Expresso

Como as aglomerações de carnaval podem impactar a pandemia

Mariana Vick

02 de março de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h23)

Apesar das restrições, blocos de rua se espalharam pelo Rio de Janeiro, enquanto em São Paulo foliões se concentraram em festas privadas. O ‘Nexo’ conversou com pesquisadores sobre os possíveis efeitos

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FOTO: LUCAS LANDAU/REUTERS – 27.FEV.2022

Foliões se reúnem em festa de carnaval de rua. Várias pessoas estão aglomeradas, usando roupas coloridas. Algumas tocam instrumentos.

Foliões se reúnem em festa de carnaval de rua no Rio de Janeiro

Apesar de as comemorações de carnaval de 2022 terem sido afetadas pela proibição de blocos de rua, desfiles improvisados ocorreram em parte do país e festas particulares — que foram permitidas — reuniram milhares de pessoas nas principais capitais.

Especialistas em saúde divergem sobre o impacto dessas aglomerações na fase atual da pandemia, marcada pela desaceleração de novos casos de covid-19 após o pico da onda causada pela variante ômicron entre janeiro e fevereiro. Para eles, o que ocorrer após o feriado será importante para entender o futuro da crise sanitária no país.

O Nexo explica como foi o carnaval nas principais cidades do país e qual pode ser seu efeito para o cenário da covid-19, com base em avaliações de pesquisadores. Mostra também o quadro atual da pandemia.

O que marcou o carnaval

Apesar das restrições impostas ao carnaval de rua na maior parte do país, a cidade do Rio de Janeiro registrou blocos improvisados no feriado. Diversos grupos saíram pela cidade ou fizeram a festa parados entre sexta (25) e terça-feira (1º), encorajados pela pouca fiscalização das ruas.

Mais de 2.000 pessoas participaram na noite de terça (1º) de aglomerações próximas da região do Porto, segundo reportagem do jornal O Globo. Em São Paulo, blocos improvisados também foram às ruas , principalmente no centro da cidade, mas de forma mais tímida .

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 1º.MAR.2022

Pessoa participa de baile de carnaval no Rio de Janeiro. Ela está fantasiada com uma roupa nas cores branca e preta, com ombreiras e mangas gigantescas. Ela também tem o rosto pintado de branco usa uma peruca alta, grisalha.

Pessoa participa de baile de carnaval no Rio de Janeiro

Os principais eventos na capital paulista ficaram por conta das festas, bailes e shows privados, que foram permitidos na cidade com 70% da capacidade. No Espaço das Américas, na região oeste da cidade, uma festa na terça reuniu cerca de 7.000 pessoas , que assistiram a shows de artistas como Ludmilla.

Outros eventos ocorreram em diversos pontos da cidade. Grande parte dessas festas ocorreu em espaços fechados — a despeito do risco que esses lugares representam para a transmissão do coronavírus — e cobrou entrada, com ingressos que chegaram a R$ 1.500 .

Em Salvador — que também proibiu o carnaval de rua, mas permitiu festas particulares — o cenário foi parecido. No sábado (26), o Baile Barra-Ondina , realizado no Clube Espanhol, um dos mais tradicionais da cidade, recebeu cerca de 1.500 pessoas, que pagaram até R$ 400 para entrar.

A permissão desse tipo de evento enquanto os blocos de rua foram em teoria proibidos despertou críticas às vésperas do feriado sobre o que seria a “privatização” do carnaval . No Rio, participantes dos blocos de rua disseram ter se aglomerado como forma de protesto contra essa contradição.

Em cidades como Brasília , o carnaval não registrou aglomerações. Na terça-feira (1º), moradores da capital federal fizeram passeios ao ar livre e em família, segundo o jornal Correio Braziliense. A reportagem disse não ter flagrado indícios de blocos ou reuniões que desrespeitassem a proibição do carnaval no Distrito Federal.

O que pode vir depois do feriado

Segundo Paulo Inácio Prado, professor do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do Observatório Covid-19 BR , aglomerações como as que foram registradas em parte do país no carnaval são eventos de alto risco de exposição ao coronavírus, especialmente em locais fechados e sem uso de máscara.

O impacto do carnaval, porém, ainda é incerto, segundo Roberto Kraenkel, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e também membro do observatório. Os primeiros resultados devem ser vistos nas próximas semanas. Para antecipar esse cenário seria preciso “saber quantas pessoas suscetíveis se expuseram ao vírus”, o que ainda não se sabe, disse ele ao Nexo .

FOTO: LUCAS LANDAU/REUTERS – 12.01.2022

Foto tirada de cima, mostra várias pessoas sentadas em cadeiras afastadas, esperando

Fila para receber atendimento em unidade voltada para pessoas com sintomas gripais no Rio de Janeiro

Pesquisadores chamam de “pessoas suscetíveis” aquelas que ainda podem ser infectadas pelo coronavírus caso estejam expostas a ele — seja por ainda não terem se infectado ou por estarem com a vacinação incompleta, tendo mais chances de se infectar e de desenvolver quadros graves da doença.

Em fevereiro, relatório da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) sobre os dois anos de pandemia no Brasil afirmou que a quantidade de pessoas suscetíveis pode ter reduzido depois da explosão de casos de covid-19 causados pela variante ômicron no início de 2022, pois muitos se infectaram nesse período.

O período estimado para reinfecção pelo coronavírus é de 70 a 80 dias. Nesse sentido, o relatório afirma que, entre fevereiro e março, um número significativo de brasileiros estará com a imunidade contra a covid-19 fortalecida, ao menos temporariamente. Com o aumento da vacinação e a manutenção de medidas preventivas, o país teria uma “janela de oportunidade” para frear a pandemia.

Prado questiona a possibilidade de que o número de pessoas vulneráveis ao vírus tenha se esgotado. Segundo ele, não há dados seguros sobre a pandemia no Brasil para se fazer esse tipo de afirmação. Além disso, ele lembra que parte da população está mais exposta aos efeitos do vírus.

Entre esses grupos, estão idosos e pessoas imunossuprimidas (que têm imunidade baixa). Há também pessoas não vacinadas, como a maior parte das crianças. O professor também mencionou a possibilidade de surgir uma nova variante do coronavírus nesse tempo — o que mudaria o cenário da crise sanitária no país.

FOTO: PILAR OLIVARES – 05.03.2021/REUTERS

Pessoas enfileiradas, usando máscaras. No centro está um senhor branco idoso segurando um jornal para se proteger do sol. As pessoas estão esperando, e parecem próximas, aglomeradas

Fila para receber a vacina contra a covid-19 em Duque de Caxias, Rio de Janeiro

Brigina Kemp, assessora técnica do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de São Paulo e também integrante do Observatório Covid-19 BR, afirmou também que os números da covid-19 no Brasil ainda são altos, apesar de mostrarem tendência de desaceleração.

“O número de casos nas últimas semanas é comparável com o que tivemos no final da onda do início de 2021. Não dá para comparar [o cenário de agora] apenas com a onda de janeiro de 2022, que foi enorme. Ainda temos muitos casos, hospitalizações e óbitos”, disse ao Nexo .

Prado ponderou que o impacto do carnaval pode variar dependendo da atividade de que cada pessoa participou durante o feriado. Quem foi a festas com aglomerações “certamente corre mais risco de se infectar, especialmente se não tem a vacinação completa”, disse. Por outro lado, “as pessoas que optaram por atividades de menor risco podem ter ficado menos expostas no feriado do que nos dias de trabalho”.

Qual o quadro atual da pandemia

Nesta quarta-feira (2), o país registrou 30.995 novos casos e 370 mortes por covid-19, segundo dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde). A média móvel de infecções nos últimos 7 dias, de 51.039, é a menor desde 11 de janeiro de 2022 — o que aponta para a desaceleração da pandemia, principalmente em relação ao primeiro mês do ano, quando o país chegou a registrar mais de 200 mil casos diários.

Embora ainda seja alto, o número de mortes por covid-19 parece ter se estabilizado no país. A média móvel de óbitos nos últimos 7 dias nesta quarta (2) foi de 512, a menor desde 28 de janeiro. Os números dos últimos dias podem ter sido influenciados pelo feriado, quando há menos registros.

FOTO: BRUNO KELLY/REUTERS – 9.FEV.2021

Imagem mostra homem idoso vestido a camisa da seleção brasileira recebendo vacina no braço esquerdo de profissional de saúde usando avental, touca e máscara

Morador de comunidade às margens do rio Negro, no Amazonas, recebe vacina contra a covid-19

Segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, 72,2% da população está vacinada com as duas doses ou dose única contra a covid-19. Cerca de 30% estão imunizados com a terceira dose de reforço, considerada fundamental contra a variante ômicron.

O futuro da crise sanitária

Apesar de os impactos do carnaval serem incertos, os números da pandemia nas próximas semanas serão importantes para se entender o cenário da covid-19 no Brasil no futuro. O Ministério da Saúde diz estudar a possibilidade de reclassificar a doença como endemia (e não mais pandemia).

Doenças endêmicas são aquelas que estão sempre presentes e permanecem estáveis ao longo do tempo. Em geral, são doenças com as quais as sociedades aprendem a lidar. A dengue no Brasil, por exemplo, é endêmica, embora em alguns períodos haja picos de casos da doença.

A mudança no status de pandemia para endemia da covid-19 vem ocorrendo em países como Dinamarca e o Reino Unido após o pico de casos causados pela variante ômicron. Caso ocorra, essa alteração permitirá o fim de medidas preventivas, como a exigência do uso de máscaras e a proibição de grandes eventos.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 16.FEV.2022

Mulher sentada no ônibus, usando máscara, olha através da janela. Há um homem sentado na frente dela, também de máscara, e outras pessoas ao fundo.

Mulher olha através da janela de ônibus em Brasília

Para Brigina Kemp, ainda é precipitado falar em endemia no Brasil. Ao Nexo , ela reforçou que o número de casos de covid-19 no Brasil ainda é alto e não deve ser comparado apenas ao pico de 2022. “Teríamos que ter um número de casos bem inferior ao que tivemos [durante toda a pandemia] e observar sua manutenção durante meses ou anos”, disse.

No relatório sobre os dois anos de pandemia publicado em fevereiro, pesquisadores da Fiocruz disseram que é possível frear o coronavírus no Brasil ainda em 2022, considerando a redução no número de suscetíveis entre fevereiro e março, mas apenas com medidas preventivas.

Essa “janela de oportunidade” é finita, disse ao Nexo o pesquisador Raphael Guimarães na época. Depois de março, o número de pessoas suscetíveis ao coronavírus pode voltar a crescer, já que, passados 80 dias, elas poderão voltar a se infectar — sem contar a possibilidade de surgir uma nova variante.

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