão também falava em ausência de graves efeitos colaterais. Os pesquisadores citaram apenas duas mortes ocorridas entre os que tomaram os remédios, mas dizem que elas ocorreram devido a uma “síndrome coronariana aguda” e a um “câncer metastático”.

Uma planilha incluída no dossiê, porém, mostra que, na verdade, ocorreram nove mortes ao longo do estudo, das quais seis estavam no grupo que recebeu hidroxicloroquina e azitromicina, e duas, no grupo controle — uma última aparece sem informações.

Em áudio anexado ao documento, o coordenador do estudo, o cardiologista Rodrigo Esper, que é diretor da Prevent Senior, pede em 19 de abril de 2020, depois da publicação do estudo, para sua equipe revisar os dados e diz que eles “vão mudar a trajetória da medicina nos próximos meses no mundo”.

Esper ainda cita no áudio o presidente Bolsonaro: “Até o presidente da República citou a gente (…). Vamos [nos] reunir às 17h hoje, numa videoconferência, todos, pra gente ajustar os parafusos e todo mundo falar a mesma língua e ter um levantamento perfeito do dado”, disse.

No depoimento à CPI, Pedro Benedito Batista Júnior defendeu o estudo e disse que, entre 26 de março e 4 de abril de 2020, quando ele foi escrito, apenas duas mortes foram observadas. “O noticiário tirou totalmente de contexto esse documento e colocou mortes que ocorreram após o dia 4 [de abril], como se tivessem ocorrido entre o período de 26 [de março] a 4 [de abril]”, afirmou o diretor da empresa.

Ele também acusou os autores do dossiê de adulteração dos dados, dizendo que uma paciente de 70 anos que é listada entre as mortes no estudo, na verdade, está viva, tendo realizado uma consulta na Prevent Senior em 7 de setembro de 2021.

A ligação com Bolsonaro

Segundo o dossiê, o estudo foi o desdobramento de um acordo entre a Prevent Senior e Bolsonaro para disseminar a cloroquina. Três dias depois da publicação dos resultados da pesquisa, o presidente citou dados diferentes, mas disse tê-los recebido diretamente da empresa.

Em 18 de abril de 2020, ele publicou em seu perfil no Facebook: “Segundo o CEO Fernando Parrillo, a Prevent Senior reduziu de 14 para 7 dias o tempo de uso de respiradores e divulgou hoje, às 1:40 da manhã, o complemento de um levantamento clínico feito”.

Os dados eram: “De um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 NÃO fizeram uso da HIDROXICLOROQUINA. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem entubados, o número de óbitos foi ZERO. O estudo completo será publicado em breve!”.

A divulgação do estudo também foi feita pelos filhos do presidente Flávio e Eduardo Bolsonaro. O primeiro publicou um tuíte elogiando os benefícios do protocolo da Prevent Senior. “O SUS nunca a procurou para saber qual foi o protocolo usado”, escreveu. Ele apagou posteriormente a postagem. Eduardo também escreveu nas redes sociais: “Dia ruim para quem torce pelo vírus. Parabéns à Prevent Senior. Isto é uma pesquisa séria feita com CIÊNCIA e não com politicagem”.

O debate sobre a cloroquina ainda estava no começo quando o estudo da Prevent Senior foi realizado, entre março e abril de 2020. Atualmente, ele foi superado em outros países e já há consenso científico de que o remédio não funciona contra a covid-19, devido a uma série de estudos que não apontou seu benefício. As principais entidades de saúde nos Estados Unidos e na Europa não recomendam o seu uso. No Brasil, várias associações médicas se posicionaram da mesma forma.

Ameaças aos denunciantes

Um dos médicos que decidiu denunciar a Prevent Senior por supostamente obrigar os profissionais a prescrever remédios do “tratamento precoce”, sob pena de demissão, registrou na Polícia Civil de São Paulo um boletim de ocorrência contra Batista Júnior por se sentir ameaçado.

Segundo o médico Walter Correa de Souza Melo, as intimidações foram feitas contra ele num telefonema na manhã de 9 de abril de 2021. A conversa foi gravada e o áudio incluído na denúncia. O diretor da empresa pediu ao médico que retirasse as denúncias feitas à imprensa e disse que ele tinha “muito a perder”.

“Eu vou pegar cada um dos prontuários dos pacientes que você não tratou e vou mostrar quantos deles foram para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. (…) E sabe o que eu vou provar? Eu vou provar que você mentiu. Vou provar que você é um cara antiético, que você é um dos caras que tinha compliance [queixas na empresa]. Eu vou levar tudo isso, cara”, afirmou Batista Júnior.

Segundo o médico, as ameaças também atingiram sua família. “Eu só te falei isso nessa ligação: você tem muito a perder, é sua filha, sua família, que vai ser exposta por uma mídia que hoje destrói tudo”, disse o diretor da empresa.

O médico também responde a um processo no Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) depois que a Prevent Senior o denunciou ao órgão por “vazamento de prontuários”.

Em nota divulgada à imprensa, a empresa disse que Pedro Benedito Batista Júnior nega as ameaças. A operadora ainda se diz “vítima de armação”.

Causa da morte omitida

A Prevent Senior também é acusada de omitir a covid-19 como causa de mortes de seus pacientes. Reportagem publicada pela revista Piauí na terça-feira (21) revelou que o médico Anthony Wong, conhecido nas redes sociais por suas posições negacionistas, foi internado com a doença (comprovada por um exame PCR) numa unidade da operadora em 17 de novembro de 2020, e morreu em 15 de janeiro de 2021 sem que a infecção constasse como causa. A revista teve acesso ao prontuário médico de mais de 2.000 páginas e ao atestado de óbito dele.

Ao longo da internação, ele foi tratado com remédios como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina. Também recebeu mais de 20 sessões de ozonioterapia retal, tratamento desaconselhado pelo Ministério da Saúde. A médica responsável pelo caso era Nise Yamaguchi, defensora do “tratamento precoce” e apontada pela CPI como integrante do gabinete paralelo que orientava Bolsonaro a agir na pandemia.

As secretarias de Saúde dos estados determinam que a covid-19 tem que constar nos atestados de óbito quando são causa da internação e das complicações de saúde subsequentes. O documento de Wong, porém, traz como causa: “choque séptico, pneumonia, hemorragia digestiva alta e diabetes mellitus”.

A Prevent Senior respondeu à revista que não comenta casos específicos de pacientes sem autorização da família. A família do médico enviou uma nota à Piauí: “A família informa que não tem poder para alterar nenhuma informação no atestado de óbito e vê com incredulidade a invasão do prontuário. Informa ainda que não existe nada a ser dito e pede que respeite o nome do doutor Anthony Wong.”

No dossiê feito por ex-funcionários, há uma mensagem interna em que a operadora determina aos médicos que o código da covid-19 seja alterado após 14 dias do internamento de pacientes em enfermarias e após 21 dias em UTIs. A mudança no CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) teria como objetivo “identificar os pacientes que já não têm mais necessidade de isolamento”, segundo a mensagem. Para os senadores, isso eliminaria a identificação da doença como causa da morte dos pacientes.

Em seu depoimento, Batista Júnior confirmou a prática , dizendo que ela foi feita apenas para identificar os pacientes que “não representavam mais risco para a população do hospital”. Ele negou que a operadora escondesse mortes por covid e disse que a iniciativa visava apenas padronizar o uso do código que identifica a doença num momento em que os testes de covid-19 ainda eram restritos.

Durante a CPI, os senadores também exibiram o prontuário médico de Regina Hang , mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, na rede de lojas Havan. Ela ficou internada no hospital Sancta Maggiore e morreu em 3 de fevereiro de 2021. Em seu atestado de óbito, consta “disfunção de múltiplos órgãos, choque distributivo refratário, insuficiência renal, pneumonia bacteriana, síndrome metabólica e acidente vascular cerebral”.

O prontuário, porém, informa que ela foi internada em 1° de janeiro de 2021 com covid-19 e que recebeu medicamentos ineficazes como azitromicina, hidroxicloroquina, prednisona e colchicina. O diretor da Prevent Senior se negou a falar do caso durante a CPI, dizendo que não comentava detalhes de pacientes sem a autorização da família.

Em nota, Hang afirmou ter total confiança nos procedimentos adotados pela Prevent Senior no tratamento à sua mãe. Ele disse lamentar que “um assunto tão delicado seja usado como artifício político” para atingi-lo, pelo fato de “não concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI”.

O uso de tratamento precoce

A Prevent Senior passou a ser investigada no início de 2021 pelo Ministério Público de São Paulo devido às suspeitas de distribuir “kits covid” mesmo para pacientes sem a doença, forçar médicos a receitar os medicamentos ineficazes e realizar estudos sem o aval dos doentes.

Em março, os promotores também receberam a informação de que a empresa usava a flutamida , um remédio para combater câncer de próstata, em pacientes com covid-19. Em resposta, a Prevent Senior disse não indicar nenhum medicamento “em massa” aos pacientes.

Um guia médico da operadora obtido pela GloboNews, que é usado por profissionais que fazem teleconsultas, mostra que a cloroquina e a ivermectina continuam sendo prescritas. Em nota técnica enviada à CPI da Covid, em julho de 2021, o Ministério da Saúde reconhece que a cloroquina e sua derivada hidroxicloroquina não têm eficácia contra a covid-19 e, por isso, não são recomendadas.

O que diz a empresa

A Prevent Senior afirmou, em nota, que os autores do dossiê visam “desgastar a imagem” da empresa e que investiga o caso para descobrir os responsáveis. Ela disse que respeita a autonomia dos médicos e que atua para “salvar milhares de vidas”.

Segundo a empresa, os números entregues à CPI da Covid mostram que a taxa de mortalidade de pacientes com covid-19 em seus hospitais é menor do que em outros locais. Ela diz ainda que “sempre atuou dentro dos parâmetros éticos e legais e, sobretudo, com muito respeito aos beneficiários” e que vai esclarecer os questionamentos às autoridades competentes.

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