Qual a lógica política da sugestão de Anitta para a oposição
Isadora Rupp
23 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)Cantora diz que é preciso aposentar slogan que pede a saída de Bolsonaro. Um consultor em comunicação e uma cientista política avaliam os impactos dessa estratégia na campanha presidencial
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A cantora Anitta no festival Coachella 2022
Sucesso internacional e a primeira brasileira a chegar ao topo do Spotify global, a cantora Anitta vem aproveitando a sua experiência no showbiz e seu conhecimento no uso das redes sociais para dar uma dica para os opositores do presidente Jair Bolsonaro, que tenta reeleição em outubro. Segundo ela, é necessário aposentar a frase “Fora Bolsonaro” para dar lugar a algo mais propositivo.
A análise da cantora, que foi uma das atrações principais do Coachella , festival de música pop mais importante do mundo realizado em abril, foi apresentada em um fio no perfil do Twitter da cantora, após ela bloquear Bolsonaro, com quem vinha antagonizando nas redes.
“Eu trocaria o slogan ‘Fora Fulaninho’ para ‘Muda Brasil’, ou algo que desvincule completamente a narrativa do nome dele’, escreveu Anitta, que defendeu ainda que se volte a usar as cores da bandeira do Brasil como um símbolo nacional, e que acabou atrelado ao presidente e sua base.
Neste texto, o Nexo mostra como a cantora usou essa mesma lógica na carreira musical e ouve especialistas para saber se o caminho sugerido por ela tem lógica política.
Uma das artistas mais bem-sucedidas do pop mundial aos 29 anos, Larissa de Macedo Machado, a Anitta, mudou o rumo de sua carreira após estourar com a música “Show das Poderosas”, em 2013: a partir de 2014, atuou como gestora de sua própria carreira e administradora dos negócios, o que lhe permitiu diversas guinadas, como ampliar o seu repertório além do funk e iniciar uma caminhada no mercado internacional, com o lançamento de músicas em espanhol e inglês e parcerias com nomes como o rapper Snoop Dog.
As redes sociais são um ambiente caro para Anitta, artista musical mais popular na internet brasileira: são 61 milhões de seguidores no Instagram e quase 18 milhões no Twitter. Seu conhecimento em marketing e estratégias digitais, aliás, a levou a ser conselheira de administração do Nubank .
Anitta durante apresentação no Coachella 2022
As lições da cantora sobre redes costumam ser valiosas: além de marcar presença para que o seu nome seja sempre lembrado e citado – seja para o bem ou para o mal, pois o algoritmo assimila apenas o volume –, Anitta adota muito bem o storytelling para criar conexões emocionais e contar a sua história. Além de fidelizar o público ao saber onde ele está e o que precisa fazer para conquistá-lo.
Anitta passou a trocar farpas com o presidente em suas redes e é alvo constante de bolsonaristas: levantamento do jornal O Globo em parceria com a consultoria Bites mostra que de um grupo de 3.500 perfis de bolsonaristas influentes, quase a metade (1.678) atacou a artista.
No fio em que comenta a estratégia das redes para lidar com Bolsonaro, ela lembrou que o perfil do presidente mudou a atitude em relação a artistas contrários a ele, e adotou o deboche como resposta. “Eles querem passar essa imagem dele e fazer o público esquecer as merdas com piadas e memes, que faça o jovem achar que ele é um cara boa praça, maneirão”. Enquanto isso, rebater o presidente de maneira incisiva torna o artista o “chatão mimizento”.
“Vocês não me verão falando ‘fora Fulaninho’ até as eleições acabarem. E sugiro que quem for contra ele fazer o mesmo”
“Muitos artistas, inclusive a Anitta, estão fazendo campanha para os jovens votarem e tirarem o título de eleitor . E o Bolsonaro entendeu que antagonizar com ela o ajudaria a ampliar ainda mais sua base, que já é grande”, disse ao Nexo Marcos Marinho, pesquisador, consultor em comunicação política e professor do curso de Publicidade e Propaganda da PUC Goiás.
Segundo Marinho, a cantora logo percebeu que, ao discutir com Bolsonaro, daria palco a ele. “Por isso, há uma sagacidade na sugestão dela: quanto mais evitar jogar a figura do Bolsonaro nas redes, mais você modula a mensagem do presidente”.
Quanto mais um nome é citado e está em evidência, mais ele fica naturalmente na cabeça das pessoas. E essa é uma lógica fundamental dentro do comportamento eleitoral global, afirmou a cientista política Beatriz Falcão, especialista em relações governamentais e gerente de comunidade do Inteligov, empresa de inteligência de dados que monitora os dados do Executivo, Legislativo e Judiciário.
“A população média, que não é exatamente politizada e não se atenta ao mundo político de forma abrangente e se interessa por política na eleição, tende a votar em quem lembra o nome. Por isso, quanto mais um nome fica na cabeça das pessoas, maior é a possibilidade dele se eleger”, disse Falcão ao Nexo .
O slogan negativo, lembrou a cientista política, também tende a beneficiar Bolsonaro, que conseguiu construir uma imagem de que existe uma perseguição excessiva contra ele. Foi uma das consequências do movimento #EleNão em 2018, maior manifestação de mulheres do Brasil que se opunha à eleição do capitão reformado. “Ainda que não falasse o nome dele acabou gerando um efeito contrário ao esperado. Lembrando que usou-se uma retórica corrompida da realidade e fake news”, afirmou Falcão.
Anitta sugeriu que o “Fora Bolsonaro” seja substituído por algo mais genérico, como “Muda Brasil”. Marcos Marinho disse que retirar o antagonismo é algo acertado para gerar convergência em várias franjas sociais e tirar força da figura de algoz. “É uma perspectiva mais aglutinadora”, afirmou.
Show da banda Fresno no festival Lollapalooza, no dia 27 de março de 2022
Mas Beatriz Falcão discorda. “Slogans genéricos não elegem políticos, e sim o nome, que é preciso ficar martelando a torno e a direita. Não vamos mais falar o nome do Bolsonaro. Mas vamos falar o que no lugar? Muda Brasil muda para quem, para onde?”, questionou a cientista política. Segundo Falcão, a mensagem pode ser interpretada desde o eleitor que ainda deseja um nome da chamada “terceira via” àquele que não quer mais um regime democrático.
“Até o final de 2021 caberia algo genérico. Já estamos quase na metade de 2022. Dadas as condições que temos hoje, as pessoas e os artistas vão precisar sustentar um nome. Mas essas pessoas não são lulistas e petistas per se e acham complicado se posicionarem a favor de um nome como o do Lula, que já foi presidente, já foi preso e teve seu governo envolvido em casos de corrupção”, disse Falcão, referindo-se ao líder nas pesquisas de intenção de voto.
Os ataques diretos numa campanha são usados para aumentar a rejeição de um adversário. É comum que as campanhas resgatem episódios e situações incômodas que desgastem o opositor. E nesse quesito, segundo Falcão, a campanha de Bolsonaro está muito mais preparada para atuar num campo cada vez mais relevante numa disputa por votos: as redes sociais. A cientista política afirmou que Lula e sua equipe não têm o mesmo alcance e precisam sofisticar a estratégia.
Jair Bolsonaro e apoiadores na Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo
“O PT depende dos indecisos e precisa convencer e dizer de forma clara que é melhor do que Bolsonaro para eleitores que têm dúvidas se um novo governo petista será tão diferente. Esse é o quebra-cabeça que eles precisam resolver. E aí entram os artistas e influenciadores, principalmente pensando em redes sociais”, afirmou Falcão.
O ex-presidente Lula durante encontro do PT em Brasília, em agosto de 2021.
Segundo Marcos Marinho, Lula ganha pouco ao antagonizar com Bolsonaro, que cresce no antipetismo. “Quando as eleições estão entre dois pólos, é normal candidatos fazerem uma desconstrução. Mas neste momento o inimigo de Lula não é Bolsonaro, mas o eleitor que ainda tem medo de votar nele”, disse o consultor em comunicação.
Por isso, afirmou Marinho, o PT precisaria trabalhar no resgate da memória afetiva das pessoas. Mostrando que elas tinham uma condição de vida melhor, por exemplo. “Nesse momento, quanto menos falar de pauta moral e não der munição para alas radicais trabalharem nas redes, melhor”, disse.
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