Qual o potencial político de 11 de agosto e de 7 de setembro
Isabela Cruz
06 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h38)O ‘Nexo’ conversou com cientistas políticos sobre os possíveis desdobramentos do ato na Universidade de São Paulo pela democracia e da parada militar inflada pelo presidente, que ameaça não respeitar a votação
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Bandeiras do Brasil estendidas em Brasília
Os preparativos para os atos bolsonaristas marcados para o dia 7 de setembro foram atropelados pelo fortalecimento em dimensão inédita de um ato suprapartidário de defesa da democracia, em resposta às ameaças de desrespeito ao resultado eleitoral feitas pelo presidente Jair Bolsonaro.
Redigida por ex-alunos e professores da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), a “Carta às brasileiras e aos brasileiros” já tem o apoio de mais de 700 mil pessoas de diversos setores, incluindo nomes da elite empresarial e artística, e será lida em evento no dia 11 de agosto.
“Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais Poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional ”
Bolsonaro ironizou a carta nas redes sociais, chamou seus signatários de “caras de pau” e “sem caráter” e chegou a marcar eventos para 11 de agosto também— depois acabou desistindo. Quanto aos atos do dia 7 de setembro, anunciou que irá participar, em Brasília e no Rio de Janeiro, dos desfiles militares que as Forças Armadas realizam em celebração da Independência.
O presidente tem afirmado que a parada militar na capital fluminense será transferida do centro da cidade para a orla de Copacabana , ponto turístico onde costumam ocorrer as manifestações bolsonaristas. Já o prefeito carioca Eduardo Paes (PSD) afirma que não recebeu solicitação oficial da mudança, indicando que pretende manter o evento no centro , como planejado originalmente .
“Temos algo tão ou mais importante que a própria vida: a nossa liberdade. E a grande demonstração disso, eu peço a vocês, que seja explicitada no próximo dia 7 de setembro ”
Neste texto, o Nexo destrincha em seis pontos as possíveis repercussões políticas dos atos de 11 de agosto e de 7 de Setembro, a partir da análise de cientistas políticos.
Pesquisa do Instituto Datafolha (registrada no Tribunal Superior Eleitoral como BR-01192/2022) mostrou no final de julho um cenário de intenção de votos bastante consolidado . O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está 18 pontos à frente de Bolsonaro, com chances de vitória em primeiro turno.
Considerando as altas rejeições aos dois primeiros colocados, a disputa imediata se dá, basicamente, entre haver ou não um segundo turno entre Lula e Bolsonaro.
71%
dos eleitores afirmam estar totalmente decididos sobre em quem votarão para presidente
Entre os eleitores de Lula e de Bolsonaro especificamente, 79% afirmam que já estão totalmente decididos. Já entre os eleitores de Ciro Gomes, que está em terceiro lugar na disputa com 8% das intenções de voto, os totalmente decididos caem para 34%.
Considerando a totalidade do eleitorado, os grupos mais decididos são os evangélicos (72%), os empresários (82%), os maiores de 60 anos (78%) e os que recebem o Auxílio Brasil (69%).
Jovens e mulheres são os grupos que têm mais chances de mudar de voto: entre os que têm entre 16 e 24 anos, 58% estão totalmente decididos, enquanto 42% ainda podem mudar de ideia. Já o voto das mulheres está definido para 67% das eleitoras, enquanto 33% ainda podem mudar de candidato.
Sugundo pesquisa do Ipespe publicada no dia 25 de julho (registrada no TSE como BR-08220/2022), 44% afirmam que “com certeza votariam” em Lula, enquanto 11% dizem que “poderiam votar”. Quanto a Bolsonaro, esses percentuais são, respectivamente, 34% e 8%.
Para o cientista político Oswaldo Amaral, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e diretor do Cesop (Centro de Estudos de Opinião Pública), o que determinará a escolha dos eleitores ainda indecisos será a questão econômica, e não os eventos dos dias 11 de agosto e 7 de setembro.
Amaral afirma, no entanto, que as paradas militares de Bolsonaro cumprem papel eleitoral mesmo assim, servindo a Bolsonaro para “evitar defecções de última hora ou mesmo abstenções”.
“A intenção de Bolsonaro é parecer que ele conta com o apoio irrestrito das Forças Armadas — o que não é verdadeiro —, assim como de movimentar as redes sociais, de forma a passar confiança para seus eleitores e manter esse grupo resiliente e ativado”, disse ele ao Nexo .
Professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, Frederico de Almeida afirma que o alto número de signatários da carta da USP demonstra a capacidade de mobilização de seus organizadores.
700 mil
era o número de assinaturas à carta na quarta (3), uma semana depois de publicada
“Isso passa muito pelas conexões de relações pessoais e políticas que muitas pessoas formadas ali têm, assim como pela estratégia de usar as redes sociais da faculdade”, disse Almeida ao Nexo , destacando que entre os signatários iniciais da carta estão José Carlos Dias, que já foi ministro da Justiça, e Miguel Reale, autor do pedido de impeachment que tirou a então presidente Dilma Rousseff do cargo.
Um dos setores que podem ser pressionados pelo movimento é, segundo Almeida, o de entidades empresariais, que têm membros da Faculdade de Direito entre os integrantes de seus conselhos e nas suas equipes jurídicas.
“Uma das disputas políticas mais sensíveis acontece dentro do setor industrial, para se definir com quem estão os capitalistas brasileiros”, disse Almeida, que pesquisa o comportamento de elites jurídicas e coordena o PolCrim (Laboratório de Estudos de Política e Criminologia da Unicamp).
O setor não é numeroso entre o eleitorado, mas afeta fortemente as eleições ao ajudar a financiar campanhas e influenciar a opinião pública. “São justamente as elites que mobilizam a opinião pública, e não pessoas desorganizadas, espontâneas”, disse Silvana Krause,professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e integrante da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais).
Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, o fato de o tema em jogo ser a preservação da democracia facilita uma unidade do empresariado, em razão do “elemento econômico da democracia”. “Numa democracia, os empresários sabem que podem recorrer a instituições para que as leis sejam cumpridas, para que possam investir sem depender do humor de uma pessoa ou de um pequeno grupo”, disse Melo ao Nexo .
Na mesma cerimônia da USP, será lido o manifesto que entidades patronais puxadas pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) publicaram na sexta (5) em defesa da democracia e da Justiça.
Bolsonaro tinha dito que iria à Fiesp, como têm feito outros candidatos à Presidência, e faria isso no próprio dia 11 . Mas depois desmarcou, diante da pressão que se anunciava para que ele assinasse o manifesto, o que ele já disse que não irá fazer .
Professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e pesquisador do comportamento eleitoral, Hilton Cesario Fernandes afirma que, dado o cenário consolidado das intenções de voto,os eventos políticos até o primeiro turno servem para “ativar” o eleitorado, despertando a atenção geral para a importância do momento.
“Mesmo os que já definiram seu voto podem se sentir mais incentivados a pedir votos e defender seus candidatos”, disse Fernandes ao Nexo .
Aproveitando o embalo do 11 de agosto na USP, movimentos sociais marcaram para o mesmo dia uma manifestação na avenida Paulista em defesa de eleições livres e contra a violência política.
Entre os organizadores estão Coalizão Negra por Direitos, MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), UNE (União Nacional dos Estudantes), CMP (Central de Movimentos Populares) e Uneafro Brasil, além de partidos de esquerda.
Esses movimentos organizaram, já a partir de 2019, diferentes atos que pediram o impeachment de Bolsonaro. A mobilização social, no entanto, foi arrefecida ao longo do mandato presidencial em razão da pandemia, que impedia aglomerações.
Outro fator que comprometeu as mobilizações foi a percepção geral de que o centrão da Câmara , cooptado pelo governo por meio do chamado “ orçamento secreto ”, não tinha a menor disposição para depor o presidente. A dificuldade de união dos movimentos de oposição a Bolsonaro também atrapalhou a atuação da oposição.
Para o jornalista Thomas Traumann, “Lula pode ser o maior beneficiário” de um aprofundamento do radicalismo da base bolsonarista no dia 7 de setembro – uma reação provável de Bolsonaro diante do ato de 11 de agosto, segundo Fernandes, da FESPSP.
Nesse caso, eleitores que não pretendiam votar no petista podem “ antecipar para o primeiro turno uma decisão que seria só tomada no segundo turno”, em nome da preservação da democracia. Isto é, a exacerbação do golpismo poderia empurrar eleitores para o chamado voto útil.
“O presidente já demonstrou ficar incomodado pessoalmente com a mobilização para o 11 de agosto, e o impacto disso no seu comportamento pode prejudicá-lo mais do que o evento em si”, disse Fernandes.
O movimento de 11 de agosto também pode ter impacto sobre as escolhas pelo voto útil, segundo o jornalista José Roberto de Toledo, da revista Piauí. Na visão dele, alguns dos empresários e banqueiros signatários pretendem que a carta, ao arrefecer a percepção social de um risco alto de golpe, sirva para evitar um movimento em prol de um voto útil a favor de Lula no primeiro turno, o que prejudicaria candidaturas da chamada terceira via.
“O raciocínio dessas pessoas é mais esse do que o de acreditar realmente que pode haver um golpe”, disse Toledo, ponderando que o movimento ainda assim é louvável. Candido Bracher, por exemplo, que foi presidente do Itaú Unibanco até fevereiro de 2021 e atualmente é membro do conselho de administração da instituição, é signatário da Carta aos Brasileiros e declara voto em Simone Tebet , do MDB.
Na visão da professora Silvana Krause, não há cálculo nesse sentido por parte dos signatários. “Trata-se muito mais uma tentativa de mostrar que a sociedade civil brasileira quer estabilidade, reunindo gente de esquerda, de centro e de direita contra uma perspectiva de negação das instituições políticas democráticas”, disse ao Nexo .
Ela destaca que as movimentações atuais “indicam que nossa experiência de 1964 ainda não foi inteiramente resolvida, porque fantasmas retomam”, fazendo referências a discursos que usam a justificativa de uma suposta “luta contra o comunismo” para justificar rupturas.
Além do empresariado, a amplitude do movimento em prol das eleições também faz aumentar a percepção dos militares sobre “o custo de uma solução de força”, diz Frederico de Almeida. Oswaldo Amaral concorda com ele, destacando que o envolvimento da elite econômica é muito importante para isso.
Almeida ressalta, no entanto, que o histórico brasileiro indica que “mesmo pessoas e organizações que assinam o manifesto agora, num momento de ruptura ou de uma solução negociada [do resultado eleitoral], podem embarcar numa solução como essa”.
Já as manifestações de 7 de Setembro servirão como “demonstração de força [de Bolsonaro], para, eventualmente no caso de derrota eleitoral, ele tentar negociar como será sua saída do poder”, segundo Amaral. “Mais do que ganhar as eleições, a grande questão para Bolsonaro hoje é pensar no pós-eleições”, afirmou o professor.
Segundo a jornalista Andreia Sadi, do portal G1, aliados do presidente têm verificado a possibilidade de Bolsonaro negociar o respeito ao resultado eleitoral em troca de uma anistia a ele , que foi acusado de inúmeros crimes durante o mandato. No comando do Executivo e com a prerrogativa de só poder ser denunciado pelo procurador-geral da República, Bolsonaro acabou blindado pela atuação de Augusto Aras.
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