Expresso

O elo de empresários que falaram em golpe com o bolsonarismo

Malu Delgado

23 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)

Nomes como Luciano Hang integram projeto político do presidente desde as eleições de 2018. Inquérito que apura milícias digitais – dentro do qual operação foi realizada – está aberto desde 2021

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FOTO: EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO – 29.SET.2021

Imagem mostra o empresário Luciano Hang, de terno verde e gravata amarela, sentado à mesa em frente a microfone. Careca, ele usa máscara verde com o nome das suas lojas Havan e a bandeira do Brasil. Acima dele tem uma placa onde está escrito: Senado Federal

O empresário Luciano Hang, durante depoimento à CPI da Covid no Senado

A operação da Polícia Federal contra oito empresários bolsonaristas realizada na terça-feira (23) – sob autorização do ministro do Supremo Alexandre de Moraes – integra um inquérito que investiga desde julho de 2021 a atuação de milícias digitais suspeitas de atentar contra a democracia. Alvos de buscas e apreensões , os empresários tiveram contas bancárias bloqueadas, perfis nas redes sociais suspensos e a quebra de sigilo bancário decretada. Alguns prestaram depoimento.

A ordem de Moraes, que é relator do inquérito das milícias digitais no Supremo, além de presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi dada após o site Metrópoles revelar diálogos desses empresários num grupo de WhatsApp. Nas conversas, eles defendiam um golpe caso o presidente Jair Bolsonaro não seja reeleito e as urnas deem vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Neste texto, o Nexo contextualiza o momento da operação e resgata as relações entre esse grupo de empresários e Bolsonaro.

Tensão na campanha

A operação contra os empresários foi realizada num momento em que o Supremo tenta reduzir os riscos de reedição no Brasil da invasão do Capitólio , prédio do Congresso dos Estados Unidos, ocorrida em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente Donald Trump. O republicano não aceitou o resultado das eleições e falou em fraude na apuração de votos mesmo sem apresentar provas.

Candidato à reeleição pelo PL, Bolsonaro faz ataques constantes ao sistema eleitoral brasileiro, também sem provas. O presidente também não é enfático ao se comprometer com o respeito do resultado das eleições marcadas para outubro. A operação ocorre a duas semanas das manifestações em apoio ao presidente marcadas para o dia 7 de setembro, com presença de Bolsonaro em Brasília e no Rio de Janeiro.

Com a quebra de sigilos telemáticos e bancários, a Polícia Federal tenta rastrear se houve financiamento desses empresários a atos bolsonaristas. Nesses atos, os apoiadores do presidente costumam pedir o fechamento do Supremo.

De acordo com a lei, é crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. O mesmo vale para quem “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Moraes não tornou pública a peça anexada ao inquérito com o pedido da Polícia Federal (Petição 10.453), o que justificou os mandados de buscas e apreensões em endereços dos empresários. O gabinete do ministro apenas divulgou nota de esclarecimento , informando que a Procuradoria-Geral da República foi intimada sobre a ação. Foram alvos da operação de terça-feira (23):

  • Afrânio Barreira Filho , da rede de restaurantes Coco Bambu
  • Ivan Wrobel , da W3 Engenharia
  • José Isaac Peres , da Shoppings Multiplan
  • José Koury , do Barra World Shopping
  • Luciano Hang , da rede de lojas Havan
  • Luiz André Tissot , do grupo Sierra Móveis
  • Marco Aurélio Raymundo , da rede de lojas Mormaii
  • Meyer Joseph Nigri , da construtora Tecnisa

Os empresários negam que estejam conspirando para dar um golpe e se dizem defensores da democracia. Bolsonaro questionou a operação sugerindo que ela foi desproporcional , pois apenas mensagens de WhatsApp não seriam suficientes para justificar buscas, apreensões e quebras de sigilo.

Uma relação antiga

Empresários que foram alvo da operação declararam apoio a Jair Bolsonaro em 2018, inclusive com doações em dinheiro , em forma de pessoa física, já que as doações empresariais para campanhas políticas estão vedadas pelo Supremo desde 2015.

Na linha de frente do apoio empresarial bolsonarista sempre estiveram Luciano Hang, das Lojas Havan; Afrânio Barreira Filho e Eugênio Veras Vieira, da rede Coco Bambu; Meyer Joseph Nigri, da Tecnisa; Sebastião Bonfim Filho, dono da rede esportiva Centauro; Victor Vicenzza, da marca de sapatos do mesmo nome.

Nigri, da Tecnisa, foi um dos primeiros a se aproximar de Bolsonaro, ainda deputado, por ter elos também com Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente. Também sempre foi do pelotão pró-Bolsonaro o empresário Flávio Rocha, dono da varejista Riachuelo. Atualmente, o empresário João Carlos Camargo, idealizador e presidente do Esfera Brasil, tem organizado encontros de Bolsonaro com expoentes do setor.

Um levantamento feito pela Agência Pública, sobre as eleições de 2018, mostrou que a Procuradoria-Geral do Trabalho havia registrado, antes do segundo turno, 199 denúncias em 14 estados relacionadas a coação eleitoral , sendo a maioria delas vindas de empresas apoiadoras de Bolsonaro.

As denúncias envolviam tentativas de donos de empresas de influenciar os votos de funcionários. Uma live do empresário Luciano Hang, em outubro de 2018, ganhou notoriedade na mídia . Hang dizia que se um candidato de esquerda vencesse, poderia fechar lojas, insinuando que os funcionários perderiam seus empregos. “Se nós voltarmos para trás, você está preparado para sair da Havan?”, indagava.

Disparos em massa

Dias antes do segundo turno da eleição presidencial de 2018, reportagem da jornalista Patrícia Campos Mello, no jornal Folha de S.Paulo , revelou contratos da ordem de R$ 12 milhões para disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp contra o PT, financiados por apoiadores de Bolsonaro. Segundo a reportagem, entre as empresas financiadoras estava a Havan de Luciano Hang.

O caso foi investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Hang, inclusive, chegou a ser multado pelo TSE , no valor de R$ 10 mil, por impulsionamento indevido no Facebook de propaganda eleitoral. Mas em 2021 a corte decidiu arquivar as ações que pediam a cassação de Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão, por abuso do poder econômico devido aos disparos. O TSE entendeu que houve os disparos, mas a ação não teria sido responsável por mudar o quadro eleitoral.

Na ocasião do julgamento, o TSE mandou duros recados contra quem produz e distribui fake news. Ao assumir o comando da Justiça Eleitoral, neste mês, Alexandre de Moraes disse que a prática poderá render prisão nas eleições de 2022. Além de relatar o inquérito das milícias digitais, o ministro do Supremo comanda também o inquérito das fake news. Moraes chegou a incluir Bolsonaro no rol de investigados , em razão dos recorrentes ataques ao sistema eleitoral sem apresentar provas.

Luciano Hang também apareceu na lista de empresários que divulgaram fake news durante a pandemia e se tornaram alvos de pedidos de indiciamento por parte da CPI da Covid no Senado. O dono da Havan foi acusado pela comissão de agir para adulterar o atestado de óbito de sua mãe, Regina Hang, e omitir a covid-19 na causa da morte. Ela foi tratada com remédios ineficazes e morreu em decorrência da doença num hospital da Prevent Senior. Ele também foi apontado como financiador do movimento contra as medidas de isolamento social. Hang nega ter cometido crimes durante a pandemia.

Financiamento de atos

Em maio de 2020, Moraes autorizou outra ação de busca e apreensão que envolveu empresários. Mais uma vez, Luciano Hang foi alvo. O ministro determinou a quebra de sigilo bancário e fiscal de pelo menos quatro pessoas, incluindo o dono da Havan e Edgar Gomes Corna, da Smart Fit. Na ocasião, a PF cumpriu 28 mandados de busca e apreensão em endereços de deputados, blogueiros e empresários.

De acordo com Moraes, um grupo de empresários poderia estar por trás do financiamento de redes de desinformação que, ao mesmo tempo, também incentivam “a quebra da normalidade institucional e democrática”.

“Toda essa estrutura, aparentemente, está sendo financiada por um grupo de empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, atuaria de maneira velada, fornecendo recursos (das mais variadas formas) para os integrantes dessa organização”, disse Moraes na fundamentação de sua decisão.

O ministro citava, ali, um grupo de empresários “autodenominado de ‘Brasil 200 Empresarial’, em que os participantes colaboram entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes”. Também entrou no rol de investigações, nesta fase, Otavio Oscar Fakhoury, que atua no ramo imobiliário.

A continuidade da investigação

A pedido da Procuradoria-Geral da República, comandada por Augusto Aras, o Supremo arquivou em junho de 2021 o inquérito que apurava o financiamento dos atos antidemocráticos.

Pelo menos 11 parlamentares bolsonaristas foram alvos das investigações. A Procuradoria-Geral alegou que houve um “desvirtuamento” na condução do inquérito pela Polícia Federal.

Moraes acatou o pedido e arquivou o inquérito, mas optou por um caminho inesperado: abriu em seguida outra investigação , com escopo ainda mais amplo, para investigar ataques à democracia: o inquérito das milícias digitais, no qual a operação de terça (23) foi realizada.

Para o ministro, detectou-se “a presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhante àqueles identificados no inquérito 4.781 [das fake news], com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito”.

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