Expresso

Como a renda dos brasileiros chegou ao pior nível em 10 anos

Marcelo Roubicek

03 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h48)

O ‘Nexo’ retoma a trajetória do rendimento médio do trabalho no Brasil e conversa com André Calixtre, pesquisador do Ipea, sobre o momento ruim dos salários

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 28.JUL.2020

Um homem de shorts, regata, boné e máscara segura pacotes de doces. Ele está no meio da rua, entre as faixas de carros. Há carros parados no trânsito em volta dele

Ambulante vende balas e doces no semáforo em São Paulo

A renda média dos trabalhadores brasileiros começou 2022 nos níveis mais baixos em dez anos. O dado é do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O gráfico abaixo mostra como o rendimento médio está nos menores patamares da série histórica, iniciada em 2012. Os dados já são corrigidos pela inflação do período.

EM BAIXA

Rendimento médio real habitual do trabalho no Brasil. Alta após o início da pandemia, e depois queda forte para nível abaixo do anterior à crise.

Neste texto, o Nexo relembra a trajetória de dez anos da renda no Brasil e conversa com o economista André Calixtre, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sobre os efeitos da renda baixa em 2022.

A renda antes da pandemia

Os dados retratados no gráfico acima dizem respeito ao rendimento médio real do emprego, seja ele formal ou informal. Trata-se, portanto, do dinheiro que entra a cada mês como remuneração do trabalho. Não entram na conta, portanto, transferências sociais – como o antigo Bolsa Família e o atual Auxílio Brasil – ou benefícios previdenciários, como aposentadorias.

A série histórica do IBGE mostra que a renda média no Brasil estava crescendo até a segunda metade de 2014.

A partir dos últimos meses daquele ano, o salário médio começou a cair. A queda durou quase dois anos e foi até meados de 2016.

A diminuição do recebimento médio dos trabalhadores brasileiros coincide com o período de forte crise no Brasil. Segundo o Codace – Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, ligado à FGV (Fundação Getulio Vargas) – o Brasil esteve em recessão entre o segundo trimestre de 2014 e o final de 2016.

Essa crise foi marcada pela instabilidade política que culminou no impeachment de Dilma Rousseff (2011 a 2016); pela deflagração da Operação Lava Jato, que investigou escândalos de corrupção na gestão pública e em estatais brasileiras; pela deterioração das contas públicas; e pelo fim do ciclo das commodities , havendo desaceleração da demanda global por produtos de baixo valor agregado brasileiros.

Segundo André Calixtre, a queda da renda média foi resultado de um aumento muito forte do desemprego na crise. O alto número de desempregados fez com que os trabalhadores perdessem poder de barganha salarial.

Ao mesmo tempo, por causa da necessidade de renda, muitas pessoas passaram a aceitar empregos de menor renda ou com menores proteções. “A alta taxa de desemprego levou a uma piora da estrutura do perfil da ocupação”, disse Calixtre ao Nexo .

Por que a renda média subiu na pandemia

Entre a segunda metade de 2016 e o começo de 2020, a renda cresceu em ritmo constante, embora lento. Nesse período, o mercado de trabalho ficou marcado pelo crescimento da informalidade ,

Entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020 – o último trimestre antes da chegada da pandemia de covid-19 – a renda média estava praticamente no mesmo patamar que no pico atingido na segunda metade de 2014.

A crise da pandemia, no entanto, não teve o mesmo efeito que a recessão de 2014 a 2016 sobre a renda média do trabalho. Diferentemente do final de 2014, o salário médio começou a aumentar a partir de março de 2020. E subiu com força até metade daquele ano, quando atingiu o maior nível na série histórica.

Esse movimento contra intuitivo está relacionado à própria forma de cálculo do rendimento médio do trabalho pelo IBGE. O salário médio considera apenas as pessoas que estão trabalhando – ou seja, desempregados não entram na conta.

No começo da pandemia, os trabalhadores informais foram os mais atingidos pela crise. Essas vagas tiveram forte retração nos primeiros meses da pandemia, seja por causa de demissões ou por trabalhadores por conta própria que ficaram sem trabalhar para não se expor ao coronavírus. Enquanto isso, as vagas formais foram menos prejudicadas num primeiro momento.

Os empregos informais são geralmente mais vulneráveis , sem FGTS, férias, 13° salário ou benefícios ligados a saúde e educação. Também costumam ter remuneração mais baixa.

Portanto, o início da crise foi marcado pelo fato de que trabalhadores com salários baixos – os informais – perderam emprego com mais força que aqueles com salários mais altos. Isso explica por que a renda média subiu mesmo em um momento de forte crise econômica.

Calixtre afirmou ao Nexo que esse movimento de maior peso da população formal “levou a uma falsa percepção de aumento da renda”. “Mas o mercado de trabalho estava encolhendo às custas da população informal”.

A queda da renda média

A escalada da renda média durou até metade de 2020. Após um pequeno período de estabilidade, começou a cair, e essa queda perdurou até o final de 2021. Nos primeiros meses de 2022, dá sinais de estabilização em um patamar bem abaixo daquele anterior à pandemia.

No início de 2020, logo antes da pandemia, um trabalhador ganhava em média R$ 2.724 por mês no Brasil. Dois anos depois, no começo de 2022, esse rendimento era de R$ 2.511 por mês – uma perda de mais de R$ 200 em dois anos. Os números consideram os valores reais, já corrigidos pela inflação.

7,8%

menor é o salário médio no começo de 2022, na comparação com o começo de 2020

Calixtre listou três principais motivos que explicam por que a renda média está no seu pior patamar na série histórica no início de 2022.

O primeiro deles é o próprio desemprego alto que, assim como na crise de 2014 a 2016, diminui o poder de barganha dos trabalhadores e ajuda a pressionar os salários para baixo.

Outro fator é que a recuperação do mercado de trabalho após o choque da pandemia se dá principalmente via empregos informais . Como as vagas informais – com menor remuneração – estão voltando a ter maior peso no mercado de trabalho, a média salarial tende a cair. Na prática, trata-se de uma reversão do movimento do início da pandemia, quando os empregos formais foram menos atingidos.

Por fim, o pesquisador do Ipea citou um terceiro fator: a inflação alta, que corrói a renda dos trabalhadores. Além disso, “com inflação alta e o mercado de trabalho com alta taxa de desemprego, é mais difícil ainda o trabalhador conseguir uma negociação salarial favorável”, afirmou o economista.

Os efeitos da renda baixa

A renda média baixa no Brasil afeta a economia de diferentes maneiras. Uma delas é que, já que recebem menos, os brasileiros também tendem a reduzir o consumo.

Com o consumo mais baixo, a atividade econômica perde tração: empresas têm menor receitas, investem menos e contratam um número menor de trabalhadores. Com menos pessoas trabalhando, o consumo tende a cair, gerando mais uma leva de efeitos negativos sobre a economia.

Além disso, Calixtre afirmou que a renda baixa tende a levar a um aumento da desigualdade dos rendimentos do trabalho – ou seja, o dinheiro que entra a cada mês como remuneração do trabalho, sem considerar outras fontes de renda.

Mas esse efeito é amenizado por programas de transferência de renda mantidos pelo poder público. Em 2020, aliás, a pobreza e a desigualdade de renda tiveram fortes quedas por causa do auxílio emergencial articulado pelo Congresso . O programa pagou R$ 600 para 68 milhões de pessoas entre abril e agosto – nos últimos meses daquele ano, o valor caiu para R$ 300.

Em 2021, após três meses de hiato, o benefício foi retomado com valores e alcance consideravelmente mais baixos. No final do ano, ele foi encerrado para dar lugar ao Auxílio Brasil , que substituiu também o Bolsa Família , programa que marcou as gestões petistas de Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) e Dilma Rousseff (2011 a 2016).

“Ainda não temos os dados e desigualdade e pobreza de 2021, mas minha aposta é que a pobreza e a desigualdade voltaram a subir”, disse Calixtre. “Talvez não num patamar superior a 2019, mas com certeza maior que 2020, porque o mercado de trabalho piorou em 2021 (a recuperação começou só no final do ano), a massa salarial [soma de todos os salários pagos no país] caiu e houve redução do auxílio emergencial. Minha aposta é que estamos em uma espécie de recuperação em V da desigualdade e da pobreza”, afirmou o pesquisador ao Nexo .

O economista do Ipea também apontou que a renda baixa tem efeitos ruins para o sistema de seguridade social no Brasil. Como as pessoas estão ganhando menos e o mercado informal está em alta, as contribuições mensais para a Previdência ficam menores. Com menos dinheiro entrando, o sistema fica pressionado e pode ter problemas para bancar aposentadorias e outros benefícios.

Por fim, Calixtre disse que uma melhora do cenário da renda no Brasil está condicionada a um crescimento mais robusto da economia. “É preciso ter um regime de crescimento que crie empregos formais novos. Essa é a chave para melhorar a estrutura do mercado de trabalho e recuperar, no médio prazo, o salário médio com empregos de mais qualidade”. O economista afirmou, no entanto, que “não é fácil fazer essa reconversão” em direção a um mercado de trabalho com vagas melhores.

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