Expresso

O que é o Rumble, plataforma que une Greenwald e Monark

Cesar Gaglioni

23 de março de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h25)

Concorrente do YouTube fundado por canadense em 2013 deve chegar ao Brasil em breve. Assim como outras plataformas criadas para fugir da moderação de conteúdo, site virou ponto de encontro da extrema direita

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FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER

Logo do Rumble em celular

Logo do Rumble em celular

O influenciador digital Bruno Aiub, conhecido como Monark, deve ser o representante brasileiro da plataforma canadense de vídeos Rumble. Ele fez o anúncio em suas redes sociais na noite de terça-feira (22), cerca de um mês depois de ter saído do “Flow”, podcast fundado por ele, após uma fala em que afirmou que a existência de um partido nazista deveria ser tolerada no Brasil.

“Minhas férias acabaram, se preparem que eu tô de volta, agora com mais liberdade do que nunca!”, afirmou no Twitter. “Uma plataforma que respeita a liberdade de expressão e que não vai censurar ninguém”, disse, compartilhando uma postagem do perfil canadense do Rumble que dizia que o Brasil é o novo destino da empresa.

Fundado em 2013 pelo canadense Chris Pavlovski, o Rumble é um concorrente do YouTube que se vende como um local livre de censura. O site é usado por figuras como o ex-presidente americano Donald Trump; seu filho, Donald Trump Jr.; o jornalista americano Glenn Greenwald e o ator e comediante Russell Brand.

Neste texto, o Nexo explica o que é o Rumble, como ele funciona e por que o site atraiu especialmente figuras da extrema direita.

‘Imune à cultura do cancelamento’

O Rumble foi fundado pelo programador Chris Pavlovski em 2013. Cientista da computação formado pela Universidade de Toronto e ex-funcionário da Microsoft, ele queria construir uma plataforma de vídeos que “apoiasse opiniões diversas, expressões autênticas e um diálogo aberto”.

Com cerca de 36 milhões de usuários mensais, segundo dados da própria plataforma levantados em dezembro de 2021, o Rumble ainda é pequeno se comparado aos seus dois principais concorrentes: o YouTube (1,7 bilhão de usuários mensais) e o Vimeo (230 milhões de usuários mensais).

Pavlovski diz que o Rumble é um local “imune à cultura do cancelamento”, um espaço aberto para todo tipo de ideia. O site tem regras internas que proíbem a publicação de conteúdos “difamatórios, pornográfico, odiosos ou que incitem a violência”. A plataforma não divulga se as diretrizes são cumpridas.

O ex-presidente americano Donald Trump publica vídeos semanalmente no Rumble, com trechos de seus discursos e encontros com apoiadores. O filho dele, Donald Trump Jr., faz o mesmo. Eleitores de Trump frequentemente publicam vídeos no Rumble celebrando a invasão ao Congresso americano em janeiro de 2021, que acabou com cinco mortos e mais de uma centena de feridos.

O ator e comediante Russell Brand (“Rock of Ages”) apresenta um podcast na plataforma. Embora tenha se rotulado como alguém de esquerda no passado, Brand mudou seu pensamento e se alinhou à direita conspiracionista. Ele frequentemente fala de um suposto plano de dominação mundial marxista encabeçado por grandes empresas e propaga afirmações negacionistas em relação à vacina contra a covid-19.

Apoiadores da Rússia na guerra contra a Ucrânia estão usando o Rumble como ferramenta para disseminação de desinformação, como a ideia de que os bombardeios em território ucraniano foram orquestrados pelo Ocidente para desmoralizar os russos. O documentário “Ucrânia em chamas”, produzido por Oliver Stone e lançado em 2016, foi assistido 1,8 milhão de vezes no site após ter sido temporariamente removido do YouTube em março.

O Rumble tem como um de seus principais financiadores Peter Thiel, bilionário do Vale do Silício e “criador de reis da direita” . O empresário tem trabalhado na campanha de senadores de direita nos EUA e é responsável pela Palantir, empresa que ajudou o governo americano a rastrear e matar o terrorista Osama Bin Laden.

Thiel aportou US$ 500 milhões no site em maio de 2021, em parceria com J.D. Vance, escritor do livro “Era uma vez um sonho” (adaptado para o cinema pela Netflix em 2020), investidor e pré-candidato ao Senado americano pelo partido Republicano.

Os planos para o Rumble Brasil

Por enquanto, não se sabe muito sobre a presença do Rumble no Brasil para além do tweet compartilhado por Monark na terça-feira (22). O site original pode ser acessado e usado no Brasil, mas ele não conta com representação oficial no país.

O Nexo consultou registros da Receita Federal e das Juntas Comerciais estaduais e não encontrou registro de um braço brasileiro da empresa, nem sob um nome real, nem sob um nome fantasia (Rumble). O jornal também consultou o banco de dados da Ompi (Organização Mundial de Propriedade Industrial) e não encontrou pedido de registro para a marca Rumble no Brasil. Por enquanto, a marca e o logotipo estão apenas registrados no Canadá e nos EUA. Desde 2019, o Brasil integra o Protocolo de Madri , iniciativa da Ompi para unificar os registros de marcas em 120 países. Quando houver movimentação efetiva para o site chegar ao Brasil, um registro ou pedido de registro será integrado à base de dados.

O Nexo tentou entrar em contato com Monark e com a matriz do Rumble no Canadá por e-mail, mas não teve resposta até a manhã desta quarta-feira (23).

Em resposta a um comentário, Monark disse no Twitter que a iniciativa é parte de uma “luta até a morte” pela liberdade. “Esse país precisa mudar”, afirmou.

No início de fevereiro, o podcast “Flow”, fundado e até então apresentado por Monark, recebeu os deputados federais Tabata Amaral (PSB-SP) e Kim Kataguiri (Podemos-SP). Em uma discussão sobre regimes radicais de direita e esquerda, Monark saiu em defesa do antissemitismo. “Se o cara quiser ser antijudeu, eu acho que ele deveria ter o direito de ser”, disse o apresentador, tentando incluir esse tipo de discurso na pretensa “liberdade de expressão”.

A fala resultou na rescisão de contratos de patrocinadores do Flow, pedidos de remoção de vídeos do canal e, em última instância, na saída de Monark do programa e da empresa que administra o canal. Em vídeo publicado depois nas redes sociais, Monark pediu desculpas pela fala e disse que estava bêbado na hora em que falou sobre o tema, além de ressaltar seu desejo de aprendizado. O vídeo da entrevista com Tabata e Kataguiri foi removido.

Os apps da extrema direita

Apesar de ser livre para qualquer um e também atrair perfis institucionais e pessoais ligados ao centro (como a agência de notícias Reuters) e à esquerda (caso do jornalista Glenn Greenwald), o Rumble ficou conhecido por ser um ambiente confortável para a extrema direita.

Diante de ações tomadas por plataformas como o Twitter e o Facebook – que nos últimos anos da década de 2010 ficaram mais incisivas em tentar frear a desinformação e os discursos de ódio –, a extrema direita buscou outros fóruns e espaços de discussão, sem as supostas amarras das outras redes. Na visão de Harry Hernandez, pesquisador de discursos de ódio e extremismo na ONG americana Change the Terms, essas plataformas alternativas acabam sendo convidativas para aqueles que se viram “censurados” nas redes mainstream. “Eles são bem-vindos nesses locais , que não parecem ter nenhuma infraestrutura de moderação”, disse à revista Forbes em 2021.

Especialistas da área enxergam os apps alternativos da direita com preocupação . “[A migração para outras plataformas] dificulta ainda mais o diálogo e tende a criar um nicho mais radicalizado de pessoas que se sentirão à vontade para proferir discursos de ódio e compartilhar desinformação”, disse o advogado digital Marcelo Frullani Lopes em texto publicado no Nexo em 2020.

“Além disso, é mais difícil o acompanhamento pela imprensa e pela sociedade em geral do conteúdo postado pelas pessoas desse espectro político, já que se trata de uma rede social ainda pouco povoada”, afirmou, se referindo ao site Parler.

Apesar da tração, do interesse e da preocupação, nenhuma delas conseguiu ganhar o alcance das plataformas mainstream. Para Shannon McGregor, professora de mídia e pesquisadora de desinformação na Universidade da Carolina do Norte, isso acontece porque esses espaços acabam reunindo grupos que já estão “convertidos”. “Se eles não têm com quem discutir, não estão sendo notados pela mídia e por jornalistas, se ninguém reage a eles, quanto tempo dura?”, disse ao jornal New York Times em 2020. Abaixo, o Nexo lista algumas dessas plataformas.

Outras redes

Mastodon

O Mastodon é uma rede social descentralizada – ou seja, não é administrada por nenhum indivíduo, governo ou empresa. A plataforma tem código aberto, o que significa que qualquer pessoa pode criar sua própria versão do Mastodon, ou, no termo técnico usado por eles, uma instância. Cada uma delas tem suas regras próprias, o que, na prática, significa que se pode criar instâncias onde não há restrições ao discurso.

Parler

“Leia as notícias, fale livremente”, diz o slogan do Parler, que tem acesso gratuito. “Parler”, em francês, significa “falar”. Em inglês, a palavra tem sonoridade similar a “parlor” – salão, ou sala de estar. De acordo com o Parler, a moderação de conteúdo é feita com base na Comissão Federal de Comunicações e na Suprema Corte dos EUA que, nos termos da Primeira Emenda da Constituição Americana, permite qualquer tipo de expressão – mesmo discursos de ódio – desde que ela não se torne ações concretas que coloquem em risco um indivíduo ou grupo. Em janeiro de 2021, o Parler foi excluído das lojas de aplicativos da Apple e do Google após usuários da plataforma terem a usado para organizar a invasão ao Congresso americano.

Gab

No ano de sua criação, em 2016, a rede serviu de fórum para muitos eleitores do ex-presidente americano Donald Trump. Interações entre supremacistas, racistas e outros grupos radicais que não eram tolerados nas grandes redes migraram para o Gab, formando um subsistema radical. Um dos primeiros e maiores nomes da extrema direita americana a migrar para o Gab foi o supremacista branco Richard Spencer. Ele teve sua conta suspensa no Twitter por difundir mensagens que os administradores do serviço classificaram como mensagens de ódio. Assim como o Parler, a Gettr e algumas instâncias do Mastodon, o Gab também se vende como um espaço livre de qualquer tipo de censura.

Gettr

A Gettr se apresenta como “um mercado de ideias”. Criada em julho de 2021 por Jason Miller, ex-assessor de Donald Trump, a plataforma diz que “foi fundada nos princípios da liberdade de expressão, pensamento independente, rejeitando a censura política e a cultura do cancelamento”. O aplicativo foi financiado pelo bilionário chinês Guo Wengui, amigo pessoal de Steve Bannon, o guru da comunicação da extrema direita no mundo. Guo é um opositor do governo chinês e, por isso, criou laços estratégicos com Trump e seus aliados imediatos, adeptos de um discurso abertamente anticomunista e muitas vezes xenófobo. Em setembro de 2021, Jason Miller estava no Brasil e foi interrogado pela Polícia Federal a pedido do Supremo, dentro do âmbito do inquérito das fake news.

Telegram

O aplicativo de mensagens russo Telegram se tornou uma alternativa ao WhatsApp por permitir a criação de canais em que um ou mais moderadores publicam conteúdos e os inscritos recebem notificações e podem ler, assistir ou ouvir as publicações, interagindo por meio de comentários nas postagens. Como o Telegram não monitora o conteúdo dos canais, discursos de ódio e desinformação conseguem circular livremente. Em 2020, o aplicativo foi peça importante na tentativa do grupo bolsonarista “Os 300 do Brasil” de invadir o Congresso e o Supremo. Em 2022, o app foi alvo de um pedido de bloqueio pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito das investigações contra o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Dois dias depois, a determinação foi revertida depois que o Telegram cumpriu as demandas judiciais.

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