5 pontos para entender o que pode sair de resultado da COP26
Mariana Vick
12 de novembro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h33)Negociações avançaram ao propor fim de subsídios para combustíveis como petróleo e carvão, mas metas dos países ainda são insuficientes para cumprir objetivo ideal do Acordo de Paris
Pessoa com máscara do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, protesta durante a COP26, em Glasgow, na Escócia, com um saco de dinheiro para combustíveis fósseis e uma placa com a pergunta: ‘onde está o dinheiro para o clima?’
A COP26 , conferência do clima da ONU em Glasgow, na Escócia, enfrenta negociações difíceis na sua reta final. Previsto originalmente para terminar na sexta-feira (12), o evento deve se estender até este sábado (13).
A conferência se encerra com o anúncio de um acordo final assinado pelos países que participam do evento, após negociações feitas ao longo de duas semanas com o objetivo de regulamentar o Acordo de Paris de 2015 e manter vivas suas metas de limitar o aquecimento global, em uma década considerada urgente para enfrentar a mudança climática .
Até agora, as definições que já saíram do evento trazem alguns avanços para o combate à crise do clima, mas no geral as propostas ainda são insuficientes para limitá-la ao nível almejado pelos organizadores. Parte dos temas debatidos devem ter apenas decisões vagas.
O Nexo mostra o que avançou e o que poderia ter avançado mais na COP com base em um rascunho do acordo final liberado pela conferência na manhã de sábado (13). O texto precisa ser aprovado pelos países.
Até agora, o acordo da COP26 pede a todos os países que elevem seus compromissos climáticos até 2022 para atingir a meta de 1,5ºC , como define o Acordo de Paris. Também os insta (no sentido de instruir) a entregarem até 2022 planos para zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa até 2050.
Ativista protesta contra a mudança climática às vésperas da COP-26, em Glasgow, Escócia
É importante notar o tipo de linguagem usada nesse contexto. Segundo observadores do evento, quando o documento final usa verbos como “decidir” e “pedir”, está sendo mais incisivo, enquanto palavras como “instar” e “urgir” (algo dos países) indicam medidas mais vagas.
Segundo o rascunho atual, a COP26 reconhece mais uma vez a importância de se limitar o aquecimento global a 1,5ºC para evitar efeitos mais graves da mudança climática. Para isso, os países devem cortar drasticamente emissões de gases de efeito estufa.
45%
é quanto as emissões de gases de efeito estufa devem cair até 2030 (em relação aos níveis de 2010) para se atingir a meta de 1,5ºC
2050
é o ano em que os países devem atingir a neutralidade de carbono (em que todas as emissões são compensadas) para manter a meta de 1,5ºC, segundo o texto
Manter viva a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºCaté 2100 em relação aos níveis pré-industriais — objetivo ideal do Acordo de Paris, que também fala em temperaturas de até 2ºC — era um dos principais objetivos da COP26. Em geral, porém, os países não apresentaram compromissos climáticos mais ambiciosos no evento, como era esperado de EUA e União Europeia, por exemplo.
Na terça-feira (9), um estudo publicado em Glasgow pela coalizão Climate Action Tracker mostrou que as metas anunciadas na COP26 até aquele momento levavam o mundo ao caminho de 2,4ºC de aquecimento até 2100, longe do patamar do Acordo de Paris.
Manifestantes tomam as ruas de Glasgow, na Escócia, durante a COP26
A diferença entre aquecimentos de 1,5ºC, 2ºC ou 2,5ºC pode parecer pequena no número. Quanto mais altas ficam as temperaturas médias, porém, mais graves são os impactos. Entre os efeitos esperados da mudança do clima, estão o aumento de eventos climáticos extremos, como ondas de calor e inundações.
Na ausência de compromissos suficientes, a COP26 pede aos signatários do Acordo de Paris que preparem novos planos até 2022. Os países que não haviam apresentado plano nenhum entre 2020 e 2021 também devem fazê-lo até o ano que vem, segundo o texto.
Considerado um dos temas mais importantes do Acordo de Paris, o financiamento climático de US$ 100 bilhões de dólares anuais dos países mais ricos para os mais pobres não foi cumprido até 2020, o que a COP26 nota com “profundo pesar”, segundo o documento divulgado neste sábado (13).
O texto divulgado até o momento insta os países a cumprirem com a meta de US$ 100 bilhões com urgência até 2025. Apesar de ser de conhecimento de todos que esse valor deve ser pago anualmente — não em cinco anos —, o documento não faz essa especificação.
Indígenas na COP26 seguram cartaz que diz: ‘o colonialismo causou a mudança climática; os povos indígenas são a solução’
O financiamento climático foi um dos principais motivos de embate entre países mais ricos e mais pobres na COP26. Entre as expectativas para o evento, estava a de que as verbas aumentassem e se prolongassem para além de 2025. O texto divulgado até agora não menciona isso.
Outra expectativa dos países em desenvolvimento era de que o financiamento climático se voltasse mais a medidas de adaptação à mudança do clima (como obras de infraestrutura para resistir a eventos climáticos extremos, como inundações) e menos ao corte de emissões, como é hoje.
25%
do financiamento climático hoje vai para medidas de adaptação; o restante vai para mitigação (nome dado ao corte de emissões)
Na abertura da COP26, a Bolívia, por exemplo, chamou a abordagem centrada na redução de emissões de “ colonialismo de carbono ”. Para o país, a meta de neutralidade de carbono até 2050 é pouco viável para os países mais pobres, e é preciso financiamento para outras medidas.
No texto acordado até este sábado (13), a COP26 reconhece que o financiamento para adaptação é insuficiente, mas apenas “insta” os países desenvolvidos a dobrarem os valores direcionados a esse tipo de medida até 2025, em comparação com o nível atual.
Outro ponto do texto salienta a necessidade de mobilizar todas as fontes (não só as públicas) para o financiamento climático, como as instituições financeiras e os bancos de desenvolvimento, mas o documento faz apenas referências vagas a esses atores.
Entre os temas que dividiram países mais ricos e mais pobres na COP26 está também o que o evento chama de perdas e danos. Os países que já sentem efeitos graves da mudança do clima pedem recursos que reparem essas perdas, além dos US$ 100 bilhões anuais previstos no Acordo de Paris.
O acordo debatido até este sábado (13) reconhece que a mudança climática já causa e deve provocar ainda mais danos aos países mais vulneráveis, à medida que as temperaturas aumentam, mas não estabelece um ponto de partida para a reparação desse problema.
Um agricultor caminha em um lago seco nos arredores de Baokang, província de Hubei, na China
No contexto da mudança do clima, consideram-se perdas e danos os desastres causados por eventos climáticos extremos (ondas de calor incomuns, inundações, secas, incêndios florestais, entre outros) ou pelo aumento do nível do mar nas ilhas e áreas costeiras, por exemplo.
O aquecimento global também traz impactos econômicos. Em informe anunciado na segunda-feira (8) em Glasgow, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) afirma que a crise do clima pode jogar 132 milhões de pessoas na pobreza.
80%
é quanto os países mais vulneráveis podem ver de queda no PIB (Produto Interno Bruto) por habitante por conta da mudança climática, segundo estudo publicado na segunda-feira (8) pela ONG Christian Aid
Entre os avanços sobre o tema, está a criação da Rede de Santiago de Perdas e Danos na COP25, em 2019, que busca enviar assistência técnica a lugares que enfrentam esse tipo de problema. No texto de agora, a COP26 decide que a rede poderá dar também apoio financeiro no futuro.
Na quinta-feira (11), a China e o grupo G77 (de países em desenvolvimento) propuseram a criação de um fundo voltado para perdas e danos. O grupo sugere que ele seja fundado em Glasgow, mas que a próxima COP decida como fazê-lo funcionar.
A proposta teve resistência de países desenvolvidos, que, de modo geral, defendem que os custos dos danos da mudança do clima sejam arcados por cada país. Para eles, fundos globais devem financiar cortes de emissões. Esse é também o embate que marca a discussão sobre o financiamento para adaptação.
Segundo as resoluções divulgadas até o fim deste sábado (13), o acordo final da COP sinaliza para a eliminação progressiva da energia do carvão considerado de baixa potência e dos “subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis” como o petróleo e o gás.
A decisão divulgada é uma versão suavizada do acordo feito poucos dias antes na conferência. Segundo o rascunho anterior, a COP deveria “acelerar [palavra agora retirada] a eliminação progressiva do carvão e dos subsídios [todos, não só os ineficientes] para os fósseis”.
Ativistas usam máscaras de galões de petróleo em protesto às vésperas da COP-26, em Glasgow, Escócia
O texto sofreu mudanças nos últimos dias do evento após pressão da Arábia Saudita e da Rússia, grandes produtores de petróleo e gás natural. Para observadores do evento, a discussão sobre combustíveis fósseis na COP26 não está perdida, mas recuou.
“Esses qualificadores [como o de subsídios ‘ineficientes’] minam completamente a intenção. São lacunas tão grandes que você poderia dirigir um caminhão por eles”
Os combustíveis fósseis estão entre os principais responsáveis pela mudança do clima. Movido em grande medida a petróleo e carvão, o setor de energia é hoje o que mais gera emissões. Entre os objetivos da COP estava o de criar acordos para acelerar a transição energética.
Com o texto, é a primeira vez que a COP faz referência direta aos combustíveis fósseis. No Protocolo de Kyoto de 1997, falava-se na redução de subsídios para “setores emissores de gases de efeito estufa”, mas, a rigor, os fósseis não eram mencionados textualmente, em parte por conta da pressão do setor dentro das conferências.
Outros acordos sobre combustíveis fósseis foram firmados na COP26, mas com pouco alcance. Na primeira semana do evento, 77 países se comprometeram a eliminar o uso do carvão . EUA, China e Índia, que estão entre os maiores dependentes do insumo, porém, ficaram de fora.
Na terça-feira (9), 30 países e seis montadoras, como Ford, GM e Mercedes, concordaram em trabalhar para vender apenas veículos elétricos até 2040. Mais uma vez, EUA, China e Japão, que estão entre os maiores mercados de veículos, não aderiram ao texto.
Outro tema que ficou no centro das negociações da COP26 foi o dos mercados de carbono, medida criada no Protocolo de Kyoto, firmado em 1997, para precificar os gases de efeito estufa lançados na atmosfera por governos, empresas ou organizações.
Nos mercados de carbono esses atores comercializam os chamados créditos de carbono (ou direitos de emissões). Quando uma empresa apoia um projeto de energia limpa, por exemplo, ela recebe um crédito de carbono que compensa suas emissões na atmosfera.
1
crédito de carbono corresponde a uma tonelada de gás carbônico (CO2) compensada por um projeto ambiental
Com a aprovação do Acordo de Paris, que substitui o Protocolo de Kyoto, os países devem definir regras para os novos mercados de carbono. O tema travou discussões na COP25, em 2019, e até esta sexta-feira (12) ainda não estava definido em Glasgow.
No rascunho deste sábado (13), a COP26 propõe transferir as divergências entre os países sobre o tema para uma instância da ONU que deve decidir os critérios para cada mercado. A proposta foi articulada pelo Brasil em parceria com o Japão para superar as discussões em torno do texto.
Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, durante cerimônia no Palácio do Planalto em outubro
Em 2019, a delegação brasileira foi uma das que mais impediram o avanço das discussões. O governo brasileiro propunha que créditos de carbono obtidos a partir de projetos ambientais financiados por outros países no Brasil também deveriam contar para as emissões nacionais.
Propostas como essa promovem “dupla contagem” e ferem a integridade ambiental dos mercados de carbono, segundo ambientalistas. Na COP26, porém, a delegação brasileira anunciou ter flexibilizado suas posições após a proposta do Japão de atribuir a uma instância da ONU a decisão sobre os critérios para cada caso.
Embora seja um dos pontos centrais da COP, os mercados de carbono não têm apoio de parte dos ambientalistas, que os consideram uma “licença para poluir”. Críticos também afirmam que esses mercados podem ser ineficientes, dada a dificuldade de se contarem as compensações.
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