Expresso

O silêncio empresarial diante das ameaças de Bolsonaro em 2022

Isadora Rupp

10 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Industriais e banqueiros assinaram manifesto e divulgaram nota em 2021, no momento mais agudo de ataques ao Supremo. Analistas avaliam a falta de reação às investidas contra o sistema eleitoral

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FOTO: GREGG NEWTON/REUTERS

Pato amarelo virou símbolo da FIESP pró-impeachment de Dilma

Pato amarelo virou símbolo da FIESP pró-impeachment de Dilma

Ao comentar os ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral num texto publicado pelo Nexo na segunda-feira (9), Daniela Campello, professora de ciência política da FGV Rio de Janeiro e pesquisadora do Wilson Center, em Washington, disse o seguinte: “O silêncio do empresariado, sobretudo, é muito preocupante. Porque se fosse uma tradição não se envolver em política, tudo bem. Mas sabemos que isso não é verdade.”

A cientista política chamava atenção para a diferença de envolvimento do setor em dois momentos agudos da política nacional: o impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff por manobras fiscais, em 2016, quando a Operação Lava Jato avançava sobre a classe política e a economia estava em recessão, e as ameaças de ruptura democrática feitas pelo atual presidente Jair Bolsonaro, em 2022, quando vai disputar a reeleição num momento também de crise econômica.

Na crise política do governo petista, a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) apoiou a queda de Dilma Rousseff com campanhas publicitárias e patos infláveis, assim como outras entidades industriais. Associações comerciais e entidades patronais seguiram na mesma direção . Houve movimentação e lobby em Brasília.

Em 2021, na crise política do governo Bolsonaro, motivada por negacionismo sanitário e recorrentes investidas contra o Poder Judiciário, a elite econômica esboçou uma reação. Primeiro com uma carta assinada por empresários e banqueiros cobrando atitudes concretas do governo na pandemia de covid-19. Depois com um manifesto assinado por nomes de peso do PIB nacional contra “aventuras autoritárias”.

Nos atos de 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro disse que não mais respeitaria decisões judiciais de ministros do Supremo, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e a Fiesp não entraram num acordo sobre como lidar com a ameaça de ruptura. A entidade dos banqueiros se dividiu. No fim, a Fiesp, sem assinatura da Febraban, divulgou um manifesto pedindo a “harmonia” entre os Poderes , mas sem citar os ataques do presidente à corte máxima do país.

Em maio de 2022, quando a crônica política dá praticamente como certa uma tentativa de golpe de Bolsonaro caso o presidente perca nas urnas na votação de outubro, não houve manifestos ou notas de repúdio do empresariado, pelo menos até terça-feira (10). Diante do quadro, o Nexo falou com três especialistas que acompanham as movimentações da economia e do mercado. São eles:

  • Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria econômica, Doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo)
  • Bruno Carazza , professor da Fundação Dom Cabral. Autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
  • Renata Moura Sena , mestre em economia política, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

Por que empresários e agentes de mercado silenciam diante das ameaças de golpe de Bolsonaro em 2022?

Rafael Cortez Há uma combinação de fatores. Há rejeição a Lula [pré-candidato do PT à Presidência e líder nas pesquisas]. Não há uma percepção de que a alternância pode representar crescimento econômico. Há ainda um cálculo entre “custo Lula” e “custo Bolsonaro”, e não é tão claro que o “custo Lula” é tão mais baixo. Há quase que uma naturalização por parte do empresariado dessa agenda levada a cabo pelo presidente, que não é propriamente nova. Essa recente tensão institucional fruto do questionamento das regras eleitorais vêm em sequência. Há uma percepção de idiossincrasias e barulhos desnecessários que o presidente faz, mas que se pode manter minimamente os pilares de condução econômica, dado que, nessa leitura, as atitudes de Bolsonaro são barulhos, e não um risco mais concreto de golpe.

A percepção de risco também se relaciona com outros eventos, e neste momento os mercados estão muito atentos à cena internacional turbulenta pelo conflito entre Ucrânia e Rússia, que tem uma proeminência maior do que os fatores domésticos. O setor concorda que as coisas não estão boas no Brasil, mas que nesse momento esse efeito internacional é mais relevante para orientar o comportamento dos mercados. Uma parte dessa relativização das atitudes do presidente vem do fato de que os indicadores fiscais do Brasil melhoraram, o que era importante na percepção de risco doméstico. O mercado tem um comportamento de manada: a leitura [de uma possível tentativa de golpe] será incorporada no curto prazo, por choque. Será algo reativo quando cair a ficha que existe esse risco.

Aos olhos internacionais há uma diferença. A visão externa percebe um risco em Bolsonaro pelos problemas institucionais, pela condução da política ambiental e pela maneira como a política externa brasileira respondeu a esses conflitos. Isso exacerbou a percepção de risco e colocou o Brasil em uma posição de país com pouca ponte com a comunidade internacional.

Bruno Carazza Entre agosto e setembro de 2021, quando Bolsonaro subiu o tom das ameaças ao Supremo, às instituições democráticas e à lisura do sistema eleitoral brasileiro, parte das lideranças empresariais brasileiras levantou sua voz contra a postura do presidente. Primeiro de forma individual, pelo abaixo-assinado virtual com os nomes de peso do PIB Brasileiro, e depois coletiva, entre entidades empresariais. Essa segunda demonstração contrária à postura antidemocrática de Bolsonaro não se concretizou da forma esperada. Na última hora houve um racha entre as entidades a respeito do teor e do momento para se divulgar a carta.

Esse ocorrido diz muito sobre o silêncio atual do empresariado brasileiro frente a essa nova fase de ataques de Bolsonaro: se já não havia unidade de entendimento entre os empresários sobre o governo atual, as chances de um posicionamento público contra o comportamento do presidente se reduzem num ano eleitoral. E, para piorar, como temos uma eleição muito polarizada entre Lula e Bolsonaro, há o temor de que qualquer crítica ao presidente seja interpretada como uma declaração de apoio ao petista. Diante de todos esses fatores, mesmo a parcela do empresariado que está preocupada com a evolução da crise política atualmente se retrai.

Renata Sena Existem dois perfis dentro do empresariado e do mercado: os apoiadores de Bolsonaro e os neutros. Ambos não acreditam que vá haver golpe. Os apoiadores acham que é uma tentativa da oposição e da imprensa de colocar a população contra a reeleição do presidente. Os neutros acham que um golpe não tem um respaldo tão grande quanto o que Bolsonaro faz parecer em suas redes sociais. Dos dois lados há a percepção de que é necessário democracia para que realmente haja lucratividade e os mercados continuem se desenvolvendo.

Temos ainda um outro lado, que é: se os negócios estão indo bem, [os empresários] tendem a não se posicionar. Isso ocorreu nos governos de Lula e em parte do governo de Dilma. Essas pessoas tiveram grandes ganhos, e depois apoiaram o impeachment [da petista].

Por que os empresários e agentes de mercado estão dispostos a apoiar Bolsonaro mesmo diante das suas atitudes?

Rafael Cortez Uma parte da percepção de risco ficou para o futuro. Independente de quem ganhe as eleições, tanto Lula como Bolsonaro. O mercado não compra os sinais mais concretos que Lula faz, por exemplo, nos discursos sobre emenda do teto de gastos, privatização e reforma trabalhista. Separam o discurso da atitude.

Também não vejo um cenário de apoio explícito ao Bolsonaro. As principais representações devem optar por um discurso de neutralidade e não vão comprar lados. Quando se olha do ponto de vista de renda, a esquerda vai melhor em segmentos de baixa renda. Isso era assim no [tempo de] PT versus PSDB, e continua agora entre PT e quem hoje representa a direita, que é Bolsonaro.

O mercado não precifica bem o risco político: em 2002, errou em ler o Lula como “radical”. E erra quando não olha atentamente Bolsonaro e os efeitos dessas questões político-institucionais no ambiente econômico. Essa subestimação vem desde o processo de impeachment [de Dilma]. Havia um custo que não foi devidamente precificado. As projeções econômicas decepcionaram, e o Brasil vem crescendo abaixo do potencial nos últimos anos.

Mesmo que não se chegue a um golpe, esse barulho político e tensionamento institucional joga para baixo o crescimento econômico, que depende de estabilidade de regra e seguranças jurídicas. Governantes que minam sistemas de freios e contrapesos minam as bases das estabilidades de regras necessárias para crescimento econômico. Governos sem liderança política e organização do sistema político não conseguem criar um ambiente pró-reformas. Mesmo que fique só na retórica, esse ambiente joga para baixo o crescimento econômico e deveria entrar no radar, ainda que versões extremadas não se materializem.

Bruno Carazza Não podemos generalizar e acreditar que todo o empresariado brasileiro apoia cegamente Bolsonaro em todos os seus atos e ameaças. É verdade que o presidente atraiu e mantém, desde a eleição de 2018, um contingente expressivo de lideranças empresariais devido à sua postura antipetista, ao seu discurso conservador e à sua agenda de afrouxamento regulatório em várias áreas. Mas da mesma forma que Bolsonaro perdeu parte de seu eleitorado ao longo do governo, há um número significativo de empresários que é bastante crítico à sua gestão. Tanto durante a pandemia, quanto na questão ambiental ou mesmo nos entraves colocados às iniciativas de Paulo Guedes [ministro da Economia] para liberalizar a economia.

Se esses empresários incomodados com os ataques de Bolsonaro e insatisfeitos com a sua forma de administrar o país vão se posicionar enfaticamente contra o presidente, vai depender muito da escalada da crise, e também da apresentação, por parte de Lula e de outras eventuais candidaturas, de uma alternativa política viável e um programa econômico atraente.

Renata Sena Uma parte do empresariado quer que Bolsonaro entregue o que foi prometido em 2018, como a reforma tributária e administrativa, para que elas sejam consolidadas. Muito do apoio dos empresários que querem a reeleição vem disso.

Hoje, há um processo de empobrecimento grande no país. Seja pelo desemprego, inflação, redução dos ganhos salariais e aumento da concentração de renda. A ponta mais rica continua ganhando muito dinheiro, o que acaba gerando certo apoio. Mas tem um ponto que é: se não tem pessoas com renda para consumir, não tem demanda. Se não tem demanda, não vende. Se não vende, não tem lucro. Falta um olhar dos empresários sobre isso. Sobre o ganho real de renda, para que as pessoas possam comprar o produto que eles vendem, para que paguem suas dívidas e voltem a consumir. Foi o que aconteceu com o auxílio emergencial e agora com o Auxílio Brasil . Quando há distribuição, as pessoas pagam dívidas, compram alimentos. O consumo movimenta a economia. E alguns empresários se esquecem desse pequeno detalhe.

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