O impacto da aprovação da PEC da Transição em 4 eixos
Marcelo Roubicek
22 de dezembro de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h52)Emenda é promulgada após quase dois meses de articulação. Texto que garante verba para programas sociais em 2023 foi alvo de negociações intensas entre o novo governo Lula e o Congresso
Senadores em sessão que votou a PEC da Transição
O Congresso Nacional promulgou na quarta-feira (21) a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado . O rito encerrou um período de quase dois meses de articulação da PEC.
A PEC da Transição foi proposta pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para garantir o cumprimento de promessas de campanha, sobretudo na área social. O processo de aprovação envolveu negociações entre a equipe de Lula e o Congresso, decisões do Supremo Tribunal Federal e reações de agentes do mercado financeiro.
Neste texto, o Nexo mostra os principais pontos da PEC da Transição e explica o saldo da aprovação.
A PEC da Transição eleva em 2023 o limite do teto de gastos, a regra que restringe as despesas da União a um nível pré-determinado. Na prática, isso significa que a norma será driblada – isso aconteceu em diversas ocasiões no governo de Jair Bolsonaro.
R$ 145 bilhões
é o tamanho da elevação do teto de gastos em 2023
A PEC também permite alguns gastos por fora do teto, incluindo R$ 23 bilhões ainda em 2022. O texto ainda prevê outros pontos , como retirar do teto doações feitas para políticas ambientais do governo e também receitas próprias obtidas por universidades.
Na prática, a PEC viabiliza a manutenção do Bolsa Família em R$ 600, mais R$ 150 por criança de até 6 anos. A medida também permite a recomposição de investimentos e de programas como Farmácia Popular e Casa Verde Amarela .
1 ano
é o período de validade da PEC aprovada pelo Congresso
Abaixo, o Nexo mostra o saldo da aprovação da PEC da Transição em 4 eixos: social, econômico, orçamentário e político.
O principal ponto da PEC é a viabilização da manutenção do benefício do Bolsa Família em R$ 600 em 2023. No Orçamento enviado por Bolsonaro ao Congresso, a projeção era de que as parcelas voltassem ao piso de R$ 400. O governo Lula também passará a distribuir um benefício de R$ 150 por criança de até seis anos em famílias inseridas no programa.
O Bolsa Família – programa que em 2021 e 2022 se chamou Auxílio Brasil – é parte central da estratégia de Lula para o combate à miséria no Brasil. Tanto a fome quanto a pobreza explodiram no país em 2021 e 2022, como consequência da grave crise causada pela pandemia de covid-19.
62,5 milhões
era o número de pessoas em situação de pobreza no Brasil em 2021, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
17,9 milhões
era o número de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil em 2021, de acordo com o IBGE
33,1 milhões
era o número de pessoas passando fome no Brasil no início de 2022, segundo a Rede Penssan
Especialistas em políticas públicas apontam que, após garantir verba para manter o benefício em R$ 600, a nova administração de Lula terá também pela frente o desafio de corrigir distorções no Cadastro Único , a base de dados do governo federal sobre famílias de baixa renda. Essas distorções, geradas durante o governo Bolsonaro, levam a iniquidades e ineficiências dentro do Bolsa Família.
A PEC da Transição amplia os gastos públicos previstos para 2023. Isso deverá resultar em um estímulo na atividade econômica, com aumento da demanda e um possível reflexo no PIB (Produto Interno Bruto).
Economistas ligados a correntes mais ortodoxas de pensamento e agentes do mercado financeiro demonstraram preocupação, ao longo da tramitação, sobre os efeitos que a PEC terá sobre as contas públicas . A avaliação é que a medida irá aumentar o endividamento do governo.
Esse endividamento deverá aumentar o risco de que o governo não cumpra seus vencimentos com detentores de títulos da dívida pública. Um aumento de risco, por sua vez, se traduz em juros mais altos.
Além disso, o raciocínio de muitos economistas é que a expansão fiscal poderá levar a uma fuga de investidores, gerando um aumento na cotação do dólar no Brasil – o que alimentaria ainda mais a inflação, principalmente de produtos importados, como alimentos. Um aumento de juros e inflação seria negativo para a população , sobretudo aquela de mais baixa renda.
Consumidores fazem compras em rua comercial de São Paulo
“Você pode até ter um efeito sobre o crescimento, ao estimular a demanda e o consumo das famílias num primeiro momento”, disse ao Nexo o economista Daniel Couri, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), em entrevista publicada na segunda-feira (19). “Mas, certamente, um desajuste fiscal que eventualmente surja desse aumento do deficit vai ter consequências no médio prazo, como por exemplo a exigência de juros mais altos para rolagem da dívida, que no final das contas, vai prejudicar também os mais pobres”, afirmou.
A PEC da Transição foi articulada justamente para que o teto de gastos não fosse um impedimento para a manutenção do Bolsa Família em R$ 600. Mas a regra não deve continuar após 2023.
Durante o governo Bolsonaro, o teto de gastos foi driblado em diversas ocasiões , com furos na casa das centenas de bilhões. Economistas amplamente consideram que o teto perdeu sua credibilidade e será necessário substituí-lo com outra regra – e a própria PEC prevê isso ao dizer que o novo governo precisará encaminhar até 31 de agosto de 2023 uma nova proposta de regra fiscal “com objetivo de instituir regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico”.
Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil
A PEC também reflete a decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou inconstitucional o orçamento secreto e derrubou o esquema. Além de mexer nos arranjos políticos entre Executivo e Congresso, a decisão fez com que os R$ 19,4 bilhões previstos para emendas do relator – pelas quais o orçamento secreto era operado – ficassem sem destinação em 2023.
O rateio desse dinheiro foi inserido dentro da própria PEC da Transição. Metade do dinheiro (R$ 9,7 bilhões) foi encaminhado para emendas individuais, pelas quais cada parlamentar pode alocar uma certa quantia a locais e projetos específicos. A outra metade será alocada aos ministérios, mas ficará sob indicação do relator-geral do Orçamento, o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
Ao Nexo , o economista Gil Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas, disse que os problemas de transparência do orçamento secreto não foram solucionados com as mudanças promovidas no arranjo da PEC da Transição. “Me parece que as emendas de relator vão continuar a existir. O Executivo vai fazer propostas, mas quem vai bater o martelo será exatamente o relator-geral. É tudo muito parecido com o que já acontecia”, afirmou, sobre a parte da verba que ficará sob gestão do relator.
A tramitação da PEC do Orçamento foi o primeiro teste do novo governo Lula em sua relação com o Congresso. A aprovação do texto foi uma vitória para o petista na medida em que abriu caminho para o cumprimento de algumas das mais importantes promessas de campanha: a manutenção dos R$ 600 no Bolsa Família, a criação do benefício extra de R$ 150 por criança em famílias de baixa renda e a recomposição da verba de investimentos e programas como Farmácia Popular e Casa Verde Amarela .
Para conseguir aval no Congresso, a equipe de Lula precisou negociar com o centrão – bloco que compôs a base de Bolsonaro e que é liderado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Essa necessidade de contar com votos do grupo poderá se manter ao longo de todo o mandato do petista.
Luiz Inácio Lula da Silva (à esq.) cumprimenta Arthur Lira (ao centro) e Rodrigo Pacheco (à dir.) em evento em Brasília
Na articulação da PEC articulação, o PT aceitou reduzir o prazo da PEC de quatro anos para um ano, algo desejado pelo centrão. Isso significa que o governo possivelmente precisará aprovar um novo texto para garantir o Orçamento de programas sociais em 2024, o que envolve outro capítulo de negociação com parlamentares.
A negociação também envolveu o rateio da verba do orçamento secreto, mas com manutenção de uma parte da verba sob indicação do relator do Orçamento. Na visão de Castello Branco, da Associação Contas Abertas, o novo arranjo não muda a possibilidade de que a execução orçamentária seja usada como instrumento de barganha política .
Por fim, a articulação da PEC da Transição também passou por outros temas, como a eleição para a presidência da Câmara em 2023 – em que o PT irá apoiar Lira – e a distribuição de cargos no gabinete ministerial do novo governo.
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