Expresso

Como Bolsonaro usa bancos públicos para agradar sua base

Marcelo Roubicek

12 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal lançam programas voltados para caminhoneiros e policiais. O ‘Nexo’ ouviu especialistas sobre como o governo instrumentaliza as instituições às portas da eleição

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FOTO: ISAC NÓBREGA/PR – 07.ABR.2022

Jair Bolsonaro discursa em púlpito. Ao fundo, um painel eletrônico com o logotipo do Banco do Brasil

Jair Bolsonaro participa de lançamento de linha de crédito do Banco do Brasil

O Banco do Brasil lançou em 7 de abril de 2022 uma linha de crédito voltada para caminhoneiros autônomos. O evento de apresentação do programa contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro.

A medida se junta a outras iniciativas de bancos públicos para agradar as bases de apoio do presidente, que tenta a reeleição em outubro. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, já tinha anunciado no fim de 2021 programas voltados para policiais e caminhoneiros, grupos simpáticos a Bolsonaro.

Neste texto, o Nexo detalha essas medidas e conversa com especialistas sobre o uso dos bancos públicos para agradar bases de apoio em ano eleitoral. A avaliação é que esse tipo de instrumentalização é incomum e foge das funções esperadas de uma instituição financeira pública.

Medidas para as bases

‘ANTECIPA FRETE’

Em 7 de abril de 2022, o Banco do Brasil lançou o programa “Antecipa frete”, voltado para caminhoneiros autônomos . Nessa linha de crédito, o banco deposita direto na conta do caminhoneiro o dinheiro de um frete cujo pagamento está previsto para acontecer em até 120 dias. Ou seja, o banco público antecipa o pagamento do serviço ao caminhoneiro. Os juros cobrados são de a partir de 1,79% por mês, e variam de acordo com o cliente. O programa tenta ajudar profissionais de transporte num momento de alta dos combustíveis.

‘GIRO CAIXA TRANSPORTE’

Em 4 de fevereiro de 2022, dois meses antes do Banco do Brasil, a Caixa Econômica já havia lançado o “Giro Caixa Transporte”, programa muito semelhante ao “Antecipa frete”. Trata-se também de uma linha de crédito que antecipa em até 120 dias o pagamento de serviços prestados por caminhoneiros. A principal diferença está nas taxas de juros, que começam em 1,99% ao mês no caso da Caixa. Bolsonaro também estava presente no lançamento do “Giro Caixa Transporte”.

‘HABITE SEGURO’

Em setembro de 2021, o governo anunciou o lançamento do “ Habite seguro ”, programa que disponibiliza R$ 100 milhões para crédito imobiliário subsidiado para agentes de segurança, via Caixa Econômica Federal. O nome oficial da medida é Programa Nacional de Apoio à Aquisição de Habitação para Profissionais da Segurança Pública. Publicado originalmente como medida provisória, o programa foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado em março de 2022 . A medida conta com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e é voltada para bombeiros, agentes penitenciários, peritos, guardas municipais e policiais civis, militares, federais e rodoviários. Agentes aposentados, da reserva ou reformados também têm direito a empréstimos mais baratos para comprar imóveis. O tamanho do subsídio varia de acordo com a faixa de renda.

O papel dos bancos públicos sob análise

O Nexo conversou com especialistas sobre as medidas da Caixa e do Banco do Brasil voltadas para a base de apoio do presidente, e sobre o papel dos bancos públicos no governo Bolsonaro.

  • Rafael Bianchini Abreu Paiva , professor de economia da pós-graduação da FGV-Direito em São Paulo
  • Cristina Helena de Mello , professora de economia da PUC-SP

Historicamente, é comum que os bancos públicos sejam usados por governos para agradar a base de apoio?

Rafael Bianchini Abreu Paiva Não é comum. É comum que eles sejam usados para promover políticas públicas com a cara de um determinado governo. Por exemplo, durante a crise de 2008, os bancos públicos foram ativamente utilizados para mitigar os efeitos da crise. Eles são usados como instrumentos de política econômica e isso é bem comum. Aliás, é um dos objetos deles [bancos públicos].

Mas o uso para agradar uma base é um pouco, digamos assim, exótico. Foge ao propósito desses bancos. É normal um governo democraticamente eleito querer executar suas próprias políticas. É de se esperar que qualquer empresa estatal, seja empresa pública ou seja de economia mista, tenha um uso político no sentido de concretizar os objetivos daquele governo. Mas esse uso focado para algumas categorias – que, são nesse caso, nitidamente base de apoio do presidente da República – é diferente. Não costumo ver isso.

Cristina Helena de Mello Não. Os bancos públicos atendem a estratégias de política econômica. Normalmente, são políticas de Estado, não são políticas de governo. Não deveriam estar vinculados a interesses específicos, mas sim atender a uma demanda por crédito que dificilmente bancos privados (que seguem uma lógica de rentabilidade de mercado) atenderiam.

Os bancos públicos muitas vezes também estão associados a bancos de desenvolvimento econômico. São bancos em que se consegue direcionar o crédito para setores que se deseja desenvolver, se quer impulsionar. Normalmente, essas escolhas estão vinculadas a um projeto de desenvolvimento – não a políticas de construção de base de apoio, e sim a políticas de impacto econômico.

O que vemos [nos programas para policiais e caminhoneiros] é que são atendimentos de demandas específicas e pontuais. Isso não está associado, lamentavelmente, a nenhuma estratégia de maior amplitude.

Essas medidas voltadas para caminhoneiros e policiais podem ser consideradas eleitoreiras? Como enxerga o papel dos bancos públicos sob Bolsonaro?

Rafael Bianchini Abreu Paiva Com certeza [são eleitoreiras]. Em tempos de eleição, é comum que os governos queiram fazer políticas expansivas. Mas elas não costumam ser tão cirúrgicas quanto essas – para policiais, caminhoneiros, que são categorias que foram importantes para a eleição e para o apoio do presidente Bolsonaro. É comum que governos gastem mais, procurem afrouxar os limites do crédito. A diferença desse governo é o tipo de medidas. Minha expectativa é que o governo tente afrouxar mais o limite de crédito de bancos públicos ao longo dos próximos meses [antes da eleição].

O governo atual começou uma estratégia iniciada no governo Temer de reduzir o papel do BNDES. O ano de 2020 foi um ponto fora da curva, o BNDES acabou sendo usado um pouco mais na crise, mas ainda assim a estratégia é diminuir o papel desse banco. No caso do Banco do Brasil e da Caixa é um pouco diferente, porque são bancos que têm fontes de captação mais flexíveis. No caso da Caixa Econômica, o problema dela para ela expandir o crédito é que o limite é a caderneta de poupança. Se as pessoas não fizerem depósito na poupança, a Caixa não consegue conceder crédito. E esse limite está bastante curto. E claro, tem também algo bem atípico, que é o papel do presidente da Caixa [Pedro Guimarães] em promover politicamente o presidente da República. Isso eu nunca vi. Já vi presidente de banco estatal sendo alinhado com o governo – isso é esperado, é legítimo. Mas não na promoção política do governo – isso também foi bem atípico.

Com certeza há uma distorção [do papel dos bancos públicos]. Não chega a ser relevante a ponto de ameaçar a solvência dessas instituições. Mas com certeza é uma distorção. [Esse conjunto de medidas] Não é exatamente uma estratégia para os bancos públicos, de desenvolvimento, nem nada. É agradar a base eleitoral, algo muito mais focado.

Bolsonaro tem feito essas políticas porque não pode fazer [as medidas] nem via política fiscal nem via política monetária. Na política fiscal, ele tem o teto de gastos. O governo já colocou precatórios mais para frente, fez alguns subterfúgios para conseguir ter mais espaço no Orçamento. Mas mesmo assim [o espaço] é muito limitado. E além de tudo há limitações típicas de ano eleitoral. No caso monetário, o Banco Central vem subindo a taxa de juros para controlar a inflação. E quando o Banco Central sobe os juros, isso tem de tornar o crédito mais caro e mais escasso. O sistema bancário tende a restringir o crédito. Então, o governo [está] tentando burlar os limites do fiscal e do monetário, e vai tentar usar mais as estatais. Acho que o uso dos bancos públicos só está começando, vem mais coisa por aí.

Cristina Helena de Mello Eu diria que sim [são eleitoreiras]. Quando você identifica uma necessidade de crédito diferenciado para responder a uma situação de crise econômica, é desejável que qualquer um possa se habilitar. Por exemplo: por que não o proprietário de um pequeno negócio? Por que só o policial e o caminhoneiro? O instrumento é bom, mas está sendo mal utilizado, porque ele é direcionado especificamente para alguns, em detrimento de outros. A pergunta que cabe é: se é público, não deveria ser para todos que tem necessidade de crédito e que não estão conseguindo acessar? Por que para grupos específicos e particulares? E por que no contexto da eleição, e não no começo do contexto de crise econômica, em que a gente poderia estar salvando famílias, empresas, negócios?

É claro que, no caso dos caminhoneiros, existe uma necessidade, principalmente diante desse aumento dos combustíveis. A gente também sabe que existe uma demanda por crédito por parte dos policiais, porque a gente conhece a média salarial, sabemos que eles têm dificuldades. Agora, o que torna este grupo [caminhoneiros] especificamente mais importante do que o outros que trabalham com transporte e também enfrentam a questão do preço do combustível? E o que torna especial este grupo de funcionários públicos para ter acesso a crédito subsidiado, com juros especiais?

O instrumento do banco público para atender a situações de crise é muito importante, mas está sendo muito mal utilizado. Há uma contradição enorme. Sabemos que algumas das maiores críticas feitas aos governos antecessores [de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff] foi de direcionamento de crédito para alguns grupos empresariais. Então a lógica deveria ser aplicada agora também: não seccionar [o crédito] por grupo.

O que mais me preocupa é que quanto mais a gente faz mal uso do banco público, maior vai ser o questionamento do banco público. E ele é importante na economia. É um instrumento de política econômica essencial para a promoção do desenvolvimento, para atendimento de demandas que não são acolhidas pelos bancos privados. Ou seja, ele resolve falhas de mercado muito importantes. Fazer uso político dos bancos públicos os coloca numa seara de questionamento, que pode, no futuro, inviabilizar sua existência.

Essas medidas voltadas para policiais e caminhoneiros têm efeitos econômicos relevantes? Há algum tipo de risco para os bancos públicos?

Rafael Bianchini Abreu Paiva São políticas relativamente pequenas, que visam a agradar alguns grupos. Por conta de limitações que o governo tem para fazer [programas] via política monetária e fiscal, ele acaba fazendo algo bem seletivo, via crédito. Não é exatamente uma política de gasto público, mas o governo tenta contornar esses limites que ele tem para ampliar sua despesa.

No caso do financiamento imobiliário para policial, não [há riscos]. Simplesmente é concedido um crédito subsidiado para um grupo no qual o governo controla a folha de pagamento. Não vai ter um problema de inadimplência. A questão é que como o crédito é subsidiado e escasso, alguém vai deixar de ser atendido – alguém mais pobre, provavelmente.

A oferta de crédito imobiliário é muito menor do que a demanda. Aliás, em toda a política pública, quando se prioriza um grupo no crédito imobiliário, se está deixando alguém de fora, porque não tem como atender todo mundo que demanda crédito imobiliário. No momento em que direciona essa oferta de crédito para policiais, a Caixa vai ter que controlar a oferta de crédito imobiliário para os outros grupos de pessoas que estão querendo.

No caso do crédito para caminhoneiro, a escala dele é um pouquinho maior, mas não vejo nada em termos de inviabilizar a existência da estatal ou colocar em risco a solvência.

Cristina Helena de Mello Estamos numa situação de desaceleração econômica em função da economia mundial e de elevação de preços no mercado doméstico. Tanto por um motivo quanto pelo outro, há uma redução muito significativa do consumo das famílias.

A probabilidade dessas pessoas acessarem esse crédito e não conseguirem pagar é grande. Porque elas estão enfrentando dificuldades, neste contexto. Se houver uma grande inadimplência nessa linha de financiamento, esses bancos públicos vão precisar de aportes, de recursos. Ou eles vão perder resultado [financeiro]. Ou então vão precisar de algum apoio do Estado para poder fazer frente a isso. De uma forma ou de outra, é uma perda de rentabilidade.

Sobre efeitos, há dois impactos. Um é que mais grupos vão se organizar para tentar fazer pressão para tentar acesso a algum tipo de tratamento especial. Além disso, acho que as medidas vão conseguir não diminuir o consumo desses grupos, porque eles vão ter acesso a uma oferta de crédito. Mas é uma coisa bem mais localizada.

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