Como o Brasil pode cumprir suas metas climáticas em 3 frentes
Marcelo Roubicek
08 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h30)O ‘Nexo’ ouviu especialistas para entender quais políticas públicas precisam ser adotadas se o país quiser mesmo reduzir emissões de gases do efeito estufa com origem no desmatamento, agropecuária e setor energético
Área de floresta amazônica desmatada em Rondônia
Mesmo visto como pária ambiental internacional , o Brasil endossou acordos importantes na COP26, a conferência das Nações Unidas sobre a mudança climática, que acontece em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro. Além de se comprometer a reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa até 2030 – meta recebida com ceticismo –, o país assinou acordos para cortar emissões de metano e zerar o desmatamento até o fim da década.
O desmatamento e a liberação de metano no âmbito da agropecuária compõem parte significativa das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Além delas, o setor de energia também é uma frente importante de emissões. Em 2020, apesar da pandemia de covid-19, o Brasil aumentou suas emissões totais em relação a 2019, indo na contramão da maior parte do mundo.
Neste texto, o Nexo explica como acontecem as emissões brasileiras no âmbito do desmatamento, da agropecuária e da energia, e ouve especialistas sobre o que poderia ser feito para reduzir os gases de efeito estufa liberados na atmosfera em cada uma dessas atividades. A avaliação geral é que faltam políticas públicas voltadas para esse objetivo.
Segundo dados do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), ligado ao Observatório do Clima, o desmatamento é o principal responsável pelas emissões brutas brasileiras, com 46%. As emissões brutas, diferentemente das líquidas , são as que não consideram a remoção de carbono da atmosfera por crescimento de novas vegetações. As líquidas equivalem às brutas menos o total de gases que foram retirados da atmosfera por essas novas vegetações.
Entre 2004 e 2012, o Brasil conseguiu reduzir o nível de desmatamento adotando medidas como monitoramento via satélite, expansão de áreas protegidas na Amazônia e restrição de crédito rural para fazendeiros que não cumpriam a lei ambiental.
O desmatamento na Amazônia parou de cair a partir de 2012, nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). As explicações para o quadro incluem mudanças de ordem política, como a aprovação do novo Código Florestal de 2012 — considerado mais permissivo —, o abandono da demarcação de áreas protegidas e a redução orçamentária do Ministério do Meio Ambiente.
A situação se agravou no governo de Jair Bolsonaro, que se opõe publicamente à proteção ambiental e deixa de investir em medidas que no passado fizeram o desmate cair. O presidente tirou o poder de órgãos ambientais, quer afrouxar leis da área, paralisou a demarcação de terras indígenas (que atuam para proteger a floresta ) e defende grupos como garimpeiros (responsáveis por invasões a terras protegidas).
O desmatamento tem crescido em ritmo maior no Brasil em anos recentes, segundo dados medidos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Em 2019, a área da Amazônia Legal desmatada foi 34,4% superior à do ano anterior; em 2020, 7,1% maior que em 2019.
Na COP26, o governo Bolsonaro assinou um compromisso que vai na direção contrária dos movimentos recentes. Mais de cem países – incluindo o Brasil – se comprometeram em acabar com o desmatamento até 2030.
Segundo Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, o caminho para reduzir o desmatamento – e, consequentemente, diminuir as emissões causadas por essa atividade no Brasil – passa por duas principais frentes.
A primeira é reestruturar o sistema de combate aos crimes ambientais, que foi esvaziado no governo Bolsonaro. Para Astrini, é necessário “retomar o combate ao crime ambiental, com fortalecimento tanto das agências de fiscalização ambiental – como Ibama e ICMBio – como do policiamento e da força de implementação da lei no local do desmatamento”.
A segunda forma de reduzir o desmatamento é criando políticas que deem incentivos financeiros para desmontar a chamada economia do desmatamento.
“O desmatamento gera uma economia local, mesmo que em grande parte ilegal. É onde muitas famílias buscam sua sobrevivência, e muitas vezes é a única forma de geração de renda para essas famílias. O Estado precisa de uma política de implementação de outras economias nesses locais”, disse Astrini ao Nexo . Entre os exemplos dados, estão incentivos ao cultivo de pupunha e cupuaçu, que teriam o “potencial de ganhar uma escala global de comercialização, como o açaí teve”.
A agropecuária respondeu por 27% das emissões brutas de gases de efeito estufa no Brasil em 2020. Desse total, a maior parte vem da chamada fermentação entérica – pela qual animais ruminantes liberam metano na atmosfera no processo de digestão. O fenômeno – apelidado de “arroto de boi” – é responsável por cerca de dois terços de todas as emissões de metano no Brasil.
218,2 milhões
foi o número de cabeças de gado no Brasil em 2020, segundo o IBGE
Além da fermentação entérica, as emissões da agropecuária também vêm do manejo de solo para ser ocupado por rebanhos. Essas emissões estão ligadas ao uso de fertilizantes sintéticos.
Na COP26, o Brasil assinou o Compromisso Global do Metano, junto com outros 96 países. Pelo tratado, os signatários determinam que vão reduzir em 30% as emissões de metano até 2030.
O metano é um poderoso gás estufa. Em termos de retenção de calor na atmosfera, a liberação de 1 kg de gás metano equivale à liberação de 25 kg de gás carbônico. O Brasil é o quinto maior emissor de metano do mundo – os três maiores, China, Rússia e Índia, não assinaram o compromisso.
Para Astrini, “a diminuição das emissões de metano podem se dar principalmente através da implementação de novas tecnologias na pastagem”. Entre elas estão novas gramíneas e rações animais que geram menor fermentação no processo digestivo do gado.
Segundo o secretário executivo do Observatório do Clima, essas tecnologias já estão disponíveis no Brasil, mas é necessário investimento e estímulo para que elas sejam efetivamente adotadas mais amplamente. Isso poderia ocorrer, por exemplo, via incentivos no Plano Safra , principal programa de crédito agropecuário do país.
Astrini também afirmou que o país pode avançar na adoção de técnicas de “manejo de pastagem”, segundo as quais, resumidamente, os espaços de pastagem seriam divididos e submetidos a um sistema de descanso, em vez de criação livre do gado em um único espaço.
De forma geral, a adoção dessas técnicas e a implementação generalizada de novas tecnologias na agropecuária podem gerar um efeito duplo, de acordo com Astrini. O primeiro efeito são as reduções das emissões na agropecuária. O segundo efeito é o aumento da produtividade e da eficiência no campo, que também geraria um impacto econômico positivo no agro brasileiro.
A transição para energia limpa é considerada um dos pontos centrais para que o mundo consiga reduzir suas emissões e cumprir a meta do Acordo de Paris – tratado assinado em 2015, que coloca o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100 .
No âmbito desse acordo, o Brasil assumiu a meta de reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050. Em 2020, o governo de Jair Bolsonaro havia feito uma manobra para mudar a base de cálculo usada originalmente em 2015 para o compromisso de redução de emissões. Com isso, acabou aumentando a quantidade de gases que poderá ser emitida nos próximos anos sem descumprir a meta. Em 2021, aumentou a meta de redução, mas acabou voltando ao patamar de emissões prometido em 2015.
O setor de energia é outra frente responsável por parcela importante das emissões brasileiras. Essa área comporta emissões em diferentes tipos de atividades: transportes, produção de indústrias e geração de energia elétrica são as principais. Em 2020, a pandemia e a paralisação parcial da economia reduziram as emissões ligadas à energia, mas a retomada da atividade econômica deve impulsionar esse número novamente em 2021.
Considerando o total de emissões do setor de energia – ou seja, somando geração de energia elétrica, transportes, indústrias e outros – o país é bastante dependente de combustíveis fósseis, sobretudo derivados do petróleo, como gasolina e diesel. Trata-se, portanto, de uma matriz energética majoritariamente suja.
Mas do ponto de vista apenas da geração de energia elétrica, o Brasil tem uma matriz relativamente limpa . Quase dois terços de toda a energia gerada vem das usinas hidrelétricas.
Em 2020 e 2021, a crise hídrica levou reservatórios das hidrelétricas a níveis historicamente baixos. Nesse contexto, o governo vem acionando cada vez mais usinas termelétricas (ou térmicas), mais caras e poluentes, para suprir o deficit de energia do país.
Além disso, na Medida Provisória que aprovou a privatização da Eletrobras – maior empresa do setor elétrico brasileiro – incluiu trechos obrigando a contratação futura de energia elétrica gerada por termelétricas. Os trechos foram considerados “jabutis” , nome dado a medidas sem ligação direta com a proposta central em tramitação no Congresso.
Segundo Ricardo Baitelo, coordenador de projetos do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente), o Brasil deveria agir em três principais frentes para reduzir emissões ligadas à geração de energia elétrica. Em todas elas, o poder público é o principal responsável para tomar ação: “há iniciativas individuais, mas acho que isso fica como colateral. O governo é quem realmente deveria fazer o seu papel”, disse Baitelo.
Uma das frentes seria justamente a de diminuir o espaço das termelétricas na matriz elétrica brasileira. “É preciso ter transparência nas regras de contratação de energia. Não podemos favorecer uma fonte ou outra: é preciso garantir espaço para que todas elas participem dos leilões. Com condições iguais, as fontes renováveis já são capazes de ocupar esse espaço”, afirmou o coordenador do IEMA ao Nexo .
Outra frente seria um plano de descontinuidade do carvão, material cuja queima é responsável por quase 2% da energia elétrica gerada no país. Baitelo apontou que o governo publicou no segundo semestre de 2021 o detalhamento de um plano para “uso sustentável de carvão ”, o que vai na contramão do fim à queima desse material no país.
Por fim, Baitelo também falou que é necessário ampliar subsídios e isenções fiscais para adoção de energia eólica e solar em todo o país. Essas medidas poderiam ser tomadas a nível nacional, estadual e municipal.
Astrini, por sua vez, também citou políticas que poderiam ser adotadas para reduzir as emissões ligadas a energia no âmbito dos transportes. Uma delas seria o investimento de infraestrutura para reduzir a dependência do transporte rodoviário – altamente poluente, por ser movido principalmente a diesel.
Outra medida possível seria a ampliação da oferta de transporte público nos grandes centros urbanos, que, além de melhorar a qualidade de vida da população, poderia reduzir a quantidade de carros circulando no dia a dia nas cidades. Por fim, Astrini também disse que é importante fazer a transição de combustíveis de veículos em direção à eletrificação das frotas – ou seja, começar ampliando o papel do etanol, menos poluente que a gasolina, até chegar ao carro elétrico.
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