Expresso

A política externa do Brasil de Lula e de Bolsonaro

Marcelo Montanini

19 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Candidato à reeleição e petista conduziram o tema de maneiras distintas. O ‘Nexo’ mostra como eles trataram as relações exteriores durante os mandatos e o que propõem em seus planos de governo

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FOTO: EDUARDO MUNOZ/REUTERS 21/09/2021

O presidente Jair Bolsonaro discursa na 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York, nos Estados Unidos

O presidente Jair Bolsonaro discursa na 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York, nos Estados Unidos

O presidente Jair Bolsonaro participou nesta terça-feira (20) da 77ª Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova York (EUA). Como já é de praxe, o chefe de Estado brasileiro fez o discurso de abertura do encontro que reúne líderes mundiais.

Bolsonaro fez um discurso eleitoral , focado na política doméstica e nas realizações de seu governo.Nas pesquisas de intenções de voto, o atual chefe de Estado brasileiro está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – a quem atacou na tribuna da ONU.

Em segundo plano, o presidente fez apelos por um cessar-fogo na Ucrânia, um dos principais temas da Assembleia Geral de 2022, e falou sobre meio ambiente, principal ponto fraco de sua imagem internacional.

Bolsonaro e Lula brasileiro conduziram as relações exteriores de maneiras muito diferentes durante seus mandatos. Neste texto, o Nexo apresenta e analisa as políticas externas dos governos do petista (2003-2010) e do atual presidente e fala sobre o programa de governo de ambos para o tema. Para isso, conversa com dois especialistas.

Política externa de Lula

O governo Lula apostou na integração Sul-Sul, política de aproximação com países do hemisfério sul, mas sobretudo com foco na América Latina, África, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Também ampliou a participação brasileira em fóruns multilaterais, como a ONU, a OMC (Organização Mundial do Comércio) e o Brics , acrônimo do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A conjuntura internacional, com o boom das commodities , período de forte alta dos preços de matérias-primas no início do século 21, ajudou a economia do país e a projeção internacional brasileira.

“A política externa de Lula foi uma política marcada pela expansão. Houve uma crescente presença do Brasil no cenário internacional”, disse Guilherme Casarões, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) ao Nexo .

Ernani Carvalho, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), destacou ainda que o ex-chanceler Celso Amorim no governo Lula sempre teve uma política muito alinhada com a lógica do Itamaraty de que “o país não tem amigos, mas tem interesses”. Ele acrescentou que, apesar da manutenção da cooperação com os países tradicionais, “teve um contorno de fundo ideológico muito forte acoplado ao que chamam de política Sul-Sul”.

O Brasil passou a se relacionar mais estreitamente com países do sul global, muitos deles em desenvolvimento, rompendo parcialmente com a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que mantinha relações mais focadas nos Estados Unidos e em países da Europa. Sob Lula, o Brasil abriu representações diplomáticas e ampliou o comércio com diversas nações. Além disso, investiu em obras de infraestrutura em países aliados, como Cuba, Venezuela e Bolívia, o que foi alvo de críticas.

A política externa do governo Lula passou a articular a democratização do sistema multilateral, com a defesa da reforma do Conselho de Segurança da ONU, da OMC e de organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional).

Neste período, o Brasil foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e da Copa do Mundo 2014 e, consequentemente, conseguiu projetar positivamente a imagem no exterior. Sediar estes megaeventos foi relevante simbolicamente para a projeção brasileira.

FOTO: ROBERTO JAYME/REUTERS 15/04/2010

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim antes de uma reunião no Palácio do Itamaraty, em Brasília

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim antes de uma reunião no Palácio do Itamaraty, em Brasília

Ela [a política externa] trouxe muitos benefícios para a imagem do Brasil e para a imagem do presidente também, mas sobretudo para o lugar que o Brasil gostaria de ocupar no mundo. O Brasil passa a ser mais respeitado, as iniciativas brasileiras passam a ser mais levadas a sério”, afirmou Casarões, acrescentando que o governo de Dilma Rousseff (2010-2016) não conseguiu dar continuidade à política implementada pelo antecessor. “A impressão que fica no final é que o governo Lula deu um passo maior do que a perna.”

Política externa de Bolsonaro

Durante seu mandato, Bolsonaro buscou uma aproximação com líderes da direita – como o ex-presidente americano Donald Trump, o ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán – e, consequentemente, distanciou-se de parceiros comerciais históricos, como a Argentina. Houve também um breve atrito com a China, maior parceira comercial do Brasil há mais de uma década, por questões ideológicas.

“A política do governo Bolsonaro foi uma política de ruptura institucional em primeiro lugar. O Itamaraty perde espaço e centralidade e o presidente vai adotar uma política externa superpersonalista, e personalista porque ele [Bolsonaro] quis trazer um conjunto de novas ideias para a política externa e que giravam em torno das suas convicções pessoais”, disse o professor da FGV.

Ao assumir a Presidência, Bolsonaro buscou se alinhar com os Estados Unidos, sob o comando Trump, do Partido Republicano, mas se afastou do sucessor e atual presidente americano, Joe Biden, do Partido Democrata. O brasileiro viajou em março de 2018 para se reunir com o americano e tentou fortalecer a imagem de amigo pessoal do agora ex-presidente americano.

“O governo Bolsonaro lidou com muitos percalços: primeiro, tivemos a pandemia da covid-19, depois tivemos a guerra na Ucrânia, mas há pouco destaque internacional de sua política exterior. A aproximação com os Estados Unidos é de longe o marco mais sensível e essa aproximação pessoal e passional com o Trump é a marca que fica no seu governo”, afirmou o professor da UFPE ao Nexo .

Sob Bolsonaro, o Brasil relegou a liderança do Mercosul e da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e esfriou as relações com países da América do Sul , sobretudo os que possuíam governos à esquerda. Bolsonaro manteve uma relação relativamente próxima com a Argentina, sob a Presidência de Maurício Macri, de direita, mas não manteve a conexão com o sucessor de Macri, Alberto Fernández, de esquerda. O brasileiro foi um dos últimos líderes do mundo a parabenizar Fernández pela eleição, não compareceu à posse do argentino e demorou a realizar a primeira reunião bilateral com ele.

O mesmo ocorreu com o Chile. Bolsonaro manteve uma relação com o ex-presidente chileno Sebastian Piñera, de direita, mas não tem relação com o atual presidente Gabriel Boric, de esquerda. O brasileiro, inclusive, acusou o chileno de quebrar metrôs durante os protestos em Santiago em 2019. A declaração, feita durante o debate presidencial, foi desmentida pelo governo Boric e gerou um incidente internacional . No mesmo debate, Bolsonaro também tentou associar o ex-presidente Lula a governos de esquerda da região em tom crítico. A Colômbia – agora governada por Gustavo Petro, de esquerda – também tem sido alvo de críticas do brasileiro.

FOTO: CARLA CARNIEL/REUTERS/ 28.08.2022

Os candidatos Lula e Bolsonaro, em telão durante debate eleitoral na TV

Os candidatos Lula e Bolsonaro, em telão durante debate eleitoral na TV

Casarões destacou que o governo Bolsonaro também promoveu uma ruptura normativa que guiava a política externa desde o século 20, como o universalismo, pragmatismo, multilateralismo e pacifismo, e passa adotar uma política calcada em três pilares: anticomunismo, antiglobalismo e nacionalismo religioso. Isso norteia as relações, como pode ser observado pelo fato de Bolsonaro evitar países governados pela esquerda e fóruns multilaterais e buscar se aproximar de líderes como visões semelhantes.

“É um problema muito grave, acabou isolando o Brasil, tirando o Brasil de várias discussões de meio ambiente, discussões de direitos humanos e discussões sobre saúde pública na época da pandemia da covid-19”, afirmou Casarões sobre o antiglobalismo.

Um momento de destaque para o governo Bolsonaro no âmbito das relações exteriores foi o acordo entre Mercosul e União Europeia , que pretende reduzir uma série de tarifas e barreiras comerciais entre os blocos. Contudo, o acordo, que vinha sendo negociado há mais de 20 anos, ainda não entrou em vigor e segue ameaçado, sobretudo por causa da política brasileira para o meio ambiente, que tem sido criticada por líderes europeus.

Programas de governo: Lula e Bolsonaro

O programa de governo do petista enfatiza a “política externa altiva e ativa”, termo cunhado pelo ex-chanceler Celso Amorim. O documento reedita as diretrizes já implementadas durante o governo Lula entre 2003 e 2010, sem adaptação à atual conjuntura mundial: propõe o diálogo com todos os países, cooperação Sul-Sul e ampliação da participação nos organismos multilaterais.

Já o de Bolsonaro cita que o governo buscou “interação robusta com nações democráticas, em equilíbrio com nossa vocação universalista e com a soberania nacional” e o processo de adesão da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). O documento destaca ainda a importância de atrair investimentos internacionais por meio de parcerias econômicas e comerciais, a necessidade de reduzir dependências externas, assim como alavancar recursos para a base industrial e de defesa.

“Não têm nada de muito novo. Bolsonaro repete alguns motes de 2018, mas de maneira menos enfática, talvez por entender que a radicalização na política externa não trouxe bons frutos. Lula reedita a política externa ativa e altiva de 2003, sem grandes adaptações ao momento atual”, avaliou Casarões.

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