Expresso

De 2015 a 2022: a violência na rua para quem faz política

João Paulo Charleaux

11 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h35)

Retórica violenta do presidente e maior disponibilidade de armas degradaram o clima político no país nos últimos sete anos, de acordo com especialistas ouvidos pelo ‘Nexo’

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FOTO: CHRISTIAN RIZZI/REUTERS – 11.07.2022

Pessoas reunidas ao redor do caixão de Marcelo Arruda, coberto com uma bandeira do PT

Velório do petista Marcelo Arruda, morto em seu aniversário por um apoiador de Jair Bolsonaro

O guarda municipal e militante petista Marcelo Arruda foi morto a tiros na frente da família, em sua própria festa de aniversário, decorada com estrelas do PT e fotos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste domingo (10), em Foz do Iguaçu. O autor dos disparos foi o agente penitenciário Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu o local, gritando a favor de Jair Bolsonaro, e atirou na vítima.

O caso não é isolado. Ele faz parte de uma sequência de crimes com motivações políticas que tiveram início em 2015, durante os protestos pelo impeachment da então presidente, Dilma Rousseff, e cresceram em 2018, nas eleições presidenciais vencidas por Bolsonaro naquele ano.

Neste texto, o Nexo relembra os principais casos de violência política no país desde 2015 e ouve dois estudiosos do assunto, para os quais o assassinato de Arruda em Foz do Iguaçu é, ao mesmo tempo, parte de um processo contínuo de violência e prenúncio de uma campanha especialmente tensa em 2022.

Os primeiros ataques

Em março de 2015 – durante a onda de protestos pelo impeachment de Dilma –, houve pelo menos dois ataques com bombas incendiárias, contra os diretórios do PT em São Paulo e em Jundiaí. Em julho daquele mesmo ano, uma bomba caseira foi arremessada de dentro de um carro em movimento contra a sede do Instituto Lula, em São Paulo, danificando o portão da garagem do prédio. No mês seguinte, a sede do diretório do PT em São Paulo foi arrombada e invadida .

Três anos depois, o ano de 2018 começou com o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista dela, Anderson Gomes, em 14 de março – um crime de grande repercussão política que, pelo menos até julho de 2022, não havia sido elucidado, no que se refere ao mandante. Aquele ano foi marcado ainda por uma série de agressões cometidas por eleitores e apoiadores de Bolsonaro contra militantes petistas. No mesmo período, também houve atos de violência protagonizados por petistas, e o próprio Bolsonaro, então candidato à Presidência, foi atacado com uma facada durante um comício de campanha. O Nexo relembra os principais casos.

Cronologia dos ataques

Tiros na caravana de Lula

Em 27 de março de 2018, sete meses antes da eleição presidencial daquele ano, três ônibus que faziam parte de uma caravana do ex-presidente Lula foram alvos de disparos de arma de fogo quando passavam entre as cidades de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no oeste do Paraná. O delegado responsável pelo caso, Hélder Lauria, disse à época: “Se foi uma só pessoa que fez [os disparos], a pessoa planejou o ataque , direcionou o tiro.” Mais de três anos depois, o Ministério Público do Paraná disse que as investigações sobre o caso foram “ inconclusivas ”.

Cabeça contra o caminhão

Em 5 de abril de 2018, o ex-vereador pelo PT em Diadema, na Grande São Paulo, Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, empurrou o militante bolsonarista Carlos Alberto Bettoni, que caiu, bateu a cabeça contra o para-choque de um caminhão e teve traumatismo craniano, na frente do Instituto Lula, em São Paulo. Os dois participavam de manifestações contrárias, no dia em que o juiz Sergio Moro decretou a prisão de Lula na Operação Lava Jato. Maninho passou sete meses preso por tentativa de homicídio, até obter um habeas corpus. Neste domingo (10), em evento em Diadema, Lula enalteceu Maninho do PT em discurso a apoiadores do partido.

O assassinato de Moa do Katendê

Em 8 de outubro de 2018, um dia depois do primeiro turno da eleição presidencial daquele ano, o mestre de capoeira, bailarino e músico baiano Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê foi morto com 12 facadas após ter declarado voto no então candidato do PT, Fernando Haddad, e discutir com um eleitor de Bolsonaro. O agressor, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, confessou o crime e se entregou. Ele foi condenado pelo Tribunal do Júri de Salvador, em 21 de novembro de 2019, a 22 anos e 1 mês de prisão em regime fechado.

A facada em Bolsonaro

Em 6 de setembro de 2018, dois dias antes do primeiro turno, Bolsonaro foi atacado com uma facada na barriga por Adélio Bispo quando participava de um comício nas ruas de Juiz de Fora, Minas Gerais. O então candidato passou quatro dias na UTI e se ausentou dos debates da reta final da campanha. As sequelas fazem o presidente passar por novas internações ainda hoje. Bispo foi preso e as investigações concluíram que ele agiu sozinho, mas Bolsonaro e seus apoiadores mantêm aceso o discurso , sem nenhuma evidência, de que Bispo fazia parte de algum tipo de complô maior , ligado às esquerdas.

Ataques com excrementos

Em 15 de junho de 2022, um drone lançou um líquido que cheirava a fezes e urina sobre pessoas que participavam de um evento no qual Alexandre Kalil (PSD) receberia Lula na Universidade do Triângulo Mineiro, em Uberlândia. O dono do drone acabou detido em 2 de julho por porte ilegal de arma de fogo. Em 7 de julho, um homem lançou uma bomba caseira com excrementos num ato político do PT no qual Lula estaria presente, na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. O autor do ataque, André Stefano Dimitriu Alves de Brito, foi preso na mesma noite e confessou o crime.

A visão de dois especialistas

O Nexo perguntou a dois pesquisadores, especialistas em estudos sobre ciência política que acompanham a dinâmica da violência no Brasil, como eles veem o momento atual e o que é preciso fazer para mudar o cenário. Os entrevistados são:

  • Lara Mesquita , cientista política e professora da Escola de Economia da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo
  • Bruno Paes Manso , jornalista e pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP

Estamos em uma situação nova de violência política ou isso é algo recorrente no Brasil?

Lara Mesquista É um pouco das duas coisas. Historicamente, temos um contexto de violência política muito grande no Brasil, inclusive com assassinato de candidatos. Então, esse ambiente não é uma novidade total. O que é novo é termos um líder partidário, um presidente da República, um candidato à reeleição, incitando a violência da maneira como temos visto recentemente.

Bolsonaro faz isso de maneira muito explícita. Ele incita a violência quando diz que tem de metralhar os petralhas [em discurso no Acre, em 2018] ou quando diz, como fez em sua live desta quinta-feira [7 de julho], que é preciso agir antes da eleição, e que não pode dizer exatamente o que está pensando quando menciona essa necessidade de ação, enfim, isso é um tipo de incitação violenta bastante explícita e recorrente.

Somado a isso, está o fato de que nós estamos num contexto – talvez inédito desde a redemocratização, desde a Constituição de 1988, pelo menos – em que a sociedade está muito mais armada do que em qualquer outro momento. Então, é difícil mensurar o pontencial de conflito que isso pode gerar. Eu vejo nesse cenário um potencial explosivo. Se vai se concretizar ou não, depende de várias coisas.

Depende, por exemplo, da reação ao assassinato deste final de semana [referindo-se ao assassinato do petista Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, em 10 de julho]. É preciso ver como a reação a esse crime pode ou não moderar e modular o tom do presidente. Nós já vimos na reação dele que, mesmo que ele não se solidarize com a família da vítima, disse que abre mão do apoio de eleitores violentos. Então, vamos ver o quanto o discurso dele vai ser modulado por essa catástrofe. É preciso ver também como o responsável pela morte vai ser processado e qual exatamente o enquadramento do crime.

Existe uma parcela da população – não sabemos qual a parcela – que está disposta a cometer um crime em nome de uma liderança política. Imagino que seja a minoria. Por mais que apoiem e concordem com a agenda dele, daí dar um tiro em alguém ou cometer um ato de violência, tem um passo grande.

Bruno Manso Essa cena de violência política sempre existiu no Brasil. Primeiro, no Nordeste e no Norte, com um tipo de dinâmica muito ligada à pistolagem, às disputas políticas conectadas com questões ligadas à terra, nas zonas rurais do Brasil. Ali, o crime político sempre esteve muito ligado a brigas entre oligarquias rurais. Nas zonas urbanas, isso começou de maneira mais forte a partir de 2016 com as milícias no Rio de Janeiro. Houve uma onda de violência política em 2016, quando 16 candidatos a vereador foram mortos no Rio.

Mas o que estamos vivendo em 2022 é diferente e a gente ainda não sabe o que vai acontecer. Há agora muitos grupos armados ideologizados no Brasil, os chamados CACs, que são colecionadores e caçadores, que se espalharam pelo país após os decretos presidenciais com os quais essas pessoas passaram a ter mais acesso a armas e munições.

Ao mesmo tempo, existem essas bolhas nas redes sociais, nas quais as pessoas começam a enlouquecer dentro de várias realidades paralelas, que provocam muitos conflitos. Esses conflitos estavam antes nas redes e agora a gente vê o risco de sair para as ruas. As condições estão dadas para que isso aconteça.

Esta foi a primeira vez que um louco bolsonarista saiu atirando. Pelo ambiente de acirramento e pelas teorias conspiratórias que circulam, pela liderança nefasta e violenta de vários políticos, que têm uma visão da política como uma guerra, com a construção de inimigos na política, com armas em circulação, com tudo isso, parece que talvez não seja algo isolado.

O que partidos, pré-candidatos e autoridades têm de fazer para evitar que a situação continue se deteriorando?

Lara Mesquista É preciso reforçar o discurso de que a democracia é incompatível com esse tipo de atitude, que competição política é algo inerente ao processo democrático, e que essa competição não comporta violência. Precisamos saber conviver com o diferente e o divergente. Acho que falas como a do [ministro do Supremo] Alexandre de Moraes [que disse em suas redes que ”a intolerância, a violência e o ódio são inimigos da democracia e do desenvolvimento do Brasil”] vão nessa direção. Em termos de sinalização pública, esse é um caminho.

O outro caminho vai ser a Polícia Federal reforçar a segurança dos candidatos. E, insisto, vai ser importante ver o quanto este evento pode modular o discurso de Bolsonaro e do círculo mais próximo dele, que é quem mais tem feito declarações de incitação à violência. Não tenho notícias de que um apoiador de Lula, Ciro [Gomes] ou [Simone] Tebet tenha iniciado alguma ação violenta contra algum simpatizante de outros candidatos.

Bruno Manso Já tinha de ter feito antes. Não tem muito o que fazer agora. As instituições não estão funcionando. O aspecto mais evidente foi a aprovação desses projetos de lei que autorizam compra de votos a três meses da eleição, o que é algo flagrantemente inconstitucional. Sem mencionar os projetos que tiram dinheiro dos Estados nos combustíveis. O Congresso foi comprado, o Supremo não pode barrar essa crise institucional, que o Brasil em si já não consegue barrar. Há armações para o adiamento das eleições, com um Congresso comprado por orçamento secreto.

Nós precisamos acabar com esse pesadelo, mas eu acho que a redução de danos só vai poder ser feita no pós-Bolsonaro. Enquanto ele for presidente, não tem o que fazer. É difícil pensar em fazer qualquer coisa com ele na Presidência. Vamos trabalhar com redução de danos depois que ele sair. As pessoas estão se sentindo autorizadas a usar a violência e vai ser difícil fazer algo no sentido contrário enquanto Bolsonaro estiver na Presidência.

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