Expresso

O peso das fake news no voto. E as ações para barrá-las na eleição

Cesar Gaglioni

26 de março de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

TSE e plataformas digitais se unem em iniciativas para a campanha de 2022. Para pesquisadores de tecnologia e comunicação, impactos da desinformação, assim como as medidas contra ela, são incertos

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FOTO: KACPER PEMPEL/REUTERS

Silhuetas de pessoas usando celulares

Silhuetas de pessoas usando celulares

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) firmou parceria com oito plataformas digitais de grande alcance – Facebook, WhatsApp, Instagram, YouTube, TikTok,Telegram, Kwai e Twitter – para conter a propagação de notícias falsas ao longo de 2022, ano de eleições para presidente, governadores, senadores e deputados, com votação marcada para 2 de outubro.

Há, no entanto, debates sobre qual é o peso real da desinformação na hora do voto. Para alguns pesquisadores de direito digital e comunicação, o impacto negativo é inegável ; para outros, os efeitos são superestimados . Há também incerteza sobre a real eficácia da atuação da Justiça eleitoral e das empresas de tecnologia contra as chamadas fake news.

Neste texto, o Nexo explica o que está sendo feito para tentar conter a desinformação e qual é o peso efetivo dela na hora do voto.

As plataformas em 2022

O Brasil continua sendo um mercado rentável para as plataformas digitais. Além de ter uma grande população, com mais de 212 milhões de pessoas, o país é o terceiro maior em tempo dispendido nas redes, ficando atrás apenas das Filipinas e da Nigéria, segundo dados do GlobalWebIndex de 2021.

O peso das plataforma no Brasil

Facebook

A rede social do americano Mark Zuckerberg tem 148,4 milhões de usuários ativos.

WhatsApp

Também do Facebook, o aplicativo de mensagens tem 127 milhões de usuários ativos.

YouTube

A plataforma de vídeos do Google tem 146,8 milhões de usuários usuários ativos.

TikTok

A rede da empresa chinesa ByteDance tem 107,5 milhões de usuários ativos.

Instagram

Também de propriedade de Zuckerberg, a rede tem 98,6 milhões de usuários ativos.

Telegram

O aplicativo de mensagens comandado pelo russo Pavel Durov tem 53,6 milhões de usuários ativos.

Kwai

A plataforma de vídeos da empresa chinesa Beijing Kuaishou tem 47,7 milhões de usuários ativos.

Twitter

A rede social fundada por Jack Dorsey tem 17,8 milhões de usuários ativos.

Os planos das plataformas nas eleições

Facebook, WhatsApp e Instagram

No dia 15 de fevereiro, o Facebook assinou uma parceria com o TSE para a ação no combate à desinformação. O acordo – que também vale para WhatsApp e Instagram – envolve a distribuição massiva de informações oficiais sobre as eleições; a aplicação de um selo de legitimidade em conteúdos verificados e a criação de canais de denúncia de desinformação que visam “a rápida identificação e contenção da prática de desinformação”. “A integridade das eleições no Brasil é uma absoluta prioridade para o Facebook e o Instagram. E esse trabalho, desenvolvido com o TSE ao longo dos anos, e em especial no ano passado, foi fundamental para consolidar as diversas iniciativas que foram pactuadas”, disse à época Natália Paiva, representante da empresa no país.

YouTube

Também no dia 15 de fevereiro, o Google assinou parceria similar com o TSE. Pelo acordo, o Google dará destaque a uma série de aplicativos com “conteúdo cívico” na loja Google Play durante o processo eleitoral. Também preparará um Doodle (cabeçalho desenhado na página de pesquisas da empresa) relativo às eleições e adotará medidas para que seus usuários possam ter acesso a informações de fontes confiáveis sobre o processo eleitoral. A empresa também se comprometeu a coibir casos de desinformação. Na terça-feira (22), o YouTube anunciou que vai retirar de sua plataforma quaisquer publicações com informações falsas alegando que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados mudaram o resultado das eleições em 2018. A plataforma também avaliará denúncias de desinformação feitas por usuários, pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e por instituições parceiras.

TikTok

Também em 15 de fevereiro, o TikTok assinou parceria com o TSE. O TikTok terá um canal de denúncias sobre disseminação de desinformação, e se comprometeu a informar o TSE sobre o andamento da apuração dessas denúncias, além de remover conteúdos maliciosos. “Já trabalhamos para proteger a integridade da nossa plataforma e a segurança das pessoas que usam o nosso serviço durante o ciclo das eleições no Brasil”, afirmou Fernando Gallo, diretor de Políticas Públicas do TikTok, na ocasião.

Telegram

Em 25 de março, o Telegram assinou uma parceria com o TSE. A plataforma de mensagens, que quase saiu do ar por não cumprir determinações judiciais brasileiras, se comprometeua colaborar com os pedidos das autoridades brasileiras. O representante da empresa no Brasil, o advogado Alan Campos Elias Thomaz, ficou de encaminhar a proposta completa ao fundador do aplicativo, o programador russo Pavel Durov.

Kwai

O aplicativo de vídeos Kwai assinou parceria com o TSE também no dia 15 de fevereiro. “O Kwai se encarregou de implementar uma página de informações sobre as Eleições Gerais de 2022 com conteúdo confiável contra a desinformação, sobre o funcionamento e a auditoria do sistema eletrônico de votação e com informações úteis para o eleitor sobre serviços prestados gratuitamente e online pela Justiça Eleitoral, como a emissão do título de eleitor.”, diz nota do TSE. “A rede social também dará apoio às transmissões online de eventos do TSE e divulgará os conteúdos de serviço ao eleitor que forem produzidos pela página da Corte Eleitoral.

Twitter

O Twitter também se comprometeu com o TSE com ações para proteger a integridade das eleições, em parceria assinada no dia 15 de fevereiro. “O Twitter se compromete a ativar avisos de busca (search prompts) para auxiliar os usuários que procurarem informações sobre as Eleições na plataforma, de modo especial sobre a urna eletrônica, o processo eleitoral e divulgação de esclarecimentos sobre narrativas desinformativas graves que estejam em circulação”, afirma nota do tribunal. “Daniele Kleiner, chefe de Políticas Públicas do Twitter, afirmou que garantir que a plataforma continue a ser um local de conversas abertas e saudáveis é sem dúvida uma prioridade da empresa. ‘E é nesse sentido que o Twitter reforça o seu compromisso de proteger a integridade cívica e a liberdade de expressão para as eleições deste ano’.”

As regras criadas pelo TSE

Os direitos e deveres de usuários e plataformas no contexto da propagação de desinformação no cenário eleitoral estão estabelecidos nas resoluções 23.610 e 23.671 do TSE.

De acordo com os textos, é crime divulgar informações “inverídicas em relação a partidos ou candidatas e candidatos e capazes de exercer influência perante a eleitora e o eleitor”, sujeito a detenção de dois meses a um ano e multa.

As resoluções também informam que a pena será aumentada em até 50% se a propagação da desinformação for feita por rádio, TV ou internet; e também se o conteúdo “envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”. As punições são direcionadas a pessoas físicas que cometam a infração; bem como aos candidatos que sejam beneficiados pelas campanhas desinformativas.

Em outubro de 2021, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes prometeu reações severas às campanhas de desinformação durante as eleições. “Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado, e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia, por atentar contra as instituições e a democracia.”

No âmbito do Legislativo, ainda não há uma lei específica sobre a desinformação, para além de dispositivos no Código Penal sobre calúnia, injúria e difamação. O projeto mais avançado a tratar do assunto é o PL 2.630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE).

Apelidado de “PL das Fake News”, o texto estabelece “normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de causar danos individuais ou coletivos.”

O PL das Fake News aguarda votação na Câmara e a sanção presidencial. Desde o início da tramitação, ele vem causando disputas, especialmente pelos termos vagos e amplos usados pelo texto.

“Alguém faz uma piada em um grupo de amigos, privadamente, e essa mensagem, tirada do contexto, é reencaminhada, vista como uma ameaça, e aí podem rastreá-la até essa pessoa. Isso pode ser usado para perseguir politicamente”, afirmou Mariana Valente, diretora associada do centro de pesquisas InternetLab, à Folha de S.Paulo em 2020.

O peso da desinformação no voto

As evidências sobre o tema ainda são escassas. O que há de consenso é que as redes são, sim, um polo de grande propagação da desinformação. O que resta saber é qual o peso disso na realização dos pleitos – para isso, mais pesquisas são necessárias, e os estudos atuais contam com visões distintas.

Estudo da Universidade de Stanford publicado em 2017 não encontrou evidências de que a disseminação de notícias falsas teve papel determinante na eleição do ex-presidente americano Donald Trump em 2016, embora apoiadores dele tenham se engajado e propagado mais desinformação do que apoiadores da rival de Trump na eleição, a democrata Hillary Clinton.

Por outro lado, artigo da Universidade da Pensilvânia de abril de 2021 diz que há um impacto, mas que medi-lo ainda não é possível pela subjetividade que permeia o tema. “É um debate complexo e multifacetado. Não há nem sequer um consenso sobre qual é o problema da desinformação, muito menos uma medição e soluções para ele”, diz o texto da pesquisa.

Para entender melhor o tema, o Nexo conversou com três especialistas que estudam e atuam com a comunicação e o direito digital, bem como com o fenômeno da desinformação. São eles:

  • Heloísa Massaro , diretora do centro de pesquisa InternetLab;
  • Vitor Blotta , líder do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo;
  • Francisco Gomes Júnior , advogado especializado em direito digital, presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor.

A experiência de várias eleições realizadas no mundo com forte presença das redes sociais e da desinformação mostra que elas são determinantes no resultado das urnas ou não?

Heloísa Massaro Essa é uma pergunta que a gente tem pouquíssimas respostas ainda, é muito difícil você isolar os fatores para fazer uma medição. O que sabemos é que desinformação é atravessada por uma série de fatores, que passam desde mudanças na forma em que nós nos comunicamos — saímos de uma comunicação da época da TV, do rádio e da mídia impressa, com poucos emissores e muitos receptores, para uma época de comunicação em rede em que todo mundo, em tese, pode ser emissor e receptor. Não que anteriormente não houvesse veículos de mídia que manipulavam ou distorciam informações, isso sempre foi uma questão. Com a internet você tem um meio que oferece condições para que isso aconteça de forma mais fácil, as barreiras são menores.

Um outro elemento importante nessa discussão é que na medida que determinados tipos de conteúdo chegam nas pessoas e se alinham à crenças e convicções anteriores, não necessariamente aquele conteúdo está criando ou convencendo a pessoa a pensar de forma diferente, muitas vezes está se alinhando com uma convicção prévia que a pessoa já tem.

Vitor Blotta As redes sociais são determinantes nos resultados das urnas, sim, pois se tornaram parte fundamental do ecossistema informacional e dos hábitos de informação e comunicação da sociedade, tanto para a comunicação privada como para a comunicação de massa. Mas a desinformação, com campanhas coordenadas e com uso de robôs para disseminar mensagens, até o momento não tem sido considerada determinante do resultado de pleitos, ainda que provocando importantes “estragos” nos debates sobre eleições.

O pesquisador Marco Bastos, da universidade de Duke, nos EUA, fez estudo sobre uso de robôs no referendo do Brexit, e chegou à conclusão que esses robôs afetaram aproximadamente 40% das intenções de voto. Ou seja, ainda há diversos outros fatores que são mais determinantes do que a desinformação, como a própria cultura política do país, algo muito mais estrutural e histórico, e o que chamamos contextos culturais de recepção, nos quais valem muito as percepções dos indivíduos, seus repertórios culturais e seus círculos de sociabilidade. Mas isso pode mudar.

Francisco Gomes Júnior O TSE fez menção ao Marco Civil da Internet para as eleições de 2022. O Marco Civil é a primeira regulação do direito digital no Brasil, e ali há alguns princípios do que seria desinformação. A lei coloca que para uma informação ser considerada verdadeira, ela deve ser possível de ser checada.

Partindo desse princípio e dessa leitura da situação, pela perspectiva do direito digital, então sim, a desinformação pode estar influenciando efetivamente as eleições por conseguir contaminar o processo eleitoral com informações que não são verídicas. Estou vendo esse cenário com bastante preocupação. A gente viu o que aconteceu nos Estados Unidos em que o Trump insuflou parte da população para dizer que a eleição tinha sido roubada. Estou muito preocupado.

As iniciativas adotadas no Brasil pelas plataformas e pela Justiça Eleitoral são suficientes e adequadas para lidar com a desinformação nas eleições ou não?

Heloísa Massaro Temos que analisar o cenário. Antes das eleições de 2018, a gente não discutia tanto desinformação. Ali foi um ponto de virada de como entendemos o debate político nas redes e a campanha política digital. Foi um tema que ganhou muito espaço.

Podemos dizer que em 2022, a gente viu o TSE construindo esforços para combater a desinformação. Temos hoje uma Justiça eleitoral mais preparada do que estava em 2018; e também as plataformas mais preocupadas e preparadas para lidar. Para as eleições de 2022, temos um novo arcabouço de políticas de plataformas e de medidas da Justiça eleitoral para lidar com esse cenário, mas é óbvio que os desdobramentos e como isso vai acontecer, só vamos descobrir na hora.

Vitor Blotta As medidas adotadas pelo TSE e pelas plataformas são boas notícias, mas ao que me parece, algumas delas podem ter efeitos mais a médio e longo prazo, como novos canais de informações confiáveis e treinamentos pra servidores do TSE, e à posteriori dos resultados, como relatórios de transparência sobre impulsionamentos e atores envolvidos em propaganda eleitoral.

Creio que uma medida necessária seria proibir qualquer impulsionamento de conteúdos de campanhas nessas plataformas, pois não se tratam de informações comerciais, e sim eleitorais e de grande interesse público.

Francisco Gomes Júnior Essas plataformas são privadas. Se você analisar bem, as parcerias com o TSE são colaborações. A Justiça só pode agir se houver constatação e denúncia de uma infração, já que não existe censura prévia no Brasil. Diante disso, o tribunal chegou nessas empresas e disse: “Eu preciso de vocês, ok?”. O TSE não pode obrigar, então pediu colaboração, que é a melhor solução. Se fossem esperar todas as denúncias, investigações e tudo mais, o processo seria inviável, burocrático e muito longo.

O que eu sinto é que essas parcerias são importantes, mas são insuficientes. Alguma coisa de desinformação vai escapar, porque são milhões de postagens por dia. Vai ser possível conter até certo ponto, mas alguma coisa com certeza vai escapar. Não sabemos qual vai ser o impacto desse escape nesse momento, mas ele com certeza vai existir.

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