Expresso

Como a Farofa da Gkay virou o ápice da cultura influencer

Cesar Gaglioni

07 de dezembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h50)

Festa de Géssica Kayane reúne centenas de celebridades digitais brasileiras. Desde seu início em 2017 multiplicou de tamanho e em 2022 ganhou até transmissão na TV

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FOTO: DIVULGAÇÃO/GKAY

A COMEDIANTE E INFLUENCIADORA GÉSSIA KAYANE, A GKAY

A COMEDIANTE E INFLUENCIADORA GÉSSIA KAYANE, A GKAY

Termina nesta quarta-feira (7) uma nova edição da Farofa da Gkay, festa promovida anualmente desde 2017 pela influenciadora e comediante paraibana Géssica Kayane, conhecida como Gkay.

Em 2022, o evento foi transmitido pelo Multishow, canal por assinatura do grupo Globo. Desde 2021, a festa virou um ápice da cultura dos influenciadores digitais.Neste texto, o Nexo explica como a festa ganhou essa dimensão e como a indústria dos influencers funciona no país.

O tamanho da Farofa

A Farofa da Gkay acontece anualmente em dezembro na cidade de Fortaleza, desde 2017. Géssia Kayane ficou famosa a partir de 2013, quando iniciou sua carreira de comediante stand-up na Paraíba.

O evento que dura três dias começou como uma celebração do aniversário de Gkay, mas logo se tornou parte do calendário anual do jet set – a elite – dos influenciadores digitais. A Farofa começou pequena, mas foi crescendo, até ocupar uma grande infraestrutura.

60

pessoas foram convidadas da primeira ‘Farofa’, em 2017

400

é o número de convidados da ‘Farofa’ 2022

315

é o número de suítes do hotel Marina Park alugados para a ocasião – 100% da capacidade

105 mil

era o número de menções ao evento na tarde de quarta-feira (7) no Twitter Brasil

Em 2021, a Farofa custou R$ 2,8 milhões, pagos parcialmente por Gkay, e parcialmente por patrocinadores. Os valores empenhados em 2022 ainda não foram divulgados publicamente. Ela também fatura fazendo publicidade para as marcas parceiras.

Na festa, há shows musicais, jogos, bebida liberada e a parte que o público externo mais gosta: a pegação dos convidados. Durante a festa, beijos trocados entre os presentes estampam as páginas de fofoca com grande destaque.

A maior parte dos convidados é formada por influenciadores, ex-BBBs e outras celebridades. Os shows musicais ficam sob comando de grandes nomes. Anitta iria se apresentar na Farofa 2022, mas teve que cancelar sua participação após ser internada nesta quarta-feira (7). O motivo da hospitalização não foi divulgado.

A entrada na Farofa depende de convites, selecionados a dedos por Gkay. Alguns poucos seguidores podem participar do evento após ganhar ingressos por concursos culturais e sorteios.

Uma novidade na edição 2022 é a transmissão televisiva pelo Multishow – que permite que o público acompanhe o evento, aos moldes de reality shows como o Big Brother Brasil. Para Larissa Martins, colunista de TV do UOL, o grupo Globo transmitir a farofa foi uma saída para compensar a recepção morna das edições de 2022 do BBB e do No limite, os dois principais realities da empresa.

“Já que os realities shows não deram certo esse ano, eles resolveram: ‘Quem sabe mostrar uma festa de famosos ao vivo funcione?’”, afirmou em texto do dia 6 de dezembro.

Martins acredita que, dentro do contexto da Farofa, o que importa é o burburinho do público, independentemente do teor dele. Isso traz mais visibilidade para as marcas patrocinadoras e para os próprios convidados, que conseguem alavancar mais ainda a própria carreira.

“Tem uma coisa também que tem gente que assiste para falar mal, né? Então, acaba trazendo tanto o público que tem curiosidade sobre essas pessoas ou pelos shows, como também aquelas pessoas que vão olhar ali e pensar: ‘Nossa, que horror, que absurdo’. Acho que traz tanto o público do ódio, quanto do amor”, disse.

Na visão de Felipe Oliva, CEO da plataforma de influenciadores Squid, um evento como a Farofa traz bons retornos para as marcas , não só pelo tamanho do público que atinge. “Esse modelo de evento oferece um formato de conteúdo muito mais espontâneo e em tempo real, que vai aumentando de forma gradativa ao longo do evento e, dessa forma, as marcas acabam ganhando juntamente”, disse à revista Exame.

A marca de cosméticos Avon, a joalheria Vivara, a companhia aérea Latam e o enxaguante bucal Listerine estão entre as marcas patrocinadoras da Farofa da Gkay 2022.

Espetacularização e críticas

O interesse em reality shows e eventos como a Farofa se relaciona com a espetacularização da vida privada, fenômeno que foi estudado pelo escritor francês Guy Debord (1931-1994), o livro “A sociedade do espetáculo”, de 1967, e que está profundamente ligado ao consumo no capitalismo.

Para Debord, a sociedade do espetáculo é aquela onde há acúmulo de capital financeiro, social, cultural e político por parte de uma elite, que também é capaz de acumular a disseminação de imagens e mensagens a fim transformá-las em mais capital. Esses produtos seriam distribuídos massivamente e consumidos pela sociedade sem muito olhar crítico.

“Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente na vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção – o consumo.”

Parte das críticas à Farofa gira em torno da futilidade que existiria no evento e em seus convidados a partir dessa espetacularização. Na tarde de quarta-feira (7), havia cerca de 8.000 publicações no Twitter Brasil que faziam menção à Farofa e “futilidade”, segundo análise com a ferramenta Tweet Binder.

Por outro lado, há também críticas que surgem por ocorrências dentro do evento. Na quarta-feira (6), o comediante Tirulipa – filho do deputado federal Tiririca (PL-SP) – foi expulso da festa após ser acusado de assediar sexualmente a influenciadora Nicole Louise durante um jogo.

Tirulipa teria puxado o bíquini de Louise quando os dois faziam uma dinâmica em uma banheira. O comediante não se manifestou sobre o episódio.

O mercado influencer no Brasil

O mercado de influencers surgiu na década de 2010, com a massificação do uso de redes sociais. São pessoas – em sua maior parte inicialmente desconhecidas – que começam a compartilhar publicamente algum aspecto de sua vida e logo passam a ser vistas por milhares ou milhões de pessoas.

Com o aumento na visibilidade, atraem a atenção de anunciantes e passam a vender conteúdo publicitário em seus perfis e páginas. Se no início da popularização das redes a ascensão de alguns perfis acontecia de forma mais orgânica e amadora, com o tempo isso deu lugar a um mercado robusto. Existem ferramentas, cursos e técnicas para se tornar um influenciador, que se tornou um trabalho almejado por mais e mais pessoas.

Há pelo menos dois projetos de lei no Congresso que tentam reconhecer e regulamentar a profissão de influenciador digital no Brasil. O mais recente é de autoria do deputado Alexandre Frota (Pros-SP), apresentado no dia 23 de maio, definindo como influencer toda pessoa que “se utiliza das redes sociais para produzir, apresentar e divulgar vídeos por qualquer plataforma digital”.

505 mil

é o número de influenciadores no Brasil que contam com mais de 10 mil seguidores e vendem publicidade, segundo pesquisa da Nielsen divulgada em maio

39%

é o percentual de brasileiros que diz acompanhar pelo menos um influenciador com frequência, de acordo com o levantamento da Nielsen

Em 2021, o mercado de publicidade investiu R$ 1,43 bilhão em campanhas capitaneadas por influenciadores a nível nacional. Os dados são do Conselho Executivo das Normas-Padrão), entidade que reúne os principais anunciantes, veículos de comunicação e agências publicitárias do país.

Dentro do universo dos influenciadores, aqueles que dedicam conteúdo a estilo de vida – moda, bem-estar, autoconhecimento, lazer, etc – são os que acumulam mais público e mais dinheiro. Dos 30 influencers mais populares do Brasil, 18 se encaixam nesse segmento , segundo pesquisa da agência Nexxt PR divulgada em abril. Gkay faz parte da lista.

A cultura dos influencers fez mudar também os sonhos profissionais de crianças e adolescentes. Pesquisa da empresa Innova divulgada em março mostrou que 75% dos brasileiros de 8 a 23 anos querem trabalhar como influenciadores digitais. Ideias como ser astronauta ou médico deram espaço para a comunicação digital.

Cultura do consumo

De acordo com José Luiz Aidar Prado, doutor em comunicação e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, apesar da popularidade, há um efeito danoso dos influencers no público.

Segundo ele, o trabalho dos influenciadores ajuda a construir uma “perversão na cultura de consumo” , com uma “promessa de prazeres sem fim”, que é mantida com um ar “limpo” de positividade e relaxamento.

“O resultado é uma sociedade na qual todos internalizam as leis do mercado para satisfazer seus desejos e se desconectam de outros sujeitos”, disse em artigo publicado em 2019. “A cultura atual convoca o público a ir atrás de figuras-chaves que promovem o sucesso, dinheiro, felicidade e prazer. Para isso, o consumidor precisa aceitar certos códigos midiáticos vindos das plataformas tecnológicas para saber o que fazer, como fazer e do que gostar.”

Na visão de Todd McGowan, cientista social e professor da Universidade de Vermont, nos EUA, a economia dos influenciadores reforça estruturas de opressão tradicionais do capitalismo.

“Há uma imitação de nossas estruturas de desejo que esconde os traumas que o sistema nos causa. Esse modelo nos aprisiona em uma satisfação incompleta, que nos compele a sempre ir atrás do novo, do melhor e de mais”, escreveu no livro “Capitalismo e Desejo” (inédito no Brasil), de 2016.

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