Como a vacinação de crianças contra a covid avança no mundo
Estêvão Bertoni
01 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h29)Agência reguladora dos EUA libera imunização com a Pfizer a partir dos 5 anos. No Brasil, Bolsonaro se opõe à medida, que não está nos planos do Ministério da Saúde para 2021
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Menina de 9 anos recebe vacina contra a covid-19 em hospital de San Salvador, em El Salvador
Ensaios clínicos com crianças pequenas têm demonstrado que os benefícios da vacinação contra a covid-19 nesse público superam os riscos de eventuais efeitos adversos, o que tem levado países a decidir pela imunização dessa faixa etária. Desde setembro de 2021, lugares como Chile, Cuba, El Salvador e China já vacinam crianças contra a doença.
No fim de outubro, a FDA (Food and Drug Administration), agência do departamento de saúde dos Estados Unidos, liberou o imunizante da Pfizer para a população de 5 a 11 anos, depois que os testes mostraram uma eficácia de 91%, o que deve levar à análise do tema por outros países. No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) negou em agosto a autorização para o uso da Coronavac a partir dos 3 anos, alegando insuficiência de dados sobre sua segurança. A vacinação de crianças não está nos planos do Ministério da Saúde para 2021, e o presidente Jair Bolsonaro tem se manifestado contra a ideia.
Neste texto, o Nexo mostra como a vacinação de crianças vem avançando no resto do mundo e como o tema ainda é tratado no Brasil, onde os diretores da Anvisa receberam no final de outubro ameaças de morte para não liberar os imunizantes para o público mais jovem.
Cuba divulgou em 6 de setembro ter sido o primeiro país do mundo a iniciar uma campanha de vacinação de crianças de 2 a 11 anos de idade contra a covid-19. As duas primeiras crianças imunizadas receberam doses da Soberana 2, imunizante produzido no próprio país que combina pedaços da proteína que reveste o novo coronavírus com o toxóide (proteína com o efeito tóxico inativado) tetânico. Testes de fase 3 haviam apontado uma taxa de 62% de eficácia com duas doses.
Poucos dias depois, em 13 de setembro, o Chile anunciou o início da vacinação de crianças a partir dos 6 anos com doses da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, e que usa o próprio coronavírus “morto”. Segundo o governo chileno, até o meio de 2021, cerca de 12% dos casos de covid-19 no país tinham sido registrados em menores de 18 anos, o que justificava a liberação.
No mesmo dia da decisão chilena, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, anunciou pelas redes sociais que a vacinação de crianças a partir dos 6 anos também estava liberada no país com a Coronavac. Outros países seguiram orientação parecida, como China e Emirados Árabes Unidos.
No início de outubro, a Argentina aprovou a vacinação de crianças a partir dos 3 anos com a vacina da Sinopharm, também produzida na China com a mesma tecnologia da Coronavac. A ministra da Saúde argentina, Carla Vizzotti, afirmou à imprensa que a aprovação se baseou nos resultados de ensaios clínicos das fases 1 e 2 em crianças na China e nos Emirados Árabes Unidos e na experiência chilena.
No final de outubro, a Colômbia anunciou o início da vacinação de crianças de 3 a 11 anos com a Coronavac.
No final de outubro, a FDA, agência reguladora americana, aprovou a aplicação da vacina da Pfizer em crianças acima dos 5 anos. A decisão teve como base um ensaio clínico com 4.650 crianças de 5 a 11 anos. Dois terços dos voluntários receberam duas doses da vacina (em dose com quantidade menor do imunizante, com apenas um terço da aplicada em adultos), com três semanas de intervalo entre elas, e o restante tomou um placebo (substância sem efeito), para fins de comparação.
O resultado mostrou uma efetividade de 91% em evitar casos sintomáticos de covid-19. Um dos dados avaliados foi o risco de ocorrência de miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e pericardite (inflamação do tecido que envolve o coração) após a segunda dose. Uma análise da FDA havia sugerido risco aumentado de casos dessas inflamações em pacientes que tomaram vacinas baseadas em RNA mensageiro, como a Pfizer e a Moderna, especialmente em homens jovens. No caso das crianças, não houve nenhum registro dessas doenças, o que animou os pesquisadores. Novos testes serão feitos com crianças a partir dos 6 meses de vida.
Para o painel de especialistas da FDA que decidiu, por unanimidade, pela autorização da vacinação em crianças, os benefícios superam os riscos. Apesar de a covid-19 atingir majoritariamente os adultos e matar os mais idosos (cerca de 440 crianças e jovens de 5 a 18 morreram em decorrência da doença nos Estados Unidos, de um total de mais de 724 mil mortos), muitas crianças sofrem com a doença e podem ter de conviver com sintomas persistentes, além de poderem desenvolver uma síndrome rara, conhecida como Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, que é uma reação inflamatória grave associada a uma resposta tardia ao vírus.
O impacto da covid-19 entre crianças nas Américas já foi descrito pela diretora da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Carissa Etienne, em fala à imprensa em setembro, como “severo”, tanto para a saúde mental quanto física. Ela ressaltou que, à medida que mais adultos são vacinados, maior a porcentagem de crianças entre as hospitalizações e mortes pela doença. “Então, sejamos claros: crianças e jovens também enfrentam um risco significativo de adoecer com a covid-19”, afirmou.
Nos Estados Unidos, os casos de infecção em crianças aumentaram depois da chegada da variante delta, considerada mais transmissível. Elas passaram a representar um quarto dos novos casos da doença registrados no país. A vacinação dessa faixa etária é considerada importante para manter as escolas abertas, reduzir as chances de novas quarentenas e de transmissão para os adultos mais vulneráveis.
1,9 milhão
de crianças de 5 a 11 anos foi infectada pela covid-19 nos Estados Unidos até o final de outubro de 2021; desse total, 8.300 foram hospitalizadas, segundo dados do governo americano
O problema nos Estados Unidos tem sido, porém, a recusa dos pais em vacinar seus filhos. Uma pesquisa do final de outubro de 2021 mostrou que apenas um em cada três pais liberariam os filhos para serem vacinados imediatamente. Os demais estão relutantes ou se opõem à iniciativa. Uma outra pesquisa do instituto Ipsos mostrou que 42% dos pais classificaram como improvável a vacinação dos filhos.
Em agosto, a Anvisa negou um pedido feito pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, para liberar a Coronavac para crianças a partir dos 3 anos. O instituto havia apresentado resultados preliminares de estudos das fases 1 e 2 (em grupos menores de voluntários) para embasar o pedido.
Segundo Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, faltaram dados sobre a eficácia, sobre a duração da proteção da vacina e sobre a proteção para crianças com comorbidades. “O que concluímos é que os dados apresentados até o momento são insuficientes para estabelecer o perfil de segurança na população pediátrica. Portanto, a relação de benefício-risco é desfavorável para o uso da vacina nessa população”, afirmou, à época.
No começo de outubro, o Ministério da Saúde chegou a reconhecer que poderia vacinar crianças apenas em 2022 , caso houvesse aprovação da Anvisa, mas o tema não chegou a ser incluído nos planos. No final daquele mês, a Pfizer divulgou uma nota afirmando que entrará com um pedido de autorização na agência em novembro para que a vacina possa ser aplicada em crianças de 5 a 11 anos, como nos Estados Unidos. Dois dias depois do comunicado, os diretores do órgão receberam e-mails com ameaças de morte .
O presidente Jair Bolsonaro tem questionado a segurança das vacinas para crianças e adolescentes. Depois de tratar do assunto numa transmissão ao vivo pela internet ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a pasta decidiu em setembro suspender a vacinação de jovens de 12 a 17 anos no país — desde junho, a Anvisa autorizou a imunização com a vacina da Pfizer para pessoas acima dos 12 anos .
O ministério recuou cerca de uma semana depois, ainda em setembro. Mas Bolsonaro continua levantando dúvidas sobre o tema, sem apresentar dados científicos. No domingo (31), ele se encontrou com o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, na reunião da cúpula do G20, em Roma, e tratou do tema. Depois da conversa, o presidente divulgou nas redes sociais um vídeo editado para dizer que a entidade se opunha à vacinação de crianças.
A posição oficial da OMS, porém, é a de que ainda faltavam dados de segurança para poder emitir uma orientação geral sobre o assunto. A entidade admite rever sua posição assim que saírem novos resultados de estudos, como os que foram feitos nos Estados Unidos e que ampararam a decisão da FDA. A recomendação para não vacinar crianças é antiga e se devia à escassez de imunizantes no mundo. Para a organização, é necessário vacinar primeiro os grupos que podem ser mais afetados pela doença, como profissionais de saúde e idosos em países que ainda engatinham na imunização por falta de doses.
A situação da covid-19 entre as crianças no Brasil indica a necessidade da vacinação do grupo. Um levantamento do jornal O Estado de S. Paulo publicado em junho de 2021 mostrou que o Brasil era o segundo país com mais mortes de crianças proporcionalmente à sua população pela doença, ficando atrás apenas do Peru. O grupo de 0 a 17 anos representa quase um quarto da população brasileira, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outro levantamento da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), divulgado em agosto de 2021, mostrou que mais da metade das vítimas mais novas é formada por crianças acima dos 2 anos.
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crianças e jovens até 18 anos morreram de covid-19 em 2020 no Brasil, dos quais 55% tinham mais de 2 anos de idade
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