Quais as perspectivas para os cofres estaduais em 2023
Marcelo Roubicek
06 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h46)Novos governadores assumirão contas públicas abaladas pela queda da arrecadação com ICMS. Economistas falam ao ‘Nexo’ sobre a possibilidade de aumento de impostos para mitigar as perdas
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Representantes dos estados se reúnem no 6° Fórum Nacional de Governadores, que discutiu mudanças na Previdência
Os governadores que assumirem mandato em 2023 – alguns deles eleitos em primeiro turno no domingo (2) – terão de lidar com finanças estaduais em situação pouco confortável. O principal fator por trás disso é a perspectiva de queda da arrecadação, em boa parte por causa da redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) aprovada pelo Congresso em 2022.
O ICMS é a principal fonte de arrecadação dos estados. A entrada de dinheiro já começou a diminuir nos primeiros meses após a aprovação do teto no imposto. Há indefinição sobre a compensação a ser paga pela União.
Neste texto, o Nexo explica as medidas que afetaram as contas estaduais em 2022 e conversa com economistas para entender o cenário que se desenha para 2023. A avaliação é que poderá haver aumento de imposto para compensar as perdas.
Em 2022, após campanha do presidente Jair Bolsonaro para culpar governadores e o ICMS pela alta dos combustíveis – tese amplamente rejeitada por economistas –, o Congresso aprovou mudanças no imposto estadual. Primeiro, passou em março de 2022 uma medida alterando o cálculo do recolhimento do tributo.
Na sequência, aprovou em junho uma lei que coloca um teto no ICMS cobrado pelos estados sobre combustíveis, conta de luz, serviços de comunicação e transporte público. Na prática, o texto força os estados a reduzirem o imposto para a faixa de 17% a 18%. Antes, alguns estados cobravam ICMS de mais de 30% sobre a gasolina, por exemplo.
No texto original que definiu o teto do ICMS, os parlamentares haviam aprovado mecanismos de compensação aos estados pelas receitas perdidas com a medida. Bolsonaro sancionou a lei em 23 de junho, mas vetou parte dos mecanismos de ressarcimento aos cofres estaduais.
O texto ainda prevê, no entanto, que os governos que estão endividados junto à União e tiverem perdas de ao menos 5% das receitas com ICMS em 2022 (na comparação com 2021) poderão ser compensados com o abatimento de parcelas das dívidas com o governo federal. No entendimento do governo Bolsonaro, essas compensações seriam pagas somente em 2023.
Gasolina saindo de bomba em posto em Brasília
Os estados aplicaram a redução do ICMS determinada por lei entre o final de junho e o início de julho.
Desde a sanção da lei, alguns governos estaduais entraram com ações no Supremo Tribunal Federal sob o argumento de que não iriam conseguir pagar dívidas próximas do vencimento – sobretudo (mas não somente) com a União – por causa da queda de receita decorrente do teto do ICMS. Sete estados conseguiram liminares favoráveis, determinando compensações na forma de cobrança de pagamentos reduzidos (ou suspensos) de dívida.
A medida que colocou um teto no ICMS de alguns produtos levou à queda de preços de bens importantes no Brasil. Houve recuo dos combustíveis – principalmente gasolina e etanol – após meses de altas consecutivas.
A queda do barril de petróleo no mercado internacional, que se refletiu em reduções de preço pela Petrobras, contribuiu para o movimento. A conta de luz, atingida pelo teto do ICMS, também caiu.
Esse movimento se reverteu em uma queda do IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, principal índice de inflação do Brasil – em dois meses consecutivos. Em agosto, a inflação acumulada em 12 meses ficou em 8,73% , abaixo de 10% pela primeira vez desde meados de 2021.
A queda da inflação não aconteceu de forma generalizada . Diversos produtos, como alimentos , continuaram subindo. Na prática, a população de renda mais baixa – cujo consumo de combustíveis é baixo e de alimentos é alto, proporcionalmente – sentiu um alívio menor no bolso do que as parcelas mais ricas.
O ICMS é a principal fonte de receitas dos governos estaduais. Dados do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), da Secretaria do Tesouro Nacional, mostram que mais da metade das receitas correntes dos estados em 2021 vieram do imposto.
52,8%
foi a participação do ICMS nas receitas correntes dos estados em 2021, segundo o Siconfi
Receitas correntes são aquelas que o governo local arrecada ou recebe ao longo do ano (como tributos e transferências), e que não incluem o dinheiro que tem origem em empréstimos ou venda de bens e direitos. Essas fontes correntes de arrecadação são normalmente usadas para analisar a sustentabilidade das contas públicas.
O ICMS é um imposto cujas alíquotas variam a depender do estado e do produto. A arrecadação do tributo também depende da atividade econômica do local, já que reflete a quantidade de bens e serviços circulando na economia. Os gráficos abaixo mostram, respectivamente, os estados com maior e menor participação do ICMS nas receitas correntes em 2021.
Para além da redução da inflação, as medidas sobre o ICMS tiveram também impacto para os cofres dos estados, já que o imposto é uma fonte central de recursos.
Em 2021 e até metade de 2022, a arrecadação dos governos estaduais vinha crescendo, impulsionada pela retomada da atividade econômica e pela inflação . O gráfico abaixo, elaborado com números do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), mostra o desempenho da arrecadação tributária a cada mês, na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Os dados mostram que agosto de 2022, primeiro mês completo com ICMS reduzido sobre alguns produtos, foi a primeira vez desde o início da retomada econômica que a arrecadação dos estados caiu. Essa queda aconteceu por causa de perdas com o ICMS.
5,05%
foi a queda da arrecadação do ICMS dos estados em agosto de 2022, na comparação com o mesmo mês em 2021
No caso da conta de luz, parte da diferença se deve ao fato de que houve arrefecimento da crise hídrica e elétrica. A bandeira “escassez hídrica” deixou de ser adotada nas tarifas de luz, com a volta da bandeira verde .
R$ 4 bilhões
foi a perda da arrecadação conjunta com ICMS de combustíveis, energia elétrica e serviços de comunicação em agosto de 2022, na comparação com um ano antes
Alexandre Andrade, analista da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal), disse ao Nexo que o efeito nos estados não deve ser homogêneo. “O impacto para arrecadação de cada estado vai depender de quanto vigorava a alíquota do ICMS antes da mudança na legislação”, afirmou.
O Rio de Janeiro, por exemplo, cobrava 34% de ICMS sobre a gasolina antes das medidas. São Paulo, por sua vez, cobrava 25%. Ambos tiveram que diminuir o imposto para a faixa de 17% a 18% – com impactos diferentes, portanto.
Carla Beni, economista e professora de MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirmou ao Nexo que “o impacto do ICMS é direto na saúde e na educação”. Portanto, o dinheiro que deixa de entrar por causa das mudanças no imposto dificultam o financiamento dessas duas áreas centrais.
Ao articular o teto do ICMS, o governo de Bolsonaro afirmou que os cofres estaduais estavam cheios , justamente por causa da arrecadação mais alta decorrente da retomada da economia e da alta da inflação.
“Eu não diria que estão numa situação financeira muito confortável”, disse Andrade. “Os estados e os municípios se beneficiaram de um ganho de arrecadação, assim como a União. Isso não tende a continuar no próximo ano: essa situação mais favorável já ficou para trás, pelo que tudo indica”, afirmou o analista da IFI.
Segundo o economista, há alguns fatores por trás disso. Um deles são as projeções de desaceleração da economia e de recuo da inflação em 2023, esgotando o processo que beneficiou os cofres públicos em 2021 e 2022. Outro elemento é uma possível nova mudança na cobrança de ICMS sobre energia elétrica, que é tema de disputa entre estados e União na Justiça – a alteração pode levar a novas perdas para os estados. Isso sem falar no impacto do teto do ICMS, já que a regra irá continuar valendo em 2023.
Funcionário de posto de gasolina atualiza preços em Curitiba
Beni, da FGV, disse que “a questão compensatória é o grande problema”, já que há dúvidas sobre como irá funcionar o mecanismo para a União reparar perdas de estados com o teto do ICMS. Há também incerteza a respeito de onde viriam os recursos do governo federal para bancar essas medidas. A economista também falou em um grande risco de judicialização da questão, como já acontece em 2022, com as liminares que suspenderam pagamentos das dívidas de alguns estados com a União.
Beni afirmou que os estados terão outro desafio, pelo lado dos custos. Os governos vão precisar arcar com a pressão vinda de cortes federais – seja na forma de possíveis repasses menores vindos da União, seja de redução de verba de políticas importantes para a população, como o Farmácia Popular ou programas alimentares . “A população, quando não recebe um benefício ou um tratamento que tem em um programa específico, vai cobrar dentro do município [ou estado] em que mora”, afirmou.
Andrade também disse que provavelmente haverá pressão para reajustes do funcionalismo estadual . O quadro, segundo o analista, é ruim para os cofres estaduais em 2023, seja por uma perda de força da arrecadação, seja pelas pressões do lado das despesas.
Nesse cenário, “é muito provável” que haja aumento de impostos nos estados, segundo o economista da IFI. “Quando se tem esse tipo de redução na arrecadação, certamente os entes vão buscar uma compensação para essa perda de receitas”, afirmou.
“Os candidatos para isso são os outros tributos de administração dos estados [como o IPVA ], com aumento de alíquotas de outros tributos. Assim como o próprio ICMS, com aumento de alíquotas de outros produtos”. Ou seja, outros impostos podem aumentar, assim como o ICMS de produtos que não foram afetados pela medida aprovada em junho no Congresso.
Um aumento de impostos poderia levar a uma elevação de preços. A depender dos produtos afetados e do tamanho do aumento, o movimento poderia reverter parte do alívio inflacionário resultante do teto do ICMS.
Beni, da FGV, acredita que a busca por equilíbrio das receitas dos estados se dará prioritariamente na frente das compensações da União pelo teto do ICMS. A professora afirmou que os governos tentarão abater os empréstimos pagos a cada mês para a União, aliviando a pressão sobre as finanças estaduais. Mas o aumento de imposto “é uma alternativa”, disse.
Maquininha de cartão de crédito em caixa de padaria em São Paulo
Tanto Andrade como Beni afirmaram que a saúde financeira dos estados e a possibilidade de aumentos tributários não apareceram com destaque durante as campanhas de candidatos a governador na corrida de 2022.
“Não tenho visto esse tipo de discussão. O aumento da tributação é um assunto muito delicado”, disse o analista da IFI.
Já a professora da FGV afirmou: “Aparece de uma forma superficial nas campanhas e não na intensidade que deveria. O discurso fica um pouco camuflado, porque os governadores não querem dizer abertamente que precisariam aumentar a carga tributária”.
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