Da pandemia à corrupção: o saldo do debate presidencial na Band
Da Redação
17 de outubro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h46)No primeiro confronto direto do 2º turno, Lula e Bolsonaro usam formato de administração própria do tempo para tentar impor suas agendas. Candidatos recorrem a temas do jogo pesado da propaganda eleitoral
Temas
Compartilhe
Lula e Bolsonaro durante debate na TV Bandeirantes no 2º turno das eleições presidenciais de 2022
O primeiro debate do segundo turno da corrida presidencial, realizado nos estúdios da TV Bandeirantes no domingo (16), colocou pela primeira vez Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) frente a frente por cerca de duas horas, a maior parte delas ocupada pelo confronto direto entre os candidatos.
Com um formato em que os participantes decidiam a pauta na maior parte do tempo, Lula e Bolsonaro tentaram impor seus temas de preferência. O ex-presidente apostou na pandemia de covid-19 e saiu-se melhor no primeiro bloco do debate, mas depois Bolsonaro equilibrou o jogo, especialmente ao explorar a questão da corrupção.
Neste texto, o Nexo mostra o clima do primeiro encontro entre os candidatos ao Planalto no segundo turno e o desempenho de cada um, e relata os principais embates entre os participantes, além de trazer o contexto da campanha nesta metade do caminho até o segundo turno, cuja votação acontece em 30 de outubro.
O primeiro encontro entre os dois candidatos à Presidência no segundo turno foi realizado nos estúdios da TV Bandeirantes, em São Paulo, em parceria com a TV Cultura, o portal UOL e o jornal Folha de S.Paulo.
O debate ocorre duas semanas após a realização do primeiro turno, em 2 de outubro. Na votação, Lula terminou à frente, com 48,43% dos votos válidos, contra 43,20% de Bolsonaro. O resultado foi mais apertado do que indicavam as pesquisas de intenção de voto, o que suscitou uma ofensiva contra os institutos por parte do presidente e seus apoiadores.
Em levantamentos realizados no segundo turno, Lula se mantém à frente. Pesquisa Datafolha realizada entre 13 e 14 de outubro mostra o seguinte quadro:
O tom geral foi mais comedido do que o esperado, sem reproduzir integralmente o clima de “vale tudo” que a campanha eleitoral assumiu no segundo turno. Os temas ligados a pânicos morais e desinformação, no entanto, apareceram. Ambos se acusaram a todo momento de mentirosos, e trocaram algumas ofensas. Lula chamou o presidente de “cara de pau”. Bolsonaro terminou uma fala chamando o ex-presidente de “vergonha nacional”.
O formato do debate em três blocos, com os candidatos se enfrentando na maior parte do tempo sem temas definidos, sem mediação e com cada um administrando seu próprio tempo disponível, fez com que os adversários calculassem suas investidas. Circulando livremente pelo estúdio, Lula e Bolsonaro chegaram a ficar muito próximos em alguns momentos, com o presidente tocando no ombro do ex-presidente em duas oportunidades.
LULA
O ex-presidente resgatou a todo momento realizações de seus governos, tentando fazer um contraponto ao mandato de Bolsonaro. Citou números sobre economia, aumento do salário mínimo, vacinação, desmatamento da Amazônia e criação de universidades, entre outros. Destacou investidas antidemocráticas do atual presidente, que chamou de “pequeno ditador”. Dominou o primeiro bloco ao falar de educação e, principalmente, de saúde, com foco no mau desempenho do governo Bolsonaro na pandemia de covid-19. Nos blocos seguintes, quando o tema caminhou para a corrupção, Lula não teve o mesmo desempenho. No bloco final, administrou mal seu tempo e deixou Bolsonaro com 5 minutos e 42 segundos para falar livremente. Conseguiu um direito de resposta logo depois disso, obtendo um minuto extra.
BOLSONARO
O presidente tentou fazer acenos ao eleitorado nordestino, onde tem maior desvantagem em relação a Lula, e às camadas mais pobres, ao destacar o Auxílio Brasil. Explorou de forma constante o tema da corrupção, resgatando números da Lava Jato e de escândalos do PT. Bolsonaro tentou também associar o ex-presidente ao crime organizado apelando para a desinformação. Praticamente criminalizou os moradores do Complexo do Alemão, comunidade do Rio onde Lula esteve recentemente, dizendo que o adversário estava cercado de “bandidos”. Também usou governos de esquerda da América Latina para sugerir que Lula pode fechar igrejas. Ainda citou temas morais, como “ideologia de gênero” e o aborto.
13,1
foi a média de pontos de audiência do debate, segundo dados preliminares, somando a Band (11,8 pontos) e TV Cultura (1,3). A marca é melhor para os canais no dia e horário, mas ficou abaixo do registrado no debate do primeiro turno organizado pelo mesmo pool. Cada ponto representa 205.577 telespectadores na região metropolitana de São Paulo
No primeiro bloco, enquanto os candidatos se enfrentavam com tema livre e tinham ao todo, cada um, 15 minutos de fala, Lula explorou a má gestão da pandemia de covid-19 feita pelo governo Bolsonaro, citando números de mortos, atraso na compra de vacinas e a conduta do presidente.
Em resposta, Bolsonaro tentou trazer para a conversa suspeitas de corrupção em governos estaduais, e ignorou as documentadas ocasiões em que atacou a imunização contra a covid no país, elogiando o avanço da vacinação no Brasil. Lula resgatou comentários do presidente como o de que a covid é uma “gripezinha” e disse que o mandatário não havia “se dignado a visitar uma família” vítima da pandemia.
“Eu visitei hospitais, sim, e o senhor não tem conhecimento. Só que eu não preciso fazer propaganda do que faço. Me comovi, me preocupei com cada morte no Brasil”
“Agora que você está candidato, você está mostrando uma seriedade que deveria ter mostrado lá”
Bolsonaro usou seu tempo livre para mudar o assunto tentando associar Lula ao crime organizado, repetindo exemplos de um tipo de desinformação que tomou conta de redes sociais nas vésperas do primeiro turno. Também citou votações ao PT em presídios, algo que tem sido mostrado em sua propaganda eleitoral – a peça de publicidade eleitoral de Bolsonaro é associada ao racismo .
Lula nos estúdios da Band logo após o fim do debate
O presidente tentou acusar Lula e o candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), ex-governador de São Paulo, de fazer uma acordo com o PCC em 2006, quando o líder da facção, Marcola, deixou de ser transferido para um presídio de segurança máxima. Lula rebateu dizendo que construiu presídios de segurança máxima quando era presidente, e tentou associar, de volta, Bolsonaro às milícias cariocas. “O candidato que tem relação com miliciano não sou eu”, disse.
Em resposta, Bolsonaro tentou associar, duas vezes, a visita que Lula fez durante a campanha a comunidades do Rio de Janeiro à criminalidade. Disse que o ex-presidente “não tinha policial ao lado, só traficante”. Em outro momento do debate, voltou ao assunto e insinuou de forma mentirosa que um boné usado por Lula numa caminhada no Complexo do Alemão continha uma gíria do crime. A sigla em questão, “CPX”, é usada de forma corriqueira como abreviação de “complexo”.
“Sabe o que eu tenho orgulho? É que eu sou o único candidato a Presidente da República que tenho coragem de entrar numa favela. Sem colete de segurança. As pessoas falavam ‘vai com cuidado porque o Bolsonaro é amigo dos milicianos’. E eu ia”
Jornalistas questionaram os candidatos sobre uma proposta no Congresso, encampada por parlamentares bolsonaristas, de aumentar o número de ministros no Supremo, como já foi feito em países autoritários como a Venezuela e a Hungria.
Bolsonaro, que já condicionou a avaliação da proposta à “temperatura” do tribunal, afirmou no debate que não vai apoiar o projeto . Lula também disse ser contra a ideia, que segundo ele remete à ditadura militar.
O presidente usou seu tempo e suas falas para trazer de volta o tema da corrupção. Quando teve oportunidade de iniciar o confronto, começou falando de escândalos revelados na Lava Jato e desfilou uma série de valores devolvidos por empresas e envolvidos à operação.
O ex-juiz e senador eleito Sergio Moro (União Brasil-PR), que deixou o governo rompido com o Bolsonaro e agora voltou a apoiá-lo, acompanhou o presidente ao estúdio.
“A grande verdade: o senhor não fez nada pelo Brasil, a não ser transpor dinheiro público para o seu bolso e o dos seus amigos”
Lula rebateu as acusações criticando a Lava Jato e dizendo que a operação não deveria ter “quebrado” as empresas envolvidas. Como já havia feito na sabatina do Jornal Nacional, da TV Globo, ele admitiu que houve corrupção na Petrobras, porque “as pessoas confessaram”.
Sergio Moro dá orietação a Jair Bolsonaro durante debate do 2º turno presidencial na Band
Em entrevista após o debate, Moro justificou sua presença no estúdio dizendo ser “contra contra Lula e contra o projeto de poder do PT”. Disse que tem mais convergências do que divergências com Bolsonaro. E se negou a responder sobre as acusações que fez ao presidente quando deixou o Ministério da Justiça do governo em abril de 2020. Na ocasião, Moro pediu demissão acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para evitar a investigação de aliados.
Tanto Lula quanto Bolsonaro se acusaram repetidamente de falarem mentiras. Em dado momento, o próprio tema das fake news foi colocado em pauta pela jornalista Patricia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo, que perguntou se eles apoiariam legislação relacionada ao assunto num eventual mandato.
Os candidatos não responderam diretamente à pergunta, mas usaram o tempo para trocar ataques. Lula disse que todas as outras campanhas de que tinha participado eram “civilizadas, e a verdade prevalecia”. Bolsonaro tomou a iniciativa de falar (e rechaçar) as recentes acusações de pedofilia que tomaram conta das redes sociais e foram incorporadas à campanha do PT, após uma fala sua sobre adolescentes venezuelanas.
Ele leu uma decisão do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, seu desafeto, que ordenou a retirada do ar da peça , assim como de posts de petistas sobre o tema. Lula usou um broche da campanha de combate à violência sexual infantil e remeteu ao ocorrido ao citar uma live que Bolsonaro fez para tentar se explicar, na madrugada de domingo (16).
O debate ocorre duas semanas após o primeiro turno, enquanto os dois candidatos aparecem estáveis nas pesquisas de intenção de voto.
O candidato petista tem obtido apoio de nomes de vários espectros políticos, como a ex-candidata Simone Tebet (MDB), o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso e economistas do Plano Real, e até o fundador do Partido Novo e forte crítico do PT João Amoedo.
Bolsonaro tem focado no apoio de governadores como o mineiro Romeu Zema, do Novo, o paulista Rodrigo Garcia, do PSDB, e o fluminense Claudio Castro, do seu partido, o PL.
A campanha tem sido marcada pela exibição e veiculação de peças com alto teor de agressividade e pânico moral, num clima de “vale tudo” que se intensificou na internet e transbordou para a campanha oficial na TV .
O episódio recente de maior repercussão veio após Bolsonaro dar uma entrevista a um podcast na sexta-feira (14) usando a expressão “pintou um clima” para se referir ao dia em que conheceu adolescentes venezuelanas na periferia de Brasília. O presidente insinuou que elas fossem vítimas de exploração sexual por estarem se arrumando num fim de semana, e tentou usar o relato para criticar o governo de esquerda da Venezuela.
O vídeo com o trecho viralizou e termos como “Bolsonaro pedófilo” e “Bolsonaro pervertido” ficaram entre os assuntos mais comentados do Twitter. No domingo (16), a fala foi incluída numa peça oficial do PT, e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, atendeu a um pedido da campanha de Bolsonaro para tirar o material do ar.
Já a campanha de Bolsonaro vem fazendo tentativas recorrentes de associar Lula ao crime organizado, com propagandas que citam votações ao PT em presídios e fake news sobre o boné usado por Lula no Complexo do Alemão e repetida por Bolsonaro no debate.
A religião também tem aparecido de forma recorrente na campanha, e foi retomada pelo presidente no debate ao citar a perseguição a religiosos no regime de esquerda da Nicarágua. A campanha de Lula planeja uma “carta aos evangélicos”, grupo em que Bolsonaro tem ampla vantagem.
O próximo debate entre Lula e Bolsonaro está marcado para sexta-feira (21), às 21h30, organizado por um pool formado pelo jornal Estado de S. Paulo, Rádio Eldorado, SBT, CNN, Veja, Terra e Rádio Nova Brasil. Outros dois encontros estão previstos até o segundo turno: um na TV Record, no dia 23, e um na TV Globo, no dia 28.
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
Navegue por temas