Expresso

As reações oficiais aos bloqueios enquanto Bolsonaro silenciava

Marcelo Montanini

01 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h47)

Ministros e governadores agem contra a interdição de estradas para manter a normalidade democrática do país. Presidente demora para se manifestar e faz fala dúbia a caminhoneiros

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 02.11.2022

Numa rodovia, um homem de camiseta do Brasil usa uma bandeira do país para cobrir o rosto. Atrás dele uma fileira de policiais com escudos pretos

Batalhão do Choque da Polícia Militar em bloqueio de bolsonaristas na rodovia Castelo Branco, em Barueri, São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) demorou 45 horas para fazer a primeira declaração após a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas no domingo (30). No discurso, ele foi dúbio ao falar sobre os bloqueios de caminhoneiros bolsonaristas nas rodovias.

Enquanto isso, governadores e ministros se mobilizaram para retomar a circulação das vias e entidades ligadas ao transporte e ao agronegócio, alinhadas ao governo Bolsonaro, se manifestaram contra os bloqueios.

Segundo a PRF (Polícia Rodoviária Federal), até por volta das 19h30 de terça-feira (1°) a corporação havia feito 438 autuações contra caminhoneiros. Na manhã de quarta (2), a PRF informou que havia desfeito 631 pontos de manifestação, e ainda contabilizava interdições ou bloqueios em rodovias federais de 15 estados.

Neste texto, o Nexo resume a situação: relata a única declaração pública do presidente Jair Bolsonaro após a derrota, as decisões do Supremo Tribunal Federal, as ações de líderes estaduais e as manifestações das entidades dos setores afetados.

A fala de Bolsonaro

No breve discurso concedido na terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro não mencionou Lula nem reconheceu a vitória do adversário. O presidente falou sobre o movimento golpista de caminhoneiros que bloqueiam rodovias do país, mas sua fala sobre o assunto foi ambígua.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 01.11.2022

Jair Bolsonaro está de pé falando, na frente de um púlpito com vários microfones. Atrás dele estão outras pessoas

Jair Bolsonaro faz primeiro pronunciamento desde a derrota na eleição, no Palácio da Alvorada, em Brasília

“Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir”, disse Bolsonaro a jornalistas.

A declaração foi antecedida de uma intensa articulação de autoridades e aliados. Ministros do Supremo cobraram uma manifestação. O ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador eleito de São Paulo, e os ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e da Economia, Paulo Guedes, precisaram intervir.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também pressionou o chefe do Executivo por uma manifestação. Ele ao Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente da República, na terça-feira (1º), mas não apareceu ao lado de Bolsonaro durante a breve fala. Ao final do discurso, o ministro da Casa Civil afirmou que Bolsonaro o autorizou a iniciar o processo de transição de governo .

As decisões de Moraes

Após o resultado das urnas na noite de domingo (30), caminhoneiros bolsonaristas começaram a bloquear rodovias pelo país. Sem liderança aparente, eles pedem intervenção militar ou novas eleições, e cobram um posicionamento do presidente derrotado. Bolsonaro só se manifestou na tarde desta terça-feira (1°), quase dois dias depois do resultado.

Diante do caos que se formou nas estradas do país, o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, determinou na noite de segunda-feira (31) que a Polícia Rodoviária Federal agisse para liberar os cerca de 300 pontos de paralisações nas rodovias do país naquele momento. Moraes ameaçou prender o diretor do órgão, Silvinei Vasques, em caso de descumprimento.

A decisão foi colocada para votação no plenário virtual do Supremo à meia-noite de terça-feira (1°) e, cerca de 20 minutos depois, havia maioria pelo desbloqueio imediato das rodovias. Por unanimidade, ao longo do dia, os ministros acompanharam o relator Alexandre de Moraes. Em alguns estados, a Polícia Rodoviária começou a desmobilizar os bloqueios após a decisão.

Em nova decisão nesta terça-feira (1º), Moraes afirmou que policiais militares, subordinados aos governos estaduais, podem atuar contra os bloqueios mesmo em vias federais, prendendo manifestantes, aplicando multa de R$ 100 mil por hora e apreendendo caminhões, caso necessário.

Governadores agem

Com a determinação de Moraes sobre policiais militares, ao menos 16 governadores autorizaram a ação da Polícia Militar para desbloquear as rodovias dos respectivos estados. Alguns deles, aliados do presidente Jair Bolsonaro, também criticaram as manifestações e defenderam o direito de ir e vir da população e o resultado das urnas. Foram eles:

  • Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais;
  • Rodrigo Garcia (PSDB) de São Paulo;
  • Claudio Castro (PL), do Rio de Janeiro;
  • Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal;
  • Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo;
  • Ratinho Junior (PSD), do Paraná;
  • Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), do Rio Grande do Sul;
  • Mauro Mendes (UB), do Mato Grosso;
  • Rui Costa (PT), da Bahia;
  • Paulo Dantas (MDB), de Alagoas;
  • Carlos Moisés (Republicanos), de Santa Catarina;
  • Carlos Brandão (PSB), do Maranhão;
  • Ronaldo Caiado (UB), de Goiás;
  • Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco;
  • Camilo Santana (PT), do Ceará;
  • Helder Barbalho (MDB), do Pará.

Os governos do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Tocantins também instalaram gabinetes de crise, com as forças de segurança, para monitorar as situações nas rodovias.

Garcia, que apoiou a reeleição de Bolsonaro, afirmou que São Paulo vai aplicar multa de R$ 100 mil por hora contra caminhoneiros que não desobstruirem as rodovias do Estado e, caso necessário, conduzir à delegacia e utilizar o uso da força. “ As eleições acabaram , nós vivemos em um país democrático, São Paulo respeita o resultado das urnas e nenhuma manifestação vai fazer com que a democracia do Brasil retroceda”, disse Garcia a jornalistas. “Não vai ser manifestação ou baderna que vai fazer com que a sociedade não reconheça o resultado das urnas. Aos vencedores, o mandato. Aos perdedores, o reconhecimento da derrota.”

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS 31/10/2022

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bloqueiam rodovia BR-060 em Abadiânia, em Goiás

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro bloqueiam rodovia BR-060 em Abadiânia, em Goiás

Zema, que também apoiou a reeleição do atual chefe do Executivo, seguiu a mesma linha. “Solicitei às nossas forças de segurança para desobstruir qualquer via ou estrada interditada por manifestações. A eleição já acabou , temos que assegurar o direito de todos de ir e vir, e também que mercadorias cheguem onde precisam para não haver desabastecimento. Vamos cumprir a lei”, declarou o governador de Minas Gerais nas redes sociais.

O governador do Rio de Janeiro, que é aliado do presidente Bolsonaro, afirmou, em nota, ainda que “o direito de ir e vir das pessoas não pode ser usurpado, e a população não deve ser prejudicada”.

Autoridades se manifestam

O presidente da Câmara dos Deputados foi o primeiro aliado de Jair Bolsonaro a reconhecer o resultado das urnas, poucos minutos depois da confirmação da eleição de Lula no domingo (30). “Ao presidente eleito, a Câmara dos Deputados lhe dá os parabéns e reafirma o compromisso com o Brasil, sempre com muito debate, diálogo e transparência. É preciso ouvir a voz de todos, mesmo divergentes, e trabalhar para atender as aspirações mais amplas”, afirmou Lira a jornalistas. Ele, no entanto, não se manifestou sobre as manifestações de caminhoneiros.

Pouco depois do resultado na noite de domingo (30), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também reconheceu o resultado das urnas e afirmou que o papel do presidente eleito era unificar o país. Na segunda-feira (31), o senador voltou a se manifestar, desta vez citando os caminhoneiros.

“Em nome da Presidência do Senado Federal, manifestei expresso reconhecimento do resultado das eleições no Brasil, de forma plena, absoluta e insuscetível a quaisquer questionamentos. Agora, precisamos de pacificação e união em busca do desenvolvimento, que passa necessariamente pela valorosa categoria dos caminhoneiros brasileiros”, escreveu Pacheco, no Twitter.

Pressionado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu nesta terça-feira (1°), em vídeo, a liberação das rodovias para preservar o abastecimento e a ordem econômica. “Nós, do Ministério Público brasileiro, estamos empenhados na preservação da liberdade de expressão, de forma pacífica e ordeira em locais públicos, sem armas, como diz a Constituição. Para isso, temos envidado todos os esforços desde ontem, segunda-feira, no sentido de buscar decisões judiciais, em todo o Brasil e também no Tribunal Superior, para que as rodovias sejam liberadas preservando-se o abastecimento e a ordem econômica de ir e vir de todos os brasileiros e brasileiras”, disse.

Cerca de 200 procuradores do Ministério Público Federal cobraram nesta terça-feira (1°) providências de Aras para investigar formalmente a “omissão” de Bolsonaro em relação às manifestações dos caminhoneiros.

Em nota, o Supremo destacou a importância do pronunciamento de Bolsonaro “em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios” e, ao determinar o início da transição, de “reconhecer o resultado final das eleições”. Após o discurso, Bolsonaro se reuniu com ministros da Suprema Corte.

Setor produtivo impactado

Diferentes setores produtivos começaram a sentir o impacto dos bloqueios nas estradas promovidos por bolsonaristas que questionam os resultados da votação. Entidades, inclusive ligadas ao governo Bolsonaro, criticaram as manifestações.

O presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), João Galassi, afirmou que o setor já enfrenta dificuldades de abastecimento em função da paralisação dos caminhoneiros.

A CNI (Confederação Nacional das Indústrias), simpática ao governo Bolsonaro, posicionou-se contrário ao movimento. “O direito constitucional de ir e vir dos brasileiros precisa ser respeitado. A CNI é veementemente contrária a qualquer manifestação antidemocrática que prejudique o país e sua população”, disse, em nota.

A CNT (Confederação Nacional do Transporte), entidade de representação das empresas de transporte no Brasil, também se posicionou contrariamente aos atos dos caminhoneiros e cobrou respeito ao direito de ir e vir das pessoas. “Além de transtornos econômicos, paralisações geram dificuldades para locomoção de pessoas, inclusive enfermas, além de dificultar o acesso do transporte de produtos de primeira necessidade da população, como alimentos, medicamentos e combustíveis.”

Em nota, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), aliada de Bolsonaro, afirmou que acredita que a liberdade e a democracia são os fatores essenciais para o desenvolvimento da produção rural e defendeu o resultado das urnas. “Fiel a esta crença, recebe com naturalidade o resultado das eleições presidenciais e está pronta para o diálogo e a cooperação com o governo eleito, escolhido pela maioria do povo brasileiro”, disse, em nota.

A CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos) disse que os bloqueios de caminhoneiros nas rodovias não é um movimento da categoria , mas se trata de manifestações individuais sem coordenação setorizada da sociedade civil. A entidade afirmou que estava “ao lado da ordem e do Estado Democrático de Direito”.

Em nota, a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes) afirmou que aguarda a liberação das rodovias pelos caminhoneiros “o mais breve possível, em prol do restabelecimento da normalidade do abastecimento nacional”.

A Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) alertou as autoridades para o impacto gerado na malha aérea em consequência do bloqueio de estradas e rodovias em diversos pontos do país. A associação disse que, caso o cenário atual se mantenha, ao longo do feriado o setor poderá sofrer com desabastecimento de combustível, além do impacto pela dificuldade logística de profissionais, tripulantes e passageiros aos aeroportos.

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas