O que é o marco regulatório da inteligência artificial
Cesar Gaglioni
01 de outubro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h25)Projeto aprovado na Câmara estabelece diretrizes para o uso da tecnologia. Especialistas da área acreditam que conversa foi feita cedo demais
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Trecho de código de programação para recurso de inteligência artificial
A Câmara aprovou o marco regulatório da inteligência artificial na quarta-feira (29). O projeto de lei, de autoria do deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), estabelece as prerrogativas para a implementação e operação mais ampla da tecnologia no país. O texto ainda precisa ser votado pelo Senado.
Debates sobre o uso e a administração da inteligência artificial estão acontecendo em todo o mundo. A União Europeia já tem um texto base para o tema; no Congresso americano, tramitam propostas para a questão . O projeto brasileiro, no entanto, foi criticado por especialistas da área.
Neste texto, o Nexo explica o que a lei prevê e quais são as críticas a ela.
A automação dos postos de trabalho é uma realidade próxima.No Reino Unido, uma pesquisa publicada em 2018 mostrou que 60% dos britânicos acreditam que as máquinas vão se tornar parte comum do cotidiano nos próximos 50 anos.
20 milhões
é o número de trabalhadores que podem ser substituídos por máquinas até 2030, segundo a consultoria Oxford Economics
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne os países com os maiores PIBs do mundo, fez um estudo em 2016 para entender o impacto da automação globalmente.
De acordo com o artigo, trabalhadores com menor renda e educação, nos mais diversos setores, serão os mais afetados pelas substituições. A OCDE sugere que as políticas públicas dos países deveriam pensar em como reduzir a desigualdade decorrente desse fenômeno, em vez de temerem uma ameaça abstrata de desemprego generalizado.
Para o deputado Eduardo Bismarck, autor do texto, a expansão do uso da inteligência artificial “exige transições no mercado de trabalho”, e é necessário que o poder público “permita a capacitação dos trabalhadores”. O argumento é usado como a principal justificativa do projeto.
O projeto de lei diz que deve ser responsabilidade do Estado:
O texto coloca como responsabilidade dos desenvolvedores de inteligências artificiais:
O texto do deputado Eduardo Bismarck não se aprofunda em como tais responsabilidades seriam cumpridas. O marco regulatório em avaliação pela União Europeia foi a principal base para a redação do projeto legislativo.
Na Câmara, o projeto de lei foi aprovado com 413 votos favoráveis e 15 contrários. Houve apoio de todos os partidos, com exceção do PSOL. O Nexo tentou entrar em contato com o partido, mas não obteve resposta até a tarde de sexta-feira (1º)
O PT originalmente era contrário ao texto, mas chegou a um acordo com Bismarck, com duas modificações na redação. A primeira deixava mais claro os princípios de transparência dos sistemas, e a segunda determinava que o Estado será responsabilizado por erros ocorridos em inteligências artificiais implementadas em projetos públicos, e não seus desenvolvedores, como estava previsto originalmente.
O texto vai para o Senado e, se for aprovado sem alterações, segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Caso haja mudanças, o projeto volta para a Câmara.
Na visão de Marcela Mattiuzzo, doutoranda em direito digital pela USP (Universidade de São Paulo) e sócia do escritório de advocacia Vinicius Marques de Carvalho Advogados, não houve discussão suficientemente aprofundada sobre o tema.
“Para termos uma ideia comparativa, o assunto está sendo debatido na Europa. Foi feita uma minuta [um rascunho] da resolução pela Comissão Europeia, lançada oficialmente em abril de 2021. A proposta está sendo objeto de uma discussão amplíssima”, disse ao Nexo .
“No Brasil, nós mal discutimos ainda como vamos aplicar os temas que tangenciam o debate de inteligência artificial em leis já aprovadas, especialmente na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, quando ela fala em decisões automatizadas.”
Segundo Mattiuzzo, o texto que foi aprovado na Câmara rege princípios gerais – o que seria benéfico, dados os avanços constantes na tecnologia da área – mas peca por não estabelecer cuidados e obrigações especiais para o uso da inteligência artificial por parte do governo.
Na linha de frente do debate sobre problemas relacionados à inteligência artificial está o reconhecimento facial. O sistema usa biometria para mapear características faciais de uma fotografia ou vídeo. Ele então compara as informações com um banco de dados de rostos conhecidos para encontrar correspondências.
“Policiamento preditivo, reconhecimento facial para fins de segurança pública, uso de machine learning para definição de beneficiários de políticas públicas, tudo isso é eminentemente gerenciado pelo Estado. E a proposta não fala sobre isso, não faz nem mesmo considerações simples – o que, pensando que o PL é principiológico, faria total sentido. Vejo essa ausência de reconhecimento específico da importância desse tema como algo negativo para as pessoas”
O viés racial de sistemas de inteligência artificial é um dos problemas mais sérios dessa tecnologia. Algoritmos de reconhecimento facial são mais propensos a errar na identificação de pessoas não-brancas do que pessoas brancas, de acordo com um estudo do governo americano publicado em 2019. A proporção de falsos positivos entre rostos negros ou asiáticos podia chegar a 100 vezes mais do que com indivíduos brancos.
Para Fabio Gagliardi, diretor do Centro de Inteligência Artificial da USP, ainda é cedo para o tema ser tratado, já que a tecnologia ainda não está sedimentada.
“É um pouco arriscado você tentar fixar agora uma legislação quando a tecnologia ainda está num momento de desenvolvimento, de consolidação”, disse à CNN Brasil.
“Não sou totalmente crítico [ao texto aprovado na Câmara]. Acho que a preocupação com o assunto é válida e a discussão precisa ser feita. Não é que seja errado legislar sobre o assunto, é que ainda não existem direitos e deveres claros sobre isto”, disse.
O mesmo foi dito por Demi Getschko, colunista de tecnologia do jornal O Estado de S. Paulo. “ Tentar antecipar riscos ainda não claramente definidos poderá resultar em perigoso atraso do país nessa arena hoje tão crítica”, afirmou na terça-feira (28).
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