Expresso

O saldo institucional e eleitoral do 7 de Setembro de Bolsonaro

Isabela Cruz

07 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h43)

Presidente usa bicentenário da Independência para tentar agitar base de apoio a menos de um mês da eleição. Em discursos, foi machista, reiterou ameaça ao Supremo e atacou Lula

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FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 7.SET.2022

Bolsonaro, com a faixa presidencial, e Michelle vistos através do vidro frontal de um ônibus

O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro, em Brasília, no dia de celebração do bicentenário da Independência do Brasil

O bicentenário da Independência do Brasil foi celebrado na quarta-feira (7) com desfiles militares e comícios de campanha de Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL que passará pelo crivo das urnas em 2 de outubro.

Ao discursar em eventos em Brasília e no Rio de Janeiro, o presidente disse que, se vencer, vai levar para “dentro das quatro linhas da Constituição todos aqueles que ousam ficar fora dela” — citando em seguida o Supremo Tribunal Federal , alvo constante de seus ataques. Bolsonaro também fez pausas em seus discursos para que os apoiadores pudessem vaiar a instituição.

FOTO: DIVULGAÇÃO CAMPANHA DO PL/VIA REUTERS

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília no 7 de setembro de 2022

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em Brasília no 7 de setembro de 2022

Na primeira aparição pública, em Brasília, o presidente exaltou a primeira-dama Michelle, sugeriu ser ela melhor do que as esposas dos outros candidatos ao Planalto, e puxou um coro com a palavra “imbrochável”, como ele costuma se autodefinir.

No Rio, o presidente mirou no adversário Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente que lidera as pesquisas de intenção de voto. “Não sou muito bem-educado, falo palavrões, mas não sou ladrão”, disse Bolsonaro, a fim de colar no adversário escândalos de corrupção do governo petista.

FOTO: RICARDO MORAES/REUTERS – 07.SET.2022

Foto aérea mostra mar, aviões militares fazendo manobras, pessoas na praia e multidão na apoiadores na avenida

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro

Tanto a Esplanada dos Ministérios como a orla de Copacabana foram tomadas por milhares de apoiadores do presidente, muitos vestindo verde e amarelo, e alguns com cartazes pedindo intervenção das Forças Armadas e outras formas de golpe de Estado. Houve também outro grande ato em São Paulo, com 50 mil pessoas segundo a Secretaria de Segurança Pública paulista, e em diversas outras cidades.

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capitais, pelo menos, tiveram atos pró-Bolsonaro no Dia da Independência, segundo o site CNN Brasil

Os temores de perda de controle de forças de segurança e de violência entre a população que rondavam a data foram dissipados. O clima foi menos tenso, inclusive, do que nos atos de 7 de Setembro de 2021, quando Bolsonaro disse que não iria mais cumprir ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes,do Supremo, e atacou de forma veemente as urnas eletrônicas. Desta vez, o sistema eleitoral não foi alvo do candidato à reeleição.

O Nexo ouviu dois cientistas políticos sobre os saldos institucionais e eleitorais dos eventos no dia do bicentenário da Independência. São eles:

  • Jorge Chaloub , especialista nas direitas brasileiras e professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora)
  • Anaís Medeiros Passos , especialista nas Forças Armadas e professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

Quais os efeitos institucionais e eleitorais dos atos do presidente Jair Bolsonaro neste 7 de setembro de 2022?

Jorge Chaloub Bolsonaro sempre atua em duas frentes: na política institucional e no golpismo. Pela sua retórica política mais frequente, claramente autoritária, eu diria que o golpe chega a ser representado [por ele] como uma via mais legítima, identificada com a força de certa imagem de masculinidade viril, do que o caminho das eleições, sempre desvalorizadas pelo presidente. As disputas institucionais, por sua vez, são conduzidas de forma a esgarçar a capacidade de ação das instituições, o que busca deslegitimá-las e, com isso, abrir espaço para práticas políticas francamente antidemocráticas.

O 7 de setembro, por um lado, pretende demonstrar a força de Bolsonaro nas ruas e, com isso, legitimar o discurso de que tanto as atuais pesquisas quanto as urnas têm seus resultados definidos por fraude e não captam a real vontade do povo. Cabe aqui perceber a ambiguidade dessa ideia, pois ela tanto se baseia em certa teoria da conspiração sobre o funcionamento de instituições públicas e privadas, quanto decorre da crença de que o povo se limita aos que apoiam Bolsonaro, enquanto os outros são verdadeiros inimigos internos.

Nesse sentido, a demonstração de força é também um ensaio para uma desejada ruptura futura. Não creio que Bolsonaro possa ser bem-sucedido ao implantar um regime autoritário, mas temo as consequências inesperadas de seus atos, que podem não apenas custar vidas, como abrir outros caminhos para soluções antidemocráticas.

No campo eleitoral, tenho dúvidas sobre a possibilidade de Bolsonaro conquistar novos eleitores a partir dos atos de hoje, já que em seus discursos ele insistiu na estratégia de pregar para convertidos. As manifestações mobilizaram sua base, o que não é desprezível e encorpa a campanha. Houve uma demonstração de força. Não podemos esquecer, contudo, que por vezes esforços como esse, destinados a um público fiel, produzem até mesmo resultados opostos, aumentando a rejeição dos indecisos.

Anaís Medeiros Passos Num contexto em que a campanha de Bolsonaro patina ao não conseguir superar a alta taxa de rejeição a Bolsonaro, foi o de passar a imagem de um governo forte, potente, apoiado por militares, policiais. O 7 de setembro foi usado para demarcar o nós e os outros: nós que estamos com Bolsonaro somos a nação e o resto, petistas, Congresso, STF [Supremo Tribunal Federal] são os outros, o inimigo. Isso serve à mobilização da base de apoio do bolsonarismo, que aprova o confronto com as instituições políticas — algo que é parte da retórica e da ação dos líderes populistas, sempre numa lógica dual, de nós contra eles.

No entanto, do ponto de vista de estratégia eleitoral, enquanto Bolsonaro precisa conquistar eleitores indecisos ou mais ao centro, os atos permaneceram na lógica da polarização política, que não conquista novos apoiadores. Ocorre que o antipetismo que o elegeu em 2018 agora se mostra insuficiente para uma reeleição — tanto é que a rejeição a Bolsonaro é maior do que a de Lula.

Em alguns espaços, Bolsonaro tem buscado mostrar sinais de moderação, ser menos agressivo. A entrevista ao Jornal Nacional e a Michelle Bolsonaro tentando conquistar o voto das mulheres indicam isso. Há uma ligeira nuance também em relação aos próprios atos de 2021, quando ele foi mais veemente em ataques ao STF. De qualquer forma, são ajustes limitados, já que ele se cerca de manifestantes que são favoráveis a intervenção militar, a medidas autoritárias. É um jogo de palavras. Dias atrás ele atacou [o ministro Edson] Fachin , devido à decisão do ministro sobre acesso da população às armas. Ou seja, os ajustes são incipientes, não servem para conquistar novos eleitores.

E sobre as Forças Armadas, o que este 7 de setembro indicou a respeito da adesão dos militares a Bolsonaro, que ameaça não respeitar o resultado eleitoral?

Jorge Chaloub As Forças Armadas não se manifestaram por meio de declarações públicas, mas apoiaram tacitamente, de forma bem explícita, as evidentes ilegalidades de Bolsonaro no 7 de setembro. Houve um claro uso da máquina pública para a campanha do atual presidente e os militares, sem nenhum porém público, atuaram sem nenhum constrangimento como figurantes, com a exibição de veículos militares, navios de guerra e aviões da Aeronáutica.

Não tivemos declarações de apoio a um eventual golpe por parte do alto comando, mas a postura dos militares reforçou duas ideias: a de que Bolsonaro é o candidato oficial das Forças Armadas, o que é por si só um absurdo, e a de que não haverá movimentos entre os militares para controlar o presidente em sua sanha contra as instituições. Em uma eventual incursão golpista semelhante à do Capitólio [nos EUA], as Forças Armadas brasileiras indicaram que possivelmente não agirão como o Exército americano, que se contrapôs ao golpe.

Anaís Medeiros Passos As Forças Armadas são as instituições que saem com o saldo mais negativo. Elas estão politizadas. Existe um antipetismo forte entre os militares, embora o apoio a Bolsonaro não seja um consenso. O comandante da Aeronáutica é abertamente bolsonarista. Já o atual comandante do Exército tem buscado distanciar a tropa da política, tem buscado um distanciamento em relação a Bolsonaro, nos limites do que a função lhe permite. Há militares querendo pular da barca, antes que ela afunde.

De qualquer maneira, as Forças Armadas ficam associadas a Bolsonaro, à disputa eleitoral. No Rio de Janeiro, o ato bolsonarista aconteceu a um quilômetro de distância do Forte do Exército, onde aconteciam as comemorações do bicentenário. Vira uma coisa só. Havia ali militar fardado no palanque. Aliás, a candidatura de Bolsonaro é uma candidatura de militares. Os militares estão apoiando em peso a candidatura de Bolsonaro, ainda que, em termos institucionais, haja disputas.

Minha preocupação é Bolsonaro não respeitar o resultado das eleições, como ele tem indicado que fará, e o que pode vir daí. Não penso em atos organizados de violência política, mas em ações de indivíduos e grupos. Não acho que exista apoio dos comandantes a um golpe militar clássico, a uma tomada do poder — não por posicionamento ideológico, mas porque o contexto, o cenário econômico e político são diferentes. Hoje regimes militares têm pouca credibilidade internacional. A democracia é o sistema dominante, o horizonte ao qual as pessoas aspiram. Haveria uma série de bloqueios econômicos ao Brasil se se tornasse uma ditadura, o que os militares reconhecem.

Mas isso não significa que não haverá militares apoiando movimentos como o de não reconhecer o resultado eleitoral. Isso pode acontecer. Não acho que exista, na cúpula das Forças Armadas, um movimento para arquitetar um golpe militar clássico. Em relação a não respeitar o resultado eleitoral, é provável que o atual ministro da Defesa [general da reserva Paulo Sérgio Nogueira] endosse a posição de Bolsonaro.

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