Expresso

O que esperar do Banco Central no próximo mandato presidencial

Marcelo Roubicek

21 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

A 11 dias do primeiro turno da eleição, Comitê de Política Monetária mantém a taxa Selic inalterada, em 13,75% ao ano. O ‘Nexo’ conversou com economistas sobre as perspectivas da gestão do BC a partir de 2023

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FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 7.ABR.2020

Roberto Campos Neto, de óculos e terno, fala ao microfone e levanta a mão esquerda. Fundo azul

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em coletiva de imprensa

O Comitê de Política Monetária do Banco Central anunciou na quarta-feira (21) a manutenção da taxa Selic no patamar de 13,75% ao ano. A decisão marca o fim do ciclo de alta da taxa básica de juros da economia brasileira, iniciado em março de 2021.

JUROS

Trajetória da meta para a taxa Selic. Ciclo de alta entre março de 2021 e agosto de 2022.

A decisão do Banco Central ocorre a 11 dias do primeiro turno da eleição que definirá quem irá ocupar a Presidência da República entre 2023 e 2026. A corrida é liderada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL).

Nos primeiros dois anos do novo mandato presidencial, o comando do Banco Central continuará com Roberto Campos Neto – isso por causa da lei da autonomia da instituição , sancionada no início de 2021 . Neste texto, o Nexo relembra a atuação da autoridade monetária sob Campos Neto e ouve economistas sobre o que esperar do Banco Central a partir de 2023.

O Banco Central sob Campos Neto

O Banco Central é uma autarquia ligada ao Ministério da Economia. Ele é responsável por garantir que a inflação esteja sob controle no Brasil e por zelar pela estabilidade do sistema financeiro. A taxa Selic – a taxa básica de juros da economia – é o principal instrumento do Banco Central no objetivo de controlar a inflação.

A Selic serve de referência para a definição dos juros cobrados pelos bancos em empréstimos, para o rendimento da caderneta de poupança e para o retorno de títulos do Tesouro. O vídeo abaixo explica como funciona a Selic e como o Banco Central a opera.

Campos Neto assumiu a presidência do Banco Central em 2019, no início do governo Bolsonaro – naquele momento, a taxa Selic estava em 6,5% ao ano. Seu mandato ficou marcado pela gestão da política monetária na pandemia de covid-19, iniciada em março de 2020.

Nos primeiros momentos da crise sanitária, a inflação baixa e a queda brusca da atividade econômica levaram o Banco Central a acelerar o movimento de redução na taxa de juros , que já vinha caindo desde 2019 . Além disso, a autoridade monetária tomou medidas para ampliar a liquidez da economia brasileira – ou seja, aumentar a quantidade de dinheiro em circulação.

A Selic chegou a 2% ao ano em agosto de 2020, menor patamar da história . Por causa do aumento da inflação – movimento iniciado a partir do segundo semestre de 2020 –, o Banco Central começou a subir os juros em março de 2021.

A inflação cresceu praticamente ao longo de todo o ano de 2021 . E, como reflexo, os juros foram elevados em todas as reuniões do Comitê de Política Monetária a partir de março.

PREÇOS EM ALTA

Trajetória de inflação e metas no Brasil. Forte alta a partir do segundo semestre de 2020, indo até a virada de 2021 para 2022. Em meados de 2022, começa a cair.

A inflação alta de 2021 foi motivada por alguns fatores. A crise hídrica prejudicou a produção de alimentos como café e açúcar e levou a um aumento considerável na conta de luz – contribuindo ainda mais para a inflação. Já naquele ano, a alta de commodities e a recuperação do mercado de petróleo também começavam a pesar sobre os preços no Brasil. Isso sem falar em problemas nas cadeias globais de produção , que já afetavam preços no mundo todo.

Houve uma explosão ainda mais forte da inflação a partir do início de 2022, com a eclosão da guerra na Ucrânia. Preços de combustíveis, alimentos e gás de botijão aceleraram ainda mais, piorando a situação já frágil de boa parte da população.

Mesmo com a inflação sendo principalmente motivada por questões relacionadas à oferta de produtos (e não necessariamente a um aquecimento excessivo da demanda), o Banco Central manteve a política de alta de juros ao longo de boa parte de 2022.

No segundo semestre do ano, a inflação começa a ceder . Isso acontece sobretudo por causa da redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, articulada pelo governo federal e aprovada pelo Congresso.

A atuação do Banco Central sob análise

Economistas ouvidos pelo Nexo colocaram opiniões divergentes com relação à ação do Banco Central sob Campos Neto – embora tenham concordado que a sequência de pandemia, guerra e aceleração global da inflação tenha representado um desafio enorme para a autoridade monetária.

Renan Pieri, economista da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas), afirmou que, no geral, a “direção da política monetária foi correta”. “O grande desafio foi calibrar a política monetária para levar em conta dois fatores que se chocam: por um lado, preços mais altos, que pedem uma Selic mais alta; e por outro lado, a queda do PIB [Produto Interno Bruto], que demandaria taxa de juros mais baixas para incentivar a economia”, disse. A escolha tomada foi a de priorizar o combate à inflação.

Pieri afirmou que a única crítica passível de ser feita diz respeito ao momento em que o ciclo de alta se iniciou. “Se houve algum problema na política monetária, foi uma certa demora do Banco Central para usar de aumentos maiores da Selic para combater esse processo inflacionário”, disse. Ou seja, ele entende que as elevações dos juros poderiam ter acontecido antes e de maneira mais forte.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 02.SET.2020

Homem usa escudo facial. Ao fundo, é possível ver o símbolo do Banco Central e o nome do banco na frente do prédio

Homem usa escudo facial em frente à sede do Banco Central, em Brasília

Já Simone Deos, professora de economia da Unicamp, disse que a atuação nos primeiros momentos da crise sanitária – reduzindo a Selic a 2% ao ano – foi “ousada” e “surpreendente para muitos”. Mas a professora criticou o ciclo de alta que começou em março de 2021, lembrando que, na comparação internacional, ele começou mais cedo que em outros países e foi mais intenso que em outros locais. Ou seja, ela discorda de Pieri com relação ao momento de início dos aumentos.

“Fizemos uma política monetária excessivamente contracionista. É uma política monetária que impõe vários custos ao país”, disse. Deos afirmou que a taxa de juros mais alta significa que a população no geral terá menos acesso a crédito, mas também que as pessoas que detêm títulos do Tesouro Nacional – geralmente mais ricas – serão melhor remuneradas por isso. “É uma política de transferência de renda para a parcela mais rica da população, de forma muito intensa”, disse.

O que esperar em 2023

Em 2021, Bolsonaro sancionou a lei da autonomia do Banco Central . A nova lei fixa mandatos para o presidente e diretores da instituição, dificultando a interferência do Executivo. Antes, o governo tinha a possibilidade de demitir a qualquer momento o presidente do BC e seus diretores.

Na prática, isso significa que Campos Neto será o presidente do Banco Central até o fim de 2024 , independentemente de quem vencer as eleições presidenciais de outubro. O economista pode ser reconduzido, mas já afirmou publicamente que não aceitaria um novo mandato .

Tanto Deos quanto Pieri disseram que a atuação do Banco Central a partir de 2023 pode tomar rumos diferentes daqueles adotados entre 2019 e 2022, a depender das diretrizes da política fiscal. Ou seja, a forma como o próximo governo (seja ele novo ou não) tratar os gastos públicos pode exigir diferentes tipos de atuação da autoridade monetária.

Um gasto num nível muito alto, por exemplo, pode levar a um aumento do endividamento público e do risco-país . Isso pode levar à fuga de investidores e a um aumento da taxa de câmbio, pressionando a inflação e os juros. De forma análoga, uma melhora do quadro fiscal pode atrair mais investidores e retirar pressão dos preços no país, permitindo um alívio dos juros.

FOTO: MIKE BLAKE/EDGARD GARRIDO/REUTERS

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

Na foto da esquerda, o atual mandatário Jair Bolsonaro. Na foto da direita, o ex-presidente Lula

Num cenário de reeleição do atual presidente da República, Deos disse que “podemos imaginar que Bolsonaro vai continuar com [Paulo] Guedes, então tem um pouco menos de incerteza no que diz respeito à gestão da política macroeconômica”.

No cenário com Lula eleito, haveria mais dúvidas. “Um eventual governo Lula vai manter o teto de gastos ou não vai manter?”, perguntou a professora da Unicamp em referência à regra que limita as despesas da União. “Uma outra forma de dizer isso: a política fiscal vai ser expansionista ou contracionista?”.

“A principal questão que fica é se num eventual governo Lula teremos uma aceleração de gastos ou talvez até uma melhora do quadro fiscal”, disse Pieri, da FGV. “O ponto é que tanto Lula quanto Bolsonaro não têm dado enfoque em propostas de política pública que dêem sinais mais claros sobre o que poderá acontecer”.

Pieri também falou sobre a possibilidade de que haja um aumento de tributos no próximo mandato presidencial. Ou seja, pode haver uma reversão das desonerações que foram colocadas em prática em 2022 para tentar conter a inflação.

A principal dessas medidas foi o teto do ICMS. Apesar de não ter prazo para terminar, a medida pode ser revista em 2023 para reduzir o rombo dos cofres estaduais . Um eventual aumento poderia levar a uma alta de preços, influenciando as decisões do Banco Central.

O que deve acontecer com a Selic

A edição de segunda-feira (19) do relatório Focus – boletim semanal do Banco Central que compila projeções de agentes do mercado financeiro – diz que as projeções são de que a taxa Selic chegue ao final de 2023 em 11,25% ao ano . Ou seja, existe uma perspectiva de que os juros caiam um pouco no Brasil no primeiro ano do próximo mandato presidencial – embora as perspectivas ainda estejam longe de um retorno ao patamar anterior à pandemia.

Essa expectativa vai em linha com a declaração feita por Campos Neto em 8 de setembro, segundo a qual o Banco Central “ não pensa em queda de juros neste momento”. Ou seja, a redução da taxa básica pode não acontecer tão cedo no país.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 16.MAI.2017

Fachada do Banco Central, em Brasília

Fachada do prédio do Banco Central, em Brasília

Renan Pieri, da FGV, também seguiu raciocínio semelhante ao dizer que “existe uma perspectiva de queda marginal da Selic”, mas que “é muito cedo para dizer”. Além dos fatores internos como os rumos da política fiscal e o possível aumento de tributos, o economista citou que pode haver influência de elementos externos, como o andamento da guerra na Ucrânia e as medidas de política monetária de bancos centrais de países desenvolvidos.

Simone Deos, da Unicamp, também disse que as decisões sobre a Selic “vão depender do comportamento da inflação”. E os preços podem mudar por causa de fatores que “estão totalmente fora do nosso alcance”, como os mercados internacionais de commodities , incluindo o petróleo . O futuro da política de preços da Petrobras também foi citado como uma variável importante.

A autonomia em pauta em 2023

Pieri espera que 2023 seja um ano de crescimento baixo do PIB e de inflação ainda relativamente alta. Nesse contexto, o Banco Central estará sob pressão para provar os benefícios da autonomia garantida por lei em 2021 – trata-se da primeira transição de mandato presidencial com a regra vigente. “Mais do que nunca, o Banco Central precisa dar sinais claros de que está comprometido em trazer, no médio prazo, a inflação para a meta”, afirmou o economista da FGV.

Em 2022, a meta para a inflação é de 3,5%, podendo variar de 2% até 5%. Nos 12 meses acumulados até agosto de 2022, os preços subiram 8,73%.

“Uma vez mostrado que um Banco Central cujo mandato começa num governo e termina em outro é capaz, a despeito de mudanças políticas, de manter a inflação controlada, vamos ter consolidado a autonomia do Banco Central”, disse Pieri.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 29.OUT.2019

Homem de barba mexe no celular e caminha da direita para a esquerda. Ao fundo está o prédio do Banco Central, cuja arquitetura consiste em uma conjunção aparente de pilares quadriculares

Homem passa em frente à sede do Banco Central em Brasília

Deos disse também que o contexto internacional pode reavivar os debates públicos sobre o Banco Central autônomo. Segundo a professora da Unicamp, há discussões em diferentes países sobre qual o papel que os governos e os bancos centrais devem exercer no combate à inflação. “A visão de que a inflação é um assunto unicamente dos bancos centrais, na prática, já vem sendo tensionada”, disse.

Nesse sentido, o modelo de combate de aumentos de preços por metas de inflação (adotado também no Brasil) está sendo rediscutido em alguns países, segundo Deos. A professora disse que cresce o entendimento de que o manejo da inflação pode ser mais eficaz se for feito de forma coordenada entre a política fiscal (feita pelo governo) e a política monetária (feita pelo Banco Central).

Um exemplo dado é o pacote do governo americano aprovado para combater a inflação com investimentos públicos verdes e reduções tributárias. Medidas semelhantes têm sido discutidas em outros locais, incluindo diversos países europeus .

No caso brasileiro, portanto, o combate do aumento de preços poderia ser feito juntando políticas do governo federal com ações do Banco Central. Em alguma medida, disse Deos, isso já foi feito pelo governo Bolsonaro: a inflação caiu principalmente por causa da redução do ICMS articulada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso.

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