Expresso

As propostas para uma área no governo focada na crise do clima

Mariana Vick

08 de novembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 23h25)

Aliados de Luiz Inácio Lula da Silva propõem a criação de órgãos para aproximar o tema da Presidência e coordenar políticas públicas. Meio ambiente foi um dos destaques da campanha do petista

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FOTO: JAMIL BITTAR/REUTERS – 30.NOV.2007

Turbinas eólicas brancas funcionam em meio a árvores e a um cacto enorme. Atrás, o céu está azul.

Usina eólica em Osório, no Rio Grande do Sul

Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente no fim de outubro com promessas de combater o desmatamento na Amazônia , principal problema ambiental do Brasil, e implementar outras medidas para enfrentar a mudança climática depois de quase quatro anos em que o assunto foi negligenciado pelo governo de Jair Bolsonaro.

Entre as discussões sobre a formação do novo governo, está em pauta a possibilidade de Lula criar uma secretaria ou uma autoridade nacional dedicada à crise do clima, como propõem ambientalistas e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Segundo defensores da ideia, a criação desse tipo de estrutura daria prioridade renovada ao tema.

O Nexo explica as propostas que estão em jogo para dar mais destaque ao combate à mudança climática na administração pública e como a criação de uma secretaria ou uma autoridade pode mudar a forma como o governo federal lida com o problema. Mostra também as estratégias recentes de governos de outros países para tratar da crise.

O que há nas propostas que estão em jogo

Apoiadores de Lula ligados à agenda ambiental têm pressionado o presidente eleito a criar dois órgãos diferentes no governo dedicados à mudança climática: uma secretaria especial de emergência climática e uma autoridade nacional de segurança climática. Esses órgãos não necessariamente excluem um ao outro, ou seja, poderiam existir ao mesmo tempo.

Segundo as propostas, a secretaria especial de emergência climática seria um órgão vinculado à Presidência da República. A principal atribuição dessa secretaria seria representar o Brasil para o mundo nos assuntos climáticos. Governos como o dos Estados Unidos e o da Alemanha criaram secretarias para o tema que atuam desta forma.

FOTO: MARIANA GREIF/REUTERS – 31.OUT.2022

A deputada eleita Marina Silva e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista

A deputada eleita Marina Silva e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista

A ideia ganhou força entre ambientalistas, pesquisadores e segmentos progressistas do empresariado durante a campanha eleitoral. Entre os nomes que disseram apoiá-la estão o de Izabella Teixeira (ex-ministra do Meio Ambiente) e Marcello Brito (ex-presidente da Abag, a Associação Brasileira do Agronegócio). Simone Tebet, candidata à Presidência do MDB que ficou em terceiro lugar na disputa, também incorporou a proposta a seu plano de governo.

Outra proposta, a da criação de uma autoridade nacional de segurança climática, é defendida principalmente pela ex-ministra Marina Silva, que foi eleita deputada federal pela Rede em 2022 e se aproximou de Lula na campanha. Segundo ela, essa autoridade funcionaria como uma autarquia ligada ao Ministério do Meio Ambiente e teria a função de coordenar as políticas de diferentes setores do governo para combater a crise e implementar ações de desenvolvimento sustentável.

Enquanto a secretaria de emergência climática seria mais dedicada às relações do Brasil com o mundo, a autoridade nacional trabalharia para implementar as políticas para o clima dentro do país, em diálogo com governos locais e o setor produtivo. Além de Marina, iniciativas como a rede Uma Concertação pela Amazônia (que reúne academia, empresas e organizações da sociedade civil) defendem a criação do órgão.

O que muda com a criação desses formatos

Segundo Guarany Osório, professor e coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, a principal diferença de uma secretaria ou de uma autoridade nacional de segurança climática é que esses órgãos, se criados, devem melhorar o que ele chama de governança do clima no Brasil.

Em referência à secretaria, Osório disse ao Nexo que o órgão pode destravar ações ligadas ao clima por estar ligado à Presidência da República. “Essa agenda [climática] sempre ficou no ambiente técnico. Poucas vezes acessou o alto nível de decisão. Mas, para andar, ela precisa de engajamento do alto nível de decisão ao longo do tempo”, afirmou.

FOTO: PILAR OLIVARES/REUTERS – 11.MAI.2021

Mulher agachada sobre teto com painéis fotovoltaicos. Ela usa máscara e capacete.

Mulher instala painéis de energia solar em casa no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro

Até hoje, o governo federal, via de regra, restringiu a discussão sobre mudança climática a algumas secretarias e departamentos de órgãos especializados em meio ambiente, como o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas. Osório disse que no Ministério da Economia também houve funcionários que se dedicaram a pensar temas como mercados de carbono, mas a discussão nunca saiu do ambiente técnico.

Em 2009, no segundo mandato do governo Lula, o então presidente buscou dar mais destaque à mudança climática no governo sancionando a Política Nacional de Mudança do Clima, mas faltaram instrumentos para implementá-la, segundo o professor. Mais tarde, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência contratou pesquisadores para o estudo Brasil 2040 , que faria recomendações de políticas para o país se adaptar à crise, mas em 2015 o governo recuou e rejeitou o projeto .

O espaço dado para a área diminuiu mais ainda nos anos seguintes. Em 2018, no governo de Michel Temer, o principal órgão do governo que tratava do assunto era a Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas, vinculada ao Ministério de Meio Ambiente. Em 2019, porém, o então ministro de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, extinguiu a área e o transformou num departamento dentro da Secretaria de Relações Internacionais da pasta.

FOTO: ADRIANO MACHADO/REUTERS – 28.SET.2022

Vista aérea da Amazônia

Vista aérea da Amazônia

Enquanto a secretaria vinculada à Presidência pode mudar esse cenário ao aproximar o debate do clima de quem toma as decisões políticas, a autoridade nacional proposta por Marina Silva pode mobilizar diferentes setores do governo (não só os órgãos ambientais o presidente da República) para implementar as metas brasileiras de combate à mudança climática, segundo seus defensores.

Lula já disse durante a campanha que tem a intenção de integrar essas ações. “Quando a gente ganhar as eleições não haverá no nosso governo política de ministro. A política ambiental será tratada de forma transversal. Ou seja, todos os ministros terão obrigação com a questão climática. Não é o ministro do Meio Ambiente o único responsável, a política será responsabilidade de todos, do presidente ao ministério menor”, afirmou em setembro.

Como outros governos tratam o tema

Estados Unidos

Em 2021, o presidente americano, Joe Biden, transformou o ex-secretário de Estado (cargo equivalente ao de chanceler no Brasil) John Kerry em enviado especial para o clima. Com a medida, Biden aproximou o tema da Presidência e o pôs no centro de sua política externa. Kerry também tem um assento no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, também ligado à política externa do país.

Alemanha

Em 2021, o escritor e político Robert Habeck, do Partido Verde alemão, tornou-se ministro do novo Superministério do Clima e da Economia no país. A pasta tem as mesmas funções de um Ministério da Economia comum, mas funções adicionais ligadas à proteção do clima. O governo alemão decidiu criar o ministério depois de notar que a pasta da Economia costumava se opor à ambiental. Além do superministério, a Alemanha tem pastas do Meio Ambiente e da Agricultura.

Por que dar destaque para a mudança climática

Segundo Osório, a mudança climática é um problema complexo, que envolve setores como meio ambiente, agricultura, economia e energia. Por ter essa natureza, ela demanda políticas públicas em diferentes áreas. Faz sentido, portanto, que as ações para combater o problema não fiquem restritas e espalhadas em alguns órgãos, mas sejam coordenadas por um corpo central.

Além disso, aproximar as discussões sobre clima do principal tomador de decisões do governo (no caso da secretaria especial para a emergência climática, que ficaria subordinada à Presidência) confere ao tema a importância que ele tem ganhado nos últimos anos, segundo os defensores da proposta. Ambientalistas, cientistas e lideranças de diversos países consideram a crise climática um dos principais desafios da humanidade no século 21.

FOTO: RAHEL PATRASSO/REUTERS – 08.ABR.2020

Homem de chapéu anda entre longas filas de acelga que estão plantadas no solo

Agricultor em plantação de acelga em Piedade, São Paulo

Conhecida também pela expressão aquecimento global, a mudança climática atinge todos os países. A emissão de gases de efeito estufa de atividades como a agropecuária e a produção de energia a partir do carvão e do petróleo têm aumentado a temperatura média do planeta e o nível do mar e causado alterações climáticas permanentes.

Segundo os estudos mais recentes, a temperatura média do planeta aumentou 1,1ºC desde o período pré-industrial. O Acordo de Paris , tratado internacional para o clima assinado em 2015, busca limitar esse aquecimento a 1,5ºC até 2100. Reduzir as emissões é fundamental para alcançar esse objetivo e evitar consequências do fenômeno mais graves que as que têm sido vistas hoje.

FOTO: RICARDO MORAES /REUTERS

Um homem observa dois ônibus destruídos no meio de um córrego com lama e lixo depois de chuva em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.

Ônibus do transporte público em Petrópolis foram levados pela enxurrada

Embora esteja atrás de países como Estados Unidos e China, o Brasil está entre os dez países que mais emitem gases de efeito estufa do mundo. O principal responsável por essas emissões é o desmatamento em biomas como a Amazônia. O governo brasileiro já combateu o problema no passado, mas ele voltou a se agravar nos últimos anos.

Cientistas afirmam que, sem reduzir as emissões, o Brasil verá mudanças nos regimes de chuvas — com impactos para a agricultura, o setor de energia e a economia — e será mais vulnerável a eventos climáticos extremos, como secas e inundações fortes, que tendem a ser mais intensos e frequentes com o agravamento da mudança do clima.

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