Expresso

O que a estratégia Janones pode agregar à campanha de Lula 

Isadora Rupp

12 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Destreza digital é trunfo do apoio de deputado do Avante. Origem mineira e alcance ‘fura-bolha’ são outros ganhos apontados ao ‘Nexo’ por cientistas políticos  

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FOTO: REPRODUÇÃO TWITTER /@ANDREJANONESADV 09.08.2022

Luiz Inácio Lula da Silva e André Janones em reunião da campanha petista. Eles estão lado a lado. Janones mostra a tela de um celular para Lula e sorri. Lula olha para a tela com semblante sério

Luiz Inácio Lula da Silva e André Janones em reunião da campanha petista

Deputado federal em primeiro mandato pelo Avante, o mineiro André Janones costuma declarar em entrevistas que se surpreendeu quando começou a aparecer com cerca de 2% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais à Presidência da República. Isso ocorreu ainda em 2021, e seguiu em levantamentos de 2022.

Em algumas pesquisas, a porcentagem o deixou à frente de nomes tradicionais da política, como o então governador paulista João Doria (PSDB), que deixou a disputa nacional, e a candidata Simone Tebet (MDB), que apareciam com 1% de intenções.

Defensor do Auxílio Brasil permanente de R$ 600 e com uma soma de mais 12 milhões de seguidores nas redes sociais, o nome do parlamentar chamou a atenção de grandes legendas, como o PT, que pleiteou seu apoio .

Janones topou. Desistiu da candidatura própria em 4 de agosto para somar na campanha da chapa Lula-Alckmin, e vai exercer papel central na comunicação petista. No texto abaixo, o Nexo mostra a trajetória de Janones e qual o peso da sua participação, que pretende ser um “fura-bolha” nas redes sociais.

Quem é André Janones

André Janones é mineiro, tem 38 anos e nasceu em Ituiutaba, município no sul de Minas Gerais com pouco mais de 100 mil habitantes. É filho de Divina Gaspar Janones, empregada doméstica. Estudou a vida toda em escola pública e se formou em direito na Fundação de Educação de Ituiutaba com uma bolsa de estudos concedida para famílias carentes.

Durante a faculdade, trabalhou como cobrador do transporte coletivo da cidade. Foi escrevente no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e, depois de graduado, abriu seu próprio escritório. Por 10 anos, atuou gratuitamente, em paralelo com as causas remuneradas, em prol de pessoas que precisavam de alguma providência pelo SUS, atividade que o tornou conhecido na cidade e região.

Em entrevista em julho ao podcast O Assunto, do portal G1, quando ainda era presidenciável, Janones disse que o seu DNA é o “DNA do povo brasileiro”. A entrada na política-partidária ocorreu em 2003, quando se filiou ao PT, no qual permaneceu até 2012. Depois, migrou para o PSC (Partido Social Cristão), e disputou a prefeitura de Ituiutaba em 2016. Ficou em segundo lugar, com 24,40% dos votos .

FOTO: REPRODUÇÃO TWITTER/@ANDREJANONESADV – 1.JAN.2022

O deputado federal André Janones (Avante-MG) vestindo terno e gravata em frente ao edifício do Congresso Nacional, em Brasília

O deputado federal André Janones (Avante-MG) em Brasília

Janones ganhou projeção nacional em 2018, durante a greve dos caminhoneiros , que parou o Brasil por 10 dias no governo Michel Temer. Um motorista da região pediu para que ele gravasse um vídeo para as redes sociais em apoio. O conteúdo viralizou, e Janones se tornou o porta-voz do movimento em Minas. “Fiz isso com muito prazer, mas me afastei quando percebi que se tornou um movimento golpista com pautas antidemocráticas”, afirmou ao podcast.

A atenção em torno do seu nome e o barulho nas redes sociais foi enorme. Janones teve sucesso meteórico na política: em 2018, foi o terceiro deputado federal mais votado de Minas Gerais, já filiado ao Avante, legenda que se define como de centro no espectro político. Ele atribui o feito não só ao momento como porta-voz dos caminhoneiros, mas pela trajetória da defesa de pessoas vulneráveis como advogado.

Janones define seu modo de fazer política como “horizontal” e diz se basear no diálogo com a população. Na Câmara, foi sub-relator da CPI de Brumadinho e se posicionou contra matérias como a reforma da Previdência. É crítico do presidente Jair Bolsonaro mas, antes de apoiar Lula, comunicava aos eleitores que não contassem com ele para defender o petista.

Defesa da transferência de renda e religião

Janones se notabilizou pela defesa do auxílio emergencial de R$ 600 no começo da pandemia de covid-19 . Uma live feita pelo deputado no Facebook sobre o assunto em setembro de 2020 foi recorde no mundo na data, com 3,3 milhões de visualizações e 177 mil comentários.

FOTO: MICHEL JESUS/CÂMARA DOS DEPUTADOS – 26.03.2020

Deputados no plenário durante a sessão que aprovou o auxílio emergencial. Há um grupo de cerca de 10 pessoas de pé no plenário. Ao fundo está a mesa da presidência da Câmara, onde está sentado Rodrigo Maia. À esquerda está o painel de votação, à direita o telão com imagens da sessão. A foto é tirada no piso do plenário.

Deputados no plenário durante a sessão que aprovou o auxílio emergencial

Na época, o governo Bolsonaro e o ministro da economia Paulo Guedes propuseram uma ajuda de R$ 200. O Congresso se mobilizou para subir o valor e, no final, o martelo foi batido em R$ 600.

O benefício emergencial foi pago até o fim de 2020, interrompido por três meses e retomado com valor e alcance menores em abril de 2021. Em novembro daquele ano, o governo criou o Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família, no valor de R$ 400. A três meses da eleição de 2022 e após driblar regras fiscais e eleitorais , o governo subiu o pagamento para R$ 600 até 31 de dezembro.

O parlamentar do Avante defende a permanência do montante como política pública permanente, e condicionou o apoio a Lula à defesa da pauta. O petista prometeu um novo Bolsa Família – programa social criado nas gestões do PT e que durou 18 anos – mantendo o valor.

Para financiar o benefício social, o congressista propõe uma reforma tributária progressiva, que tire o peso da classe média e transfira para as mais altas, taxação de lucros e dividendos e impostos sobre grandes fortunas.

Membro da Igreja Batista da Lagoinha, do pastor Márcio Valadão, a mesma em que Michelle e Jair Bolsonaro estiveram no domingo (7) para consolidar os votos evangélicos, sobretudo o das mulheres , Janones se define como um homem de fé.

FOTO: REUTERS

Culto em uma igreja da Assembleia de Deus com o pastor Crenilton Ferreira em 2018, no Maranhão.

Culto em uma igreja da Assembleia de Deus com o pastor Crenilton Ferreira em 2018, no Maranhão.

Sua presença no meio evangélico pode ser um ativo importante para Lula, que é mais rejeitado nesse segmento religioso. Levantamento do Datafolha (TSE BR-01192/2022) do final de julho, feito com entrevistas presenciais, mostra que 43% dos evangélicos votam em Bolsonaro, enquanto Lula tem 33%. Janones tem 1% na mesma pesquisa nas intenções de voto gerais, e 2% entre os evangélicos. Entretanto, afirma ter “horror” de misturar fé e religião.

“Sou evangélico, mas nas minhas redes eu atendo igualmente a todos, não posso impor minha fé. A confusão entre Estado e religião é precursora de várias guerras na nossa história”, disse na entrevista ao podcast O Assunto. Afirmou que Bolsonaro “sequestrou a fé”, e que o presidente usa a questão para criar cortinas de fumaça e tapear os problemas graves do país.

As bolhas que Janones consegue furar

Converter a intenção de 2% de votos do deputado federal para Lula – porcentagem de Janones na pesquisa FSB (TSE BR 08028/2022) divulgada na segunda-feira (8) – não é a única virtude que o PT enxergou ao apostar no apoio de Janones. Segundo o colunista do UOL José Roberto de Toledo, a desenvoltura e ideias trazidas pelo parlamentar surpreendeu positivamente os caciques do partido em uma reunião da chapa Lula-Alckmin.

Sua influência na comunicação da campanha deve ser ampla. Primeiro pela presença e engajamento nas suas redes sociais, que somam mais de 12 milhões de seguidores. Segundo, pela familiaridade de Janones com a linguagem do ambiente digital.

No seu perfil pessoal, Janones, que já era crítico do governo, passou a fazer ataques mais contundentes ao presidente (a quem chama defuturo presidiário) e seus apoiadores.

O deputado também tem defendido que PT adote um tom de voz menos empolado e improvise mais. Em tuítes na quinta (11) e na sexta-feira (12), ele cobrou uma linguagem mais acessível na comunicação dos planos do partido e mais participação no Facebook onde, segundo ele, está opovão”.

Levantamento da Sala de Democracia Digital da DAPP FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas), divulgado no dia 29 de julho, aponta que André Janones foi o perfil entre os presidenciáveis que teve o maior número de interações fora de seu grupo no Twitter.

O estudo mostra também que o deputado estabelece pontes com a esquerda ao trazer para o debate seguidores que não integram a bolha do PT. Isso foi fundamental para que esse campo político tenha dominado o apoio e a conversa nas plataformas entre junho e julho de 2022.

De 27 de junho a 24 de julho, 62,5% das interações de Janones na rede foram fora da bolha de apoiadores. Bolsonaro teve 0,3% e Lula, 0,8%. A presença no Facebook do agora apoiador do PT é outro destaque do monitoramento. Ele perde apenas para Bolsonaro e Lula no ranking, e tem quase 5 milhões de interações.

FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE PODER360

Janones discursa em evento de 2022

Janones discursa em evento de 2022

Lula se aproxima dos 6 milhões, muito atrás de Bolsonaro, com 16,5 milhões. A defesa do Auxílio Brasil, segundo o DAPP FGV, é o principal conteúdo responsável pelo alto engajamento de Janones, que também se destaca no TikTok, com mais de 9 milhões de plays no agregado por semana, de acordo com o estudo . Assim como no Facebook, Janones só fica atrás de Bolsonaro e Lula – ultrapassa Ciro Gomes (PDT), que tem pouco mais de 3 milhões de plays na rede social chinesa.

Neste sábado (13), Janones e Lula fizeram uma live conjunta no Facebook. O tema central foi o Auxílio Brasil, que o petista se comprometeu em manter em R$ 600 caso seja eleito. O benefício nesse valor, hoje, é válido só até o fim do mandato de Bolsonaro.

Os ganhos além do Facebook

O cientista político Guilherme Nafalski, doutor em ciência política pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pesquisador de partidos políticos, pontua outros dois aspectos relevantes do apoio de Janones além da presença digital. A primeira é a origem mineira. “Minas é um colégio eleitoral importante. Ter um mineiro que as pessoas vêem como alguém dali, dialogando com elas, ajuda”, disse ao Nexo .

A segunda, crê Nafalski, é o fato de o deputado não ser um nome da política tradicional. “Ele tem a capacidade de fugir da pregação para convertidos. A capacidade de transferência de voto deve ser maior do que se espera, porque ele traz para o espectro da candidatura de Lula grupos novos. Não necessariamente dizendo que ele é o melhor, mas que é ele que tem que ser agora. É o que o Janones coloca”.

Na entrevista ao O Assunto, Janones declarou que ainda tem interlocução com a ala autônoma dos caminhoneiros. Segundo ele, o apoio deste grupo não foi garantido por Jair Bolsonaro e pelo ex-ministro da infraestrutura e candidato ao governo de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), que se comunicava direto com a ala nos grupos de Telegram e Whatsapp. Janones chama esse segmento de “não golpista”.

O elemento simbólico de ter ao lado um político de centro com diálogo com grupos que se distanciam da esquerda é outro capital valioso, aponta a cientista política Joyce Martins, coordenadora do Observatório da Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) e autora do livro “O novo jogo eleitoral brasileiro: PT e PSDB na democracia de público”.

“Lula foi atrás do apoio do Alckmin e está tentando fazer alianças para passar a ideia de frente ampla contra o bolsonarismo, de deixar Bolsonaro ilhado. E o pouco voto que Lula venha a receber é fundamental para ele tentar fechar a questão no primeiro turno”, disse Martins ao Nexo .

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