Expresso

Como a abstenção pode afetar a disputa presidencial

Malu Delgado

26 de setembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h44)

Campanhas se mobilizam em torno da presença do eleitor diante da urna na votação de 2 de outubro. Índice tem potencial de definir a realização ou não do segundo turno na corrida ao Palácio do Planalto 

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FOTO: ROBERTO JAYME/ASCOM/TSE – 29.JAN.2018

Urnas organizadas sobre bancadas em galpão e três pessoas trabalhando

Urnas Eletrônicas no Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso

Candidatos à Presidência se mobilizam em torno de um tema nos dias que antecedem a votação de domingo (2): a taxa de abstenção. Diante do resultado das mais recentes pesquisas – em que o ex-presidente Lula aparece com apoio na casa dos 50% –, aqueles eleitores que deixam de comparecer às urnas por inúmeras razões podem ser decisivos na realização ou não do segundo turno. O candidato que tiver metade mais um dos votos válidos vence a disputa.

Desde a redemocratização, o maior índice de abstenção registrado pela Justiça Eleitoral foi na disputa presidencial de 1994, quando 29,3% dos eleitores deixaram de votar. O percentual de abstenção nas eleições presidenciais de 2018, quando Jair Bolsonaro (PL) venceu o pleito, também foi elevado, de 20,3%, aproximando-se do patamar já visto em 1998 (21,5%). Houve recorde de abstenção nas eleições municipais de 2020 (mais de 23%), mas o índice é atribuído à pandemia de covid-19.

Neste texto, o Nexo ouviu especialistas em pesquisas eleitorais sobre quais as evidências já coletadas sobre abstenção e quais as probabilidades de as taxas de ausência do eleitor afetarem o resultado da corrida ao Palácio do Planalto.

Dados, evidências: abstenção afeta mais Lula

Entender as razões da abstenção e onde ela se concentra é um desafio para os estudiosos em pesquisas eleitorais, mas há evidências já coletadas em estudos recentes e de eleições anteriores que servem de alerta para alguns candidatos, em especial para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A diretora do Datafolha, Luciana Chong , detalhou ao Nexo alguns resultados da pesquisa realizada no dia 22 pelo instituto, em relação às probabilidades de abstenção. “O Datafolha processou os resultados das questões sobre vontade de votar e intenção de comparecimento no 1.º turno para analisar o potencial de abstenção na votação. No grupo de baixo potencial de abstenção de votação estão os 79% de eleitores que declaram ter muita ou um pouco de vontade de votar para presidente, e dizem que irão às urnas. Há 16% dos eleitores que declaram que irão às urnas, porém, dizem não ter nenhuma vontade de votar para presidente”, disse.

É nesse segmento, segundo a diretora do Datafolha, que pode se concentrar o “maior potencial de abstenção”. “Nesse segmento, 67% são mulheres, 54% têm renda familiar de até dois salários mínimos, 38% são vulneráveis (conforme a estratificação do Datafolha) e 54% moram na região Sudeste”, acrescentou Chong.

A diretora do Datafolha afirma que os índices de abstenção podem interferir no resultado final do pleito, ainda que não de forma tão significativa. “Considerando os dados de abstenção de eleições passadas, menos escolarizados e de menor renda, Lula poderia ser prejudicado, pois o candidato alcança os maiores índices nesses segmentos. Entre as mulheres de baixa renda, 49% têm muita vontade e irão votar, na média esse índice é de 57%, e 22% irão votar, mas sem nenhuma vontade, na média são 16%. Esse segmento é importante, pois representa 28% da população: Lula tem 56% e Bolsonaro 22%. A campanha do petista já está alertando seus eleitores para a necessidade de ir votar”, observou. Isso explica o fato de o candidato do PT expressar tanta preocupação com o índice de abstenção.

Lula tem dito que o eleitor só pode cobrar do candidato eleito se tiver a responsabilidade de votar. “Deixa eu fazer um apelo para vocês. Tudo o que o nosso principal adversário quer é que o povo não compareça para votar. O problema de a gente não votar é que, se a gente não votar, perde a autoridade moral de cobrar”, disse o petista no sábado (24). A principal estratégia do PT, no momento, é concentrar forças para tentar derrotar Jair Bolsonaro (PL) já no primeiro turno, um cenário bastante difícil, mas não improvável, segundo analistas políticos.

“No Brasil, como na maior parte das democracias, a abstenção é especialmente concentrada nas faixas de renda mais baixa e de menor escolaridade, e entre os jovens, sobretudo. Também entre os eleitores de mais idade, a partir dos 70 anos, quando o voto deixa de ser obrigatório, vai diminuindo acentuadamente o comparecimento. Levando-se em conta que há concentração da abstenção nas camadas de menor renda e escolaridade, e levando-se em conta que o ex-presidente Lula conta com apoio ainda mais forte nesse segmentos de renda e de instrução, é plausível supormos que ele, como candidato, seria o principal prejudicado se a abstenção voltar a ser muito elevada nesse segmento”, afirmou ao Nexo o cientista político Antonio Lavareda , presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas).

Fatores que podem reduzir a abstenção

Lavareda, porém, pontua que há “alguns fatores que alimentam a hipótese” de que a abstenção, em 2022, seja mais baixa do que em disputas presidenciais recentes. “O primeiro deles é a elevada taxa de interesse na eleição registrada pelas pesquisas, uma taxa inusual, comparativamente a anos anteriores. O segundo fator é a elevada preferência, a taxa de entusiasmo, pelos dois candidatos líderes.”

O cientista político do Ipespe afirma que tanto Lula quanto Bolsonaro registram altas intenções de votos nas pesquisas espontâneas, em percentuais também “inusualmente elevados”. Por fim, o terceiro fator que pode apontar para uma maior disposição do eleitor em votar, de acordo com Lavareda, foi flagrado em sondagem do Ipespe, divulgada no sábado (24): “Nada menos que 70% dos eleitores querem ver a eleição já resolvida no dia 2 de outubro, ou seja, eles desejam que a eleição seja resolvida num único turno”.

A diretora do Datafolha também destaca a singularidade desta disputa, ainda que os eleitores já tenham denunciado o medo de violência por causa de opções políticas. “Identificamos na pesquisa realizada no dia 15 de setembro uma parcela de 40% que considerava grande a chance de haver violência no dia das eleições, e 9% poderiam deixar de ir votar por causa da violência”, afirmou.

Nos meses que antecederam o pleito, os episódios de violência e ameaças cresceram, diz Chong, citando, inclusive, “o aumento de hostilidade em relação aos nossos pesquisadores e discursos contra as pesquisas”. “Esse clima de tensão poderá levar uma parcela de eleitores a desistirem de ir votar. Por outro lado, essa eleição é singular, em nenhuma outra houve um índice de definição do voto com tanta antecedência e essa cristalização pode levar o eleitor às urnas.”

Os sinais de 2018

O cientista político Jairo Nicolau divulgou em 23 de setembro detalhes de um estudo que fez sobre a taxa de abstenção de 2018 exatamente para tentar responder a perguntas sobre o pleito de 2022, se o baixo índice de comparecimento poderia prejudicar algum candidato especificamente.

Nicolau apresentou cinco conclusões que, segundo ele, seriam indicativos de que a campanha de Lula tem mais razões para se preocupar com a abstenção. A primeira delas é que quanto mais baixa a escolaridade, maior a abstenção. As mulheres comparecem mais para votar do que os homens, ou pelo menos isso ocorreu em 2018. Somente as mulheres analfabetas compareceram em percentual menor do que os homens analfabetos, no dia do pleito. Não houve, ainda, grande diferença de taxa de abstenção por faixa etária. A exceção é o eleitor acima de 70 anos, para quem o voto é facultativo.

“Se o padrão observado em 2018 se repetir em 2022, há uma boa e uma má notícia para a candidatura Lula. A boa é uma maior participação eleitoral das mulheres. Os números são pequenos, mas lhe favorecem. A má notícia é que eleitores de baixa escolaridade comparecem muito menos do que os de escolaridade alta e média; até agora, as pesquisas mostram que Lula lidera com folga entre os eleitores que cursaram até o fundamental completo ou não foram à escola”, concluiu Jairo Nicolau.

A escolaridade, segundo ele, foi crucial para Bolsonaro vencer em 2018, uma vez que ele foi o candidato da maioria dos eleitores de renda média e alta. O fator renda pode ser novamente decisivo, mas para Lula. “Mas é fundamental que seus potenciais eleitores compareçam para votar. A convocação para que os eleitores de baixa escolaridade (e baixa renda) saiam de casa no dia 2 de outubro pode ser decisiva para Lula”, observou.

Há novos componentes que podem influenciar o cenário de 2022. Um deles é o aumento do registro de jovens eleitores , de 16 e 17 anos, para quem o voto também é facultativo. De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), nas eleições deste ano, 2.116.781 de jovens anos poderão votar. Em 2018, esse segmento totalizava 1.400.617. Ou seja, houve um crescimento acima de 50% deste grupo eleitoral. Houve salto ainda no número de eleitores acima de 70 anos, que passaram de 12.028.608 em 2018 para 14.893.281 de idosos em 2022 – nessa faixa etária o voto também é facultativo.

A visão das campanhas

O diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra, que trabalha para a campanha petista, admite que há uma tentativa de entender se os índices de abstenção podem ter impactos negativos para a candidatura. “Ao longo desta eleição, havia uma tentativa de compreender se a abstenção poderia afetar o voto em Lula, tentando entender esse fenômeno com todas as suas limitações”, disse ao Nexo . Coimbra acredita que não existe um padrão de abstenção maior em função de atributos socioeconômicos. Ou seja, há inúmeros componentes que podem inflar a taxa de abstenção, como as dificuldades de deslocamento para ir até a sessão eleitoral, por exemplo, e fatores imponderáveis.

O TSE não divulga tabulações da abstenção por faixas de renda, diz Coimbra. Por não ter um detalhamento desta realidade, o TSE não pode fazer nenhum tipo de intervenção caso o eleitor de baixa renda tenha dificuldades de deslocamento, por exemplo. Os partidos, enfatiza, cometeriam infração eleitoral caso providenciassem transporte para eleitores. “Numa interpretação ortodoxa da lei, isso seria transporte ilegal de eleitores. Algo típico do Brasil antigo, do coronelismo”, disse Coimbra, acrescentando que não há espaço para esse comportamento no país atual.

Para Coimbra, a abstenção está “longe de ser apenas um fenômeno político”. Há fatores da vida cotidiana (morte, doença, dificuldades de deslocamento, imprevistos, acidentes) que podem impedir o eleitor de comparecer no dia da eleição. Além disso, ele salienta que há, também, problemas administrativos, de cadastro na Justiça Eleitoral. Essa abstenção involuntária não se pode calcular, defende o diretor do Vox Populi, e não existem estudos convincentes para explicar e mensurar essa abstenção.

Ele observa que nos Estados Unidos, onde o voto não é obrigatório, raramente a presença do eleitor ultrapassa 60%. E mesmo entre os que se registram e tornam-se aptos a votar, muitos não acham a eleição importante ou não se simpatizam com um dos candidatos, deixando de fazer a escolha. “A participação efetiva nos EUA é menor que 50%. No Brasil a eleição é obrigatória, mas talvez [os eleitores] não pensem diferente dos eleitores dos EUA. Muita gente não voa porque não se sente motivado a participar da vida política, não é porque é mais conservador, ou mais progressista”, reflete Coimbra.

O voto é obrigatório no país, previsto na Constituição de 1988, sendo facultativo apenas para os maiores de 70 anos e os cidadãos de 16 e 17 anos, que podem tirar o título de eleitor, mas não são obrigados a votar. O código eleitoral de 1965 previu que “o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até sessenta dias após a realização da eleição incorrerá na multa de três a dez por cento sobre o salário mínimo da região”.

Do lado de Bolsonaro, a expectativa é que o índice de abstenção seja alto. De acordo com o Jota , estudos feitos pela campanha bolsonarista indicam que o potencial de abstenção entre eleitores de Lula oscila entre 20% e 25%. Já entre os que preferem Bolsonaro, seria de 10% a 15%.

O levantamento da equipe de Bolsonaro foi feito em pesquisas com eleitores que mostram disposição para ir votar e, segundo estrategistas do atual presidente, os eleitores com voto nele estão mais dispostos e convictos sobre o comparecimento.

O caso inédito de 2020

“Em 2020, nas eleições municipais, nós tivemos um recorde de abstenção: 23% dos brasileiros não se apresentaram às seções eleitorais”, recorda-se Antonio Lavareda. O pleito, acrescenta o cientista político, ocorreu em meio à pandemia, com um calendário distinto de experiências anteriores. “Daí porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dispensou, esse ano, a exigência das pessoas para votar em 2022 terem votado na eleição de 2020. Não será necessário apresentar comprovante com justificativa [da ausência] e do pagamento da multa pelo não comparecimento”, disse Lavareda.

Se somados os votos brancos e nulos e abstenções, salienta Luciana Chong, o percentual foi de 30,6%, a maior taxa desde 1996. “Devido à pandemia, muitos eleitores não foram votar no primeiro turno. Pesquisa realizada pelo Datafolha na véspera do primeiro turno na cidade de São Paulo revelou que 13% dos eleitores poderiam deixar de votar por medo de serem contaminados e 22% consideravam nada seguro ir votar.” Além disso, as recomendações de cautela e a perplexidade da população com a mais grave crise sanitária do século deixou o envolvimento político em um plano inferior. Os eleitores, diz Chong, não se engajaram e tampouco se envolveram na campanha, um quadro bastante distinto de 2022.

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