Expresso

Nomes e ideias: quais os planos indígenas nas eleições de 2022

Mariana Vick

18 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h29)

Movimento busca formar bancada no Congresso para defender meio ambiente e demarcação de terras. Lideranças como Sônia Guajajara e Daniel Munduruku devem disputar vagas

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 05.ABR.2022

Sônia Guajajara veste uma regata verde e usa acessórios indígenas no pescoço e na cabeça. Ela olha para o lado, séria.

Sônia Guajajara, liderança indígena, no Acampamento Terra Livre, em Brasília

Com a aproximação das eleições nacionais em 2022, o movimento indígena tem se organizado de forma inédita para lançar candidaturas competitivas, com o objetivo de formar, pela primeira vez, uma bancada de defesa das pautas dos povos originários no Congresso Nacional.

Apenas dois indígenas foram eleitos deputados federais na história do país: Mário Juruna (PDT-RJ), em 1982, e Joênia Wapichana (Rede-RR), em 2018. Nenhum nome foi eleito para o Senado.

Neste texto, o Nexo explica quais são os planos eleitorais do movimento indígena, mostra como a articulação para a disputa de 2022 se diferencia da que foi feito em 2018 e 2020 e lista quais são os principais nomes para a campanha.

As apostas indígenas e a estratégia

A principal estratégia do movimento indígena para as eleições de 2022 é lançar poucas candidaturas na comparação com pleitos anteriores, mas com viabilidade eleitoral, disse ao Nexo Sônia Guajajara, coordenadora da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e pré-candidata a deputada federal pelo PSOL em São Paulo.

Enquanto em 2018 a organização mapeou 130 candidaturas para as eleições nacionais — 131 contanto com Guajajara como vice na chapa presidencial de Guilherme Boulos, do PSOL — e em 2020, mais de 2.000, o movimento agora quer “fortalecer candidaturas consensuais nos estados”, disse.

“Em 2018, [lançamos candidaturas] para dar visibilidade para a luta indígena. Agora não é só visibilidade. Queremos eleger esses representantes”

Sônia Guajajara

coordenadora da Apib e pré-candidata a deputada federal pelo PSOL em São Paulo, em entrevista ao Nexo

No Acampamento Terra Livre, mobilização indígena anual em Brasília que em 2022 durou dos dias 4 a 14 de abril, a Apib lançou pouco mais de 30 pré-candidaturas para as eleições de outubro. Grande parte é de mulheres, segundo Guajajara. A articulação ainda mapeia outras possíveis lideranças com intenção de se candidatar em 2022.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 26.AGO.2021

Indígenas, fotografados de costas, com Supremo e policiais ao fundo

Indígenas protestam em frente ao Supremo Tribunal Federal, contra a tese do marco temporal

Entre os nomes de destaque, além de Guajajara, estão figuras como o professor e escritor Daniel Munduruku (PDT-SP) e os líderes Vanda Witoto (Rede-AM), Almir Suruí (PDT-RO), Val Eloy (PSOL-MS), todos pré-candidatos a deputado federal. Arildo Alcantara Terena (PSOL-MS) deve disputar o Senado. Junto com a Apib, a organização Parlaíndio tem incentivado o lançamento de candidaturas.

Os candidatos apoiados pelas organizações têm em comum o histórico de ativismo no movimento indígena, capacidade de atuação política e popularidade em seu estado. Estados como São Paulo, Amazonas, Mato Grosso e Santa Catarina registraram pré-candidaturas, e a maioria está em partidos de esquerda e centro-esquerda, como PT, PSOL, PDT, PCdoB, PSB e Rede.

“O movimento indígena sempre teve desejo de interferir na sociedade brasileira por meio da participação institucional”, disse ao Nexo Daniel Munduruku, pré-candidato a deputado federal pelo PDT em São Paulo. “Mas agora há nomes mais conhecidos no cenário brasileiro do que antigamente”, afirmou.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 28.03.2019

Um homem indígena pinta o corpo de outro com uma tinta preta. Eles estão em um protesto de rua no centro de São Paulo.

Indígenas protestam em São Paulo por atendimento de saúde especializado

Almir Suruí, líder indígena do povo Paiter Suruí, diretor executivo do Parlaíndio e pré-candidato a deputado federal pelo PDT em Rondônia, disse que um diferencial das eleições de 2022 em relação às anteriores é a união em torno das candidaturas, vistas como “coletivas, não individuais”.

Em outros pleitos, diferentes povos indígenas lançavam seus próprios candidatos — estratégia que favoreceu a pulverização de votos e não levou à eleição de praticamente nenhuma candidatura, a não ser de exceções como Joênia Wapichana, considerada uma inspiração para o movimento de candidaturas atual.

Outro diferencial está no apoio de organizações como a Apib. “Antes o movimento indígena se recusava a apoiar [institucionalmente] candidaturas para evitar a ideia de que estávamos ‘partidarizando’ a luta”, disse Guajajara. “Agora estamos dizendo que é importante ocupar os partidos e fazer a disputa eleitoral. Se os partidos estão decidindo sobre nossas vidas, devemos estar lá.”

Os desafios na campanha eleitoral

O principal desafio para as candidaturas tem sido negociar espaço e financiamento dentro dos partidos, que ainda têm baixa representação de indígenas entre seus filiados e tendem a dedicar recursos para políticos mais estabelecidos e com maior viabilidade eleitoral.

“A política institucional partidária é complexa, mas é preciso convencer os partidos de que o investimento em candidaturas indígenas é positivo e útil para que essas pautas [dos direitos indígenas] sejam mais visíveis”, disse Munduruku ao Nexo . “Com recursos, as candidaturas podem fazer campanhas dignas.”

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 11.03.2020

Dois homens com adereços indígenas aparecem de perfil no primeiro plano, parcialmente desfocados. Atrás deles, veem-se policiais militares, também de perfil. Mais atrás ainda, vê-se o edifício do Congresso Nacional.

Indígenas Pataxó e Tupinambá em protesto em Brasília

Organizações como a Apib e o Parlaíndio têm promovido encontros de capacitação dos futuros candidatos para que entendam o sistema político e encontrem melhores estratégias para se eleger. Os movimentos dizem que não têm recursos para financiar campanhas, mas pretendem dar apoio de comunicação e jurídico para as candidaturas.

Munduruku também considera uma dificuldade “unir forças entre nós, indígenas, para construir uma campanha que seja mais coletiva do que individualista, embora a gente saiba que concorremos por partidos diferentes”. “Temos mais coisas que nos unem do que que nos dividem”, disse.

Para Suruí, outro desafio é o preconceito contra os povos indígenas, que pode impedir que as candidaturas sejam eleitas. “Esse desafio agora é maior, porque o atual governo usa palavras de ódio contra os direitos dos povos indígenas, o meio ambiente, o território”, disse.

FOTO: ROBERTO JAYME/REUTERS – 18.MAR.2009

Menino indígena segura bandeira do Brasil. Atrás dele se vê o edifício do Supremo Tribunal Federal.

Menino indígena segura bandeira do Brasil em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília

O presidente Jair Bolsonaro é amplamente criticado pelo movimento indígena, que considera o atual governo hostil a seus direitos. Bolsonaro incentiva a exploração predatória de terras indígenas dando apoio a atividades como o garimpo, defende a assimilação desses povos e se omitiu na assistência para indígenas na pandemia.

O governo também registrou recordes de desmatamento na Amazônia e testemunhou queimadas fortes tanto na Amazônia como no Pantanal. Organizações ambientalistas afirmam que o governo descontinuou políticas que preveniam o desmate e outros crimes ambientais.

“Para nós, indígenas, existe ainda mais uma dificuldade: o eleitorado indígena não é suficiente para eleger [uma candidatura] em lugar nenhum. Por isso, precisamos de apoio de outros segmentos da sociedade”, afirmou Guajajara. “Mas muita gente ainda não acredita no nosso potencial.”

A agenda dos povos indígenas

O principal objetivo da bancada indígena, se eleita, será defender direitos como a demarcação de terras, que está paralisada desde o início do governo de Jair Bolsonaro, e “amenizar outros estragos feitos” na política indigenista nos últimos anos, disse Daniel Munduruku ao Nexo .

Entre as pautas comuns dos candidatos, estão a defesa do meio ambiente, políticas diferenciadas para educação e saúde dos povos indígenas — direito definido na Constituição Federal —, a valorização da cultura e a formação universitária de jovens indígenas.

“[O objetivo é que] esses futuros deputados e senadores possam dialogar com a sociedade sobre a importância dos povos indígenas”, disse Suruí, “para que a política não seja mais vista como inimiga dos povos indígenas e os indígenas não sejam vistos como entrave ao desenvolvimento.”

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS

Os dois estão sentados à mesa. Raoni traz consigo indumentárias típicas. Joênia tem um colar também típico. Entre os dois, há outra pessoa indígena com indumentárias típicas

Raoni Metuktire, líder caiapó, à esquerda, e Joênia Wapichana, à direita, em reunião no Congresso

Os posicionamentos de cada candidato podem variar de acordo com o local em que vivem e os interesses de cada partido, principalmente em questões que não estão necessariamente ligadas aos direitos indígenas, segundo Munduruku.

“Não somos candidatos apenas pelos indígenas”, afirmou ao Nexo . “Temos que pensar também nas pautas locais. Mas quem elege um deputado indígena sabe que vamos defender algumas pautas mais do que outras — como a questão do território e a ambiental.”

Guajajara afirmou também que o movimento busca trabalhar contra as desigualdades e para que a política tenha “mais representantes da diversidade que existe no Brasil”. “Precisamos de mais parlamentares indígenas, mas também de negros, LGBTQIA+ e jovens. Fortalecer essa bancada da diversidade.”

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