Como o tema corrupção aparece nas campanhas ao Planalto
Malu Delgado
31 de agosto de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h42)Assunto que chegou a ser maior preocupação do eleitorado em 2018 agora fica atrás de problemas como economia e fome. Especialistas falam ao ‘Nexo’ sobre como uso pelas equipes dos dois principais candidatos pode influenciar a disputa
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Pixuleco de Lula e Jair Bolsonaro exibido pelo grupo Vem Pra Rua em protesto em São Paulo
Com os votos na disputa eleitoral de 2022 cada vez mais cristalizados entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), as duas campanhas buscam maneiras de capturar o interesse dos poucos indecisos ou reduzir as preferências do eleitorado pelo adversário.
Para isso, a campanha de Bolsonaro quer intensificar a retórica da corrupção, relembrando desvios nos governos petistas. Na campanha de Lula, a estratégia é se preparar para o ataque mais agressivo do presidente e sua rede de aliados, sobretudo na reta final da disputa, e reduzir danos. A prioridade, para a equipe petista, é abordar a grave situação econômica e lembrar as realizações de seus dois mandatos na área social.
O cenário de 2022 é bastante distinto do de 2018, quando Bolsonaro e a extrema direita colheram frutos do antipetismo que reverberavam com a Operação Lava Jato . A corrupção chegou a ser apontada pelos eleitores, ainda em 2018, como o maior problema do Brasil. Agora, é a situação econômica, o desemprego e o medo da inflação que configuram entre as principais preocupações dos brasileiros. De acordo com pesquisa Genial/Quaest divulgada em agosto, a economia é o principal problema para 40%, seguido das questões sociais, incluindo fome/miséria/pobreza (20%), saúde/pandemia (13%), outros temas (com 12%). A corrupção fica em quinto lugar (8%). O levantamento entrevistou 2.000 eleitores de forma presencial entre 28 e 31 de julho, e tem margem de erro de dois pontos. O registro no TSE é BR-02546/2022.
Porém, no primeiro debate presidencial no domingo (28), na TV Bandeirantes, realizado por um pool de veículos de imprensa, ficou claro que a estratégia de Bolsonaro será intensificar as acusações de corrupção contra Lula. O presidente se referiu ao petista como ex-presidiário, por mais de uma vez.
Lula, por sua vez, teve um desempenho considerado fraco no debate, segundo seus próprios aliados e analistas, por ter sido pouco contundente ao responder Bolsonaro sobre a corrupção na Petrobras e não ter citado as suspeitas que pesam contra o atual presidente.A ideia do núcleo petista é abordar o tema apenas em entrevistas e nas redes sociais, sem levá-lo para o horário eleitoral .
Na quarta-feira (31), em entrevista à rádio Clube, de Belém, o petista foi mais enfático sobre suspeitas de corrupção que pairam sobre o clã Bolsonaro e áreas de seu governo e deu sinais de que sua campanha pode ir para um confronto mais direto com Bolsonaro: “[Temos] um presidente que sequer exigiu a investigação do (Fabrício) Queiroz, que sequer exigiu a investigação de seus filhos, que sequer investigou as denúncias contra (o ex-ministro Eduardo) Pazuello. Nós temos um presidente que não apenas coloca a sujeira embaixo do tapete como transforma em sigilo de 100 anos tudo e qualquer denúncia contra eles”, afirmou Lula.
Na sabatina do Jornal Nacional , da TV Globo, em 25 de agosto, o petista, segundo análises da coordenação da campanha petista e de especialistas, teve uma performance positiva e conseguiu falar das denúncias de corrupção envolvendo governos do PT – o mensalão, em seu primeiro mandato, e os desvios na Petrobras, no governo Dilma – de forma objetiva e direta, reconhecendo erros. O PT ficou tão satisfeito com o resultado da entrevista que investiu R$ 100 mil em anúncios no YouTube e Google com o trecho inicial da sabatina, em que o apresentador William Bonner afirma que Lula não deve nada à Justiça. A propaganda foi reproduzida 2,4 milhões de vezes na plataforma. A Globo solicitou ao PT que retire a peça do ar, já que os trechos foram editados.
Ainda que queira explorar o tema corrupção para desgastar Lula, Bolsonaro não está confortável nesta seara. De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em julho, 73% dos eleitores consideram que há corrupção no governo Bolsonaro. Nesta mesma sondagem, só 3% dos eleitores apontam a corrupção como problema central do país.
Reportagem do UOL publicada na terça-feira (30) traz à tona outro vespeiro para o presidente. Nos últimos 30 anos, os filhos e irmãos de Bolsonaro negociaram a compra de 107 imóveis, sendo que 51 deles foram adquiridos em dinheiro vivo . Pesam contra o presidente e seus filhos indícios da prática da “rachadinha” – empregar servidores nos gabinetes legislativos e desviar parte dos salários para o próprio parlamentar. O uso de dinheiro vivo em transações imobiliárias é apontado por especialistas em lavagem de dinheiro como um método para ocultar transações ilícitas, para camuflar a origem do recurso. Eles negam ilegalidades.
Além das suspeitas da rachadinha envolvendo sua vida parlamentar e a de seus filhos, Bolsonaro também tem em seu governo o caso do Ministério da Educação, em que o ex-ministro Milton Ribeiro é investigado pelo desvio de recursos doFNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para beneficiar pastores evangélicos. Em áudio divulgado na mídia, Ribeiro disse que deu prioridade na liberação de verbas aos pastores atendendo a pedido de Bolsonaro. Em junho, o ex-ministro foi preso durante operação da Polícia Federal que investigava os desvios no MEC, e solto em seguida.
O presidente também pode ser cobrado pela gestão na pandemia de covid-19 e as investigações da CPI da Covid no Senado Federal que encontraram suspeitas de tentativa de corrupção na compra de vacinas. Por fim, o escândalo do orçamento secreto , na opinião de muitos analistas, se configura crime de responsabilidade.
O Nexo ouviu dois especialistas sobre o debate da corrupção neste pleito e que efeitos pode gerar para as campanhas de Lula e Bolsonaro:
BRUNO CARAZZA Lula lidera as pesquisas valendo-se das boas recordações que seu governo tem junto à população, principalmente na economia e na inclusão social. Como o comparativo nessas dimensões é desfavorável para Bolsonaro, sua estratégia é tentar aumentar a taxa de rejeição do petista reavivando a memória dos grandes escândalos de corrupção nos governos petistas, assim como o tempo em que Lula permaneceu na prisão.
Estimular o antipetismo é uma das táticas de Bolsonaro para tentar recuperar parte do eleitor que votou nele em 2018 mas se decepcionou com a sua gestão. À medida em que a eleição se aproxima, e principalmente diante da perspectiva de um segundo turno com um embate direto entre Lula e Bolsonaro, é de se esperar que o tema da corrupção seja cada vez mais explorado, com impacto nas intenções de voto. Não terá o mesmo peso que teve em 2018, tendo em vista o fim da Lava Jato e a crise econômica e social que enfrentamos. Mas é um tema explosivo, de grande importância para uma fatia expressiva do eleitorado (principalmente a faixa de renda média e alta, assim como eleitores de perfil mais conservador).
MICHAEL FREITAS MOHALLEM É uma estratégia muito esperada Bolsonaro investir contra Lula no tema de corrupção, não há muita novidade em relação a isso. E é esperada por várias razões. Primeiro porque Bolsonaro se elegeu com com esse discurso e para muitos eleitores ainda não está desconstruída a imagem dele como como um político que enfrenta corrupção. Evidentemente que o cenário é muito diferente em 2022 do que quando ele era candidato em 2018. Em 2018 mesmo ele tendo um histórico de muita corrupção, já conhecida por alguns, como as rachadinhas e outras posturas no Congresso Nacional, esses casos do passado dele ficaram hoje muito mais conhecidos e os casos dele como presidente e do governo dele também se tornaram conhecidos. Então o tema de corrupção se tornou um tema com com uma faca que corta para os dois lados. Ao tentar usar esse tema para tentar desgastar a imagem do seu adversário, ele também traz para si esses fatos sérios e graves de corrupção no seu próprio governo e no seu passado. Veja agora esse mais recente em relação enriquecimento dele da família com propriedades [reportagem investigativa do UOL].
Imagino que ele e a própria campanha façam essa avaliação sobre sobre custo-benefício desta estratégia. Ainda que isso traga um contra-ataque e desgaste da sua própria campanha, me parece que, na visão da campanha do Bolsonaro, esse é o flanco mais frágil, o espaço onde ele pode ainda desgastar a candidatura do Lula. Se a gente imaginar dentro dos grandes temas esse parece ser aquele que o Lula tem mais dificuldade de lidar e de explicar, ainda que os seus processos tenham sido anulados, alguns arquivados pela questão de competência do [Sergio] Moro, pela parcialidade. Essas são questões muito técnicas, então há uma dificuldade de explicar para a população. Acho que está claro pra todo mundo que o Lula venceu na Justiça. O que não está claro para todo mundo, ou para uma certa camada de eleitores, é se ele venceu porque o Judiciário historicamente favorece a classe política ou se ou se se foi uma vitória meritória.
Essas dúvidas pairam, e imagino que Bolsonaro tenha feito uma avaliação de custo-benefício e que ainda que o tema de corrupção seja muito delicado para para si para sua própria campanha, a minha leitura é que na avaliação dele isso traz mais votos do que prejuízo. A gente vê uma insistência em negar a realidade da parte do Bolsonaro, em dizer que não teve corrupção em seu próprio governo, ele insiste nesse mantra ainda que as notícias e os fatos digam o contrário e, portanto, ele ataca o seu adversário.
BRUNO CARAZZA Lula conduziu muito bem o tema da corrupção durante a entrevista no Jornal Nacional, ao admitir pela primeira vez que houve corrupção durante os governos do PT, e destacando as medidas institucionais implementadas durante a sua gestão. No entanto, não se viu a mesma ênfase durante o debate da Band – o que demonstra que o tema da corrupção ainda é muito sensível dentro do PT.
Além disso, chama a atenção o fato de que Lula não tem questionado os escândalos de corrupção envolvendo a família e o governo Bolsonaro. [Lula] não entra abertamente no tema. É a forma de ele rebater a acusação de que houve muita corrupção nos governos do PT. Ele se defende com o mantra de que “a corrupção só aparece quando ela é combatida”, sugerindo que os outros governos, inclusive o de Bolsonaro, são lenientes com a corrupção – e por isso ela não aparece.
Michael Freitas Mohallem Ainda não está claro para mim como o Lula vem lidando com o tema da corrupção. Acho que o ex-presidente Lula, o candidato Lula, vem testando respostas possíveis. Ele testou uma estratégia na sabatina do Jornal Nacional, que me parece a mais presente até agora nos materiais, que foi dizer: “Olha eu deixo investigar, eu fiz muito pela agenda anticorrupção”. Ele fala as leis todas que ele fez, Lei de Acesso à Informação, de combate à lavagem de dinheiro, ele fala dos órgãos que ele instituiu, da CGU (Controladoria-Geral da União). E de fato, são pontos absolutamente verdadeiros no geral. O PT é historicamente um partido bastante comprometido com essa agenda.
Então é um discurso de dizer: eu sempre permiti investigação e o meu próprio governo foi investigado, deixei investigar, e os casos surgiram. O Bolsonaro não deixa investigar, ele interfere e bloqueia investigações, enfraquece essa agenda. A indicação do procurador-geral da República [Augusto Aras] é um ponto importante, apesar da contradição do Lula. Ele diz que nomeou para a Procuradoria-Geral da República o primeiro da lista tríplice, enaltece como positivo uma prática que fez no passado – e é positiva –, mas ao mesmo tempo, quando perguntado se vai fazer no futuro, ele não deixa claro, não se compromete. Se é tão positivo assim, por que não se comprometer novamente? Então essa é a estratégia num primeiro momento, de dizer que a investigação que aconteceu no seu governo foi natural, porque ele deixou investigar.
A dúvida dessa estratégia não fecha quando perguntado sobre os detalhes: mas por que então aconteceu corrupção no seu governo? O que aconteceu contra você? Os fatos procedem? E aí existe uma estratégia defensiva de negar os fatos, de negar que houve corrupção no governo, de negar que ele tenha envolvimento. É sempre uma estratégia de acusar a perseguição política, usando termos sofisticados, como lawfare. Essa estratégia do Lula tem duas frentes: uma é dizer que fez muito pela agenda anticorrupção e permitiu investigação e, por outro lado, é se apresentar como vítima de um esquema de perseguição, do Moro e da Lava Jato.
Aí a gente viu, num outro momento, uma estratégia um pouco diferente que é a de reconhecer, em algumas entrevistas, que certos setores do governo, talvez algumas pessoas, tenham cometido corrupção. É um princípio de reconhecimento ainda muito tímido. Mas ele não avança nesse caminho porque se ele reconhece a corrupção, mesmo que dos outros, há uma certa contradição em se dizer vítima de uma perseguição. Se os procuradores encontraram corrupção em algumas partes do governo, é natural que eles investigam mais, então não é uma perseguição propriamente contra o presidente. Então o discurso não está claro.
A gente viu no debate da TV Bandeirantes também uma estratégia de simplesmente ignorar essa agenda, de não responder. Aquilo me pareceu uma estratégia para o debate, não de campanha. Acabei de ver um material de campanha do Lula hoje dialogando com esse tema, explicando por que os processos. Essa é a minha avaliação de como o Lula vem lidando com a corrupção: ainda não está exatamente claro, há contradições sobre reconhecer que a investigação aconteceu porque foi permitida, portanto, é natural que aconteça, mas ao mesmo tempo negar que seja legítima a própria investigação. Veja: ela aconteceu porque eu deixei. Então ela é legítima. Mas ao mesmo tempo ela foi um esquema de perseguição contra mim. Tem uma certa contradição que não fecha. E isso ainda causa uma certa confusão e pode ser que desgaste.
A avaliação do Bolsonaro é que esse tema que ainda traz uma certa fragilidade. A narrativa de que o Lula foi perseguido pelo Moro, do ponto de vista midiático, me parece uma narrativa que venceu e é mais aceita, em algum grau, pela sociedade mais bem informada. Ao mesmo tempo, o que não está claro para a maior parte da população é o porquê dessa vitória. Uma vitória judicial se deve ao quê? A um papel dos juízes dos tribunais superiores? Havia uma visão mais tradicional, que era comum antes da Lava Jato. Essa é a dúvida que que está colocada, se Lula foi simplesmente perseguido. Imagino que parte dos eleitores que vão votar no Lula ainda tem essa dúvida. As pessoas escolhem um presidente, um candidato, por várias razões, e o Lula tem muitos pontos digamos fortes no seu perfil para disputar essa eleição. Talvez esse esse flanco da corrupção ainda seja um espaço com contradições, com dificuldades de explicar para o grande público, e que, portanto, possibilite aos seus adversários trazer pontos de desgaste.
ESTAVA ERRADO: A versão anterior deste texto dizia que Michael Freitas Mohallem é professor da FGV-Direito Rio. Ele deixou o cargo em abril de 2021 e atualmente é professor de Direito da PUC-Rio. A informação foi corrigida às 12h36 de 01 de setembro de 2022.
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