Por que Bolsonaro faz tanta troca na chefia da Petrobras
Marcelo Roubicek
24 de maio de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)Coelho é demitido 39 dias após a posse. Roteiro-padrão do presidente é reclamar da alta de combustíveis, mudar nomes e não mexer na política de preços. Proximidade de eleições aumenta pressão sobre Planalto
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O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro demitiu José Mauro Coelho do comando da Petrobras na segunda-feira (23), depois de apenas 39 dias no cargo. O novo indicado para a presidência da estatal é Caio Paes de Andrade, secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, e nome ligado ao ministro da Economia , Paulo Guedes.
Essa é a terceira troca de chefia da Petrobras no governo Bolsonaro. As mudanças seguem um roteiro-padrão: os combustíveis aumentam, Bolsonaro reclama publicamente da política de preços da estatal, substitui nomes na empresa, e nada muda na prática .
A queda de Coelho aconteceu duas semanas após a Petrobras anunciar um aumento de 8,9% no preço do diesel . Pela primeira vez, há maior expectativa de que Bolsonaro de fato intervenha na estatal, dada a proximidade das eleições de outubro , quando o presidente vai disputar a reeleição.
Neste texto, o Nexo explica por que Bolsonaro troca tanto o presidente da Petrobras. E por que a mudança em maio de 2022 pode ser diferente das anteriores.
Em 5 de maio de 2022, pouco após a Petrobras divulgar lucro recorde de R$ 44,6 bilhões para o primeiro trimestre do ano, Bolsonaro disse em live que o resultado era “um estupro” e um “crime” . Ele afirmou ainda que “a Petrobras não pode quebrar o Brasil” com sua política de preços.
Isso não impediu que, quatro dias depois, a empresa anunciasse um aumento de 8,9% no preço do diesel vendido nas refinarias. Foi a primeira elevação desde o mega aumento de 10 de março de 2022, quando o combustível subiu quase 25% – nesse mesmo dia, a gasolina subiu 18,8% e o botijão de gás, 16%.
A Petrobras pratica desde 2016 a política pela qual o preço dos combustíveis no Brasil acompanha a cotação do barril de petróleo no mercado internacional. O produto é negociado em dólar e, portanto, o câmbio também influencia a decisão da estatal.
A estatal, portanto, repassa os aumentos para o diesel, a gasolina , o gás de cozinha e outros derivados de petróleo. E como o petróleo está em alta desde meados de 2020 , os combustíveis no Brasil também subiram – contando também com o agravante do dólar alto. Isso ajuda o caixa da Petrobras.
Abaixo, o Nexo compara o preço da gasolina no Brasil com outros países. A comparação é feita tomando como referência a paridade de poder de compra (também conhecida como PPP). Essa métrica não apenas converte os produtos de cada país para a mesma moeda, como também pondera os números pelo nível de preços de cada lugar, o que permite uma comparação mais uniforme entre diferentes nações.
Os combustíveis são o principal motor da inflação de 12% do Brasil em 2022. E a inflação, por sua vez, é uma das maiores preocupações de Bolsonaro no ano em que tenta a reeleição .
Além dos impactos sobre quem tem carro e precisa abastecer, os preços de combustíveis têm outros efeitos sobre toda a economia . O Brasil é altamente dependente do transporte rodoviário e muitos bens são produzidos tendo combustíveis como insumos. Por isso, esses aumentos podem ser repassados para os mais diversos tipos de produtos.
Além das investidas contra a Petrobras, Bolsonaro ataca também outros agentes na crise dos combustíveis. Ele culpa os governadores e o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, principal tributo estadual – pela alta de combustíveis. A tese é amplamente rejeitada por economistas, que atribuem o movimento à alta do petróleo no mercado internacional, ao dólar caro no Brasil e ao repasse de preços promovido pela Petrobras.
Antes de demitir Coelho, Bolsonaro já trocara duas vezes a presidência da Petrobras. Em ambas ocasiões, isso aconteceu pouco após anúncios de novos aumentos de preços nas refinarias.
No início de 2021, Bolsonaro demitiu o então presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. A demissão gerou desconfiança entre agentes de mercado sobre a possibilidade de uma mudança na política de preços da Petrobras, a pedido do presidente.
Os investidores do mercado financeiro responderam negativamente à troca. No primeiro pregão após a demissão, as ações da petroleira despencaram mais de 20% .
O sucessor indicado por Bolsonaro foi o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que não mudou a política de preços. Em 28 de março de 2022, quase um ano após assumir, Silva e Luna foi demitido.
Bolsonaro tentou indicar o economista Adriano Pires, consultor de empresas do mercado de energia (e chamado de lobista por opositores do governo). Mas a aposta se desfez à medida que cresceu a possibilidade de o economista ser barrado por conflitos de interesses, devido a sua atuação como consultor no setor privado.
A presidência da Petrobras acabou ficando com José Mauro Coelho, que também defendeu a política de paridade de preços da Petrobras. Pouco mais de um mês após assumir, Coelho foi demitido.
Logo da Petrobras em frente à sede da empresa em São Paulo
Após as demissões de Castello Branco e Silva e Luna, Bolsonaro optou por não colocar um substituto que mudasse a política de preços. Ao mesmo tempo, manteve a rotina de críticas fortes à empresa e à priorização dos lucros em detrimento de uma preocupação social.
Segundo especialistas ouvidos pelo Nexo em texto publicado no domingo (22), o cálculo por trás disso é político . De acordo com Mauro Rochlin, economista e professor de MBA da FGV-Rio (Fundação Getulio Vargas), Bolsonaro tenta “fingir que não tem nada a ver com isso” e busca “se eximir de responsabilidade , como se a Petrobras fosse algo completamente fora da capacidade de influência do governo”.
Juliana Inhasz, professora de economia do Insper, seguiu essa mesma linha ao dizer que se Bolsonaro poderia mudar a política de preços se quisesse. Mas a economista apontou um entrave ligado a uma questão política.
“Mudar a política de preços da Petrobras geraria um problema sério com o mercado”, disse Inhasz ao Nexo . “O governo entende que, neste momento em que tenta a reeleição, tem que fazer as alianças com quem pode levar ele a um segundo mandato. Tomar atitudes que o afastariam do mercado é algo que também o afastaria do segundo mandato”, afirmou.
Ou seja, a avaliação é que Bolsonaro faz um jogo político em que tenta agradar a população com críticas à Petrobras, enquanto acena aos agentes do mercado com a não-intervenção na política da empresa. Camila Ludovique, pesquisadora da Coppe/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ainda destacou que o governo, na condição de acionista da Petrobras, também ganha dinheiro com os altos lucros da empresa, alcançados com ajuda da política de preços.
As demissões anteriores não levaram a mudanças na política de preços da Petrobras. Mas após a demissão de Coelho, o resultado pode ser outro.
Informações de bastidores publicadas pela imprensa indicam que há intenção de interferir na diretriz de preços da empresa. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, o governo considera duas opções para impedir novos reajustes nos combustíveis.
A primeira é estabelecer uma banda de referência do preço internacional do petróleo. Enquanto o barril estiver nessa faixa (cujos parâmetros ainda não foram definidos), a Petrobras não poderia mexer nos preços.
A segunda é criar um intervalo mínimo de tempo entre reajustes dos combustíveis. O número mais discutido é de 100 dias. Atualmente, não há regra sobre a periodicidade de reajustes. A medida seria uma forma de garantir que não houvesse aumentos durante o período eleitoral.
Na prática, isso significaria que a política de preços da Petrobras seria alterada. Isso porque, mesmo se o petróleo subir, a empresa não poderia acompanhar esse movimento.
Posto de gasolina no Rio de Janeiro
O entendimento de que haverá uma mudança na política de preços, no entanto, não é consensual. Em entrevista à revista Veja, André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, disse que a expectativa é que Paes de Andrade mantenha as diretrizes atuais da empresa.
Portanto, não é certo que haverá essa troca. Ainda assim, a reação inicial do mercado foi ruim.Na terça-feira (24), primeira sessão após a demissão de Coelho, os papéis da Petrobras nos EUA e no Brasil começaram o dia em queda. No mercado brasileiro, as ações chegaram a cair 4,7% , influenciadas pela troca no comando da estatal e também pelo pagamento de dividendos.
A troca de Coelho por Paes de Andrade não vale de imediato. É necessário cumprir alguns ritos antes que isso aconteça.
Para que o secretário de Guedes chegue à presidência, ele precisa antes virar membro do conselho de administração da empresa. Depois, ainda precisa ser eleito presidente pelos outros conselheiros.
Pelo sistema de votação adotado em anos recentes na Petrobras, chamado de voto múltiplo, a destituição de um membro do conselho faz com que todos caiam – exceção feita aos três membros com cadeira reservada, ligados a acionistas minoritários e aos empregados da companhia. Portanto, será necessário convocar uma assembleia de acionistas para eleger 8 dos 11 conselheiros.
Para que isso aconteça, será preciso convocar uma assembleia de acionistas da Petrobras para eleger o novo conselho. Essa assembleia deve acontecer somente no fim de junho . Portanto, pode ser necessário um intervalo de um mês até que o indicado por Bolsonaro chegue ao comando da estatal.
Caio Paes de Andrade, novo presidente da Petrobras
O nome de Paes de Andrade precisa também passar por avaliações internas da empresa. Segundo a jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo, ele pode ser barrado por não preencher requisitos legais.
De acordo com a Lei das Estatais , os membros do conselho administrativo ou diretores das empresas estatais precisam cumprir ao menos um dos três critérios:
Segundo a coluna de Gaspar, Paes de Andrade não preenche nenhum desses requisitos. Por isso, pode ser barrado pela governança da empresa. Algo semelhante aconteceu com Adriano Pires, que desistiu por entender que seria barrado pela avaliação interna da empresa.
Mesmo se passar por esses obstáculos e chegar à presidência da Petrobras, Paes de Andrade ainda precisa cumprir alguns passos se quiser mudar a política de preços da empresa.
Quem decide sobre a política de preços é a diretoria executiva, que tem a função de efetivamente gerir a empresa no dia a dia. Os diretores precisam ser aprovados pelo conselho de administração. Portanto, é provável que seja necessário trocar os diretores – passando os novos nomes pelo crivo dos conselheiros – para que finalmente a política de preços seja alterada. A expectativa é que a mudança na presidência seja acompanhada de trocas na diretoria .
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