Como a turbulência na economia dos EUA pode afetar o Brasil
Marcelo Roubicek
25 de julho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h37)Estados Unidos enfrentam inflação alta, aumento dos juros e temores crescentes de recessão. O ‘Nexo’ ouviu um economista para entender como isso pode impactar o cenário brasileiro
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Homem faz compras em supermercado em Nova York, nos EUA
O Federal Reserve, o banco central americano, deve anunciar na quarta-feira (27) um novo aumento da taxa de juros dos Estados Unidos. A alta deve ser de 0,75 ponto percentual – número acima do padrão da história recente do país. Na quinta-feira (28), o governo também divulga os resultados do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre de 2022, com projeções de crescimento próximo de zero e possibilidade de retração.
Os anúncios acontecem num momento de turbulência na economia americana. O país enfrenta a pior inflação em 40 anos – movimento que também é sentido em outros lugares do mundo , incluindo o Brasil. Além disso, crescem os temores de uma recessão nos próximos meses.
Problemas na economia americana, a maior do mundo, tendem a respingar no resto do mundo. Se virarem realidade, os dois fatores – retração da atividade e movimento de alta de juros – podem ter efeitos ruins para a economia brasileira. Abaixo, o Nexo mostra o momento dos EUA e ouve um economista que explica por que o que acontece na economia americana pode afetar também o Brasil.
Os EUA vivem em 2022 o pior momento de inflação em 40 anos. O avanço dos preços é puxado pela baixa oferta de produtos combinada à alta demanda, além de problemas nos mercados mundiais de alimentos e energia . Esses fatores são agravados pela guerra na Ucrânia e pela pandemia de covid-19. Assim como o Brasil, o país vive uma crise de preços de combustíveis.
9,1%
foi o avanço dos preços ao consumidor nos EUA entre julho de 2021 e junho de 2022, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho
O gráfico acima mostra pouco mais de 40 anos da inflação americana. Diferentemente do Brasil – que nesse mesmo recorte histórico enfrentou hiperinflação e picos de avanço de preços após o Plano Real , em 1994 –, os EUA praticamente não chegaram perto da inflação em dois dígitos até o início da década de 2020. O cenário de 2022, portanto, representa algo raro na história recente americana.
O principal instrumento utilizado pelos bancos centrais pelo mundo para conter a inflação é a taxa básica de juros. A ideia por trás disso é que um aumento nos juros esfria a atividade econômica, reduzindo a pressão sobre os preços.
Em 2021, o Federal Reserve resistiu , num primeiro momento, a aumentar os juros. Essa elevação teve início em março de 2022 , justamente como tentativa de conter o avanço dos preços.
Desde então, a autoridade monetária promoveu aumentos fortes na taxa básica de juros. Em meados de junho, subiu a taxa em 0,75 ponto percentual, o maior aumento desde 1994 . Na quarta-feira (27), a expectativa é de nova alta da mesma magnitude, levando a taxa de juros à faixa de 2,25% ao ano até 2,5% ao ano.
Além do cenário inflacionário que tem levado à reação do Fed (apelido dado ao Federal Reserve), os EUA também passam em meados de 2022 por um aumento no temor de uma recessão no país.
Economistas de diferentes instituições têm calculado chances maiores de que os EUA passem por uma contração econômica até 2023. Sinais similares aparecem também na bolsa de valores de Nova York, a principal bolsa do mundo.
Uma recessão corresponde ao período em que a economia está em retração. Ela pode ser demarcada de diferentes formas no tempo e no espaço. Portanto, é um conceito amplo, sem uma regra ou definição única oficial.
Uma das formas de enxergar uma recessão é olhando para o PIB, que soma todos os bens e serviços produzidos em um país num período. Nos EUA, o PIB começou 2022 com queda na comparação com o final de 2021.
0,4%
foi a queda do PIB dos EUA no primeiro trimestre de 2022, na comparação com o último trimestre de 2021
Na quinta-feira (28), o país divulga os dados do PIB no segundo trimestre do ano. As projeções de agentes econômicos giram em torno de variação zero – alguns com expectativa de pequeno crescimento , outros com expectativa de leve recuo . Se houver queda, será o segundo trimestre consecutivo de retração do PIB, o que costuma repercutir como uma “recessão técnica” – embora o conceito não seja muito utilizado por acadêmicos.
Mesmo que os temores de uma recessão não se concretizem, o entendimento amplo é que a atividade econômica dos EUA está caminhando em ritmo baixo . Ou seja, mesmo que não haja uma retração, as projeções são de uma trajetória fraca da maior economia do mundo.
O economista Fabio Pereira de Andrade, professor de relações internacionais da ESPM, afirmou ao Nexo que há dois caminhos principais pelos quais o momento da economia americana pode afetar o Brasil – ambos de forma negativa.
O primeiro é o canal dos juros. “O aumento esperado da taxa de juros nos Estados Unidos cria uma necessidade de o Banco Central brasileiro aumentar as taxas de juros”, afirmou Pereira de Andrade.
Isso porque os juros americanos são referência para determinar a rentabilidade de títulos da dívida do governo dos EUA – considerados um dos investimentos mais seguros do mundo – e de outras aplicações de renda fixa no país. Portanto, quando os juros aumentam, uma pessoa que coloca dinheiro nos EUA passa a ser remunerada com valores maiores do que antes.
Isso significa que os EUA vão ficar mais atraentes para investidores, sobretudo na comparação com países onde o risco de investir é maior, como países emergentes – é o caso do Brasil. Um aumento de juros nos EUA, portanto, pode levar a uma fuga de dólares do Brasil. Investidores tenderão a tirar seu dinheiro do Brasil para aplicar em algo mais seguro nos EUA, agora que essa aplicação irá render um pouco mais.
Para evitar ou amenizar essa saída de capitais, a resposta do Banco Central teria de vir na forma de um aumento de juros no Brasil, afirmou o professor da ESPM, “pelo menos manter o diferencial em relação à taxa de juros americana, que é a grande baliza para investidores internacionais”. O diferencial de juros a que se refere o economista diz respeito à diferença numérica entre o patamar da taxa nos EUA e no Brasil. Para manter essa diferença no mesmo lugar, o Banco Central brasileiro teria que acompanhar o movimento de alta.
A taxa Selic – taxa básica de juros da economia brasileira – passa por um ciclo de alta desde março de 2021. A taxa foi de 2% ao ano naquele momento para 13,25% em junho de 2022 – o patamar de juros no Brasil costuma ser mais alto que o americano.
Ao aumentar ainda mais os juros, o Banco Central pode gerar um efeito de esfriar a própria atividade econômica brasileira, já que diminui a disponibilidade de crédito para consumidores e investidores. Uma possível saída de dólares do Brasil também pode levar a um aumento da cotação da moeda americana, encarecendo produtos importados e alimentando a inflação brasileira, que em meados de 2022 segue acima de 10% .
Nota de um dólar sobre notas de real
Outro caminho pelo qual a situação americana pode afetar a economia brasileira em 2022 é o próprio comércio internacional, disse Pereira de Andrade.
“Os EUA são o segundo maior destino de exportação brasileira, com produtos que vão desde commodities até produtos mais sofisticados, como aeronaves. Uma recessão norte-americana pode prejudicar setores importantes brasileiros”, afirmou o economista. Ou seja, uma economia mais fria nos EUA pode levar a uma demanda menor por produtos brasileiros.
Uma eventual queda nas exportações aos EUA também pode ter efeitos sobre a taxa de câmbio . Se o Brasil vender menos aos americanos, menos dólares entram no país – e isso ajuda a pressionar a cotação do dólar. Novamente, isso pode pressionar o preço de produtos importados (como, por exemplo, o petróleo) e levar a um novo impulso inflacionário no Brasil.
O professor da ESPM disse que problemas econômicos no segundo país que mais compra do Brasil “podem conter de uma forma significativa o processo de retomada do crescimento do Brasil”. Da mesma forma, problemas no maior comprador – a China – também são motivo de preocupação em 2022.
No primeiro semestre do ano, o país asiático voltou a adotar lockdowns significativos para evitar avanços da covid-19 entre a população. Como resultado, restringiu a circulação de pessoas em grandes cidades, afetando a atividade das empresas e o consumo. No segundo trimestre de 2022 registrou crescimento baixo, de 0,4% , na comparação com o mesmo período do ano anterior.
“É provável que uma diminuição da atividade econômica na China gere efeitos de diminuição do comércio internacional, não só pro Brasil, mas para outros países do mundo”, disse Pereira de Andrade. “É um ponto bem sensível do ponto de vista econômico”.
Entre outros fatores externos que podem impactar o Brasil em 2022, o economista também citou a crise política e econômica da Argentina e eventuais acontecimentos inesperados na guerra entre Rússia e Ucrânia (como ofensivas surpresas de Putin em outras regiões da Europa).
Esse cenário internacional se soma a elementos internos que também podem atrapalhar o andamento da economia brasileira. O professor da ESPM cita as ameaças de questionamento do resultado eleitoral do presidente Jair Bolsonaro como um fator que pode afastar investidores e piorar as condições econômicas no Brasil.
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