Expresso

O que o governo federal propõe para evitar novos desastres 

Mariana Vick

24 de fevereiro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h19)

Após deslizamentos com dezenas de mortos no litoral norte de São Paulo, ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, apresenta medidas emergenciais. Ambientalistas avaliam plano

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FOTO: ROOSEVELT CASSIO/REUTERS – 23.FEV.2022

Mulher com camisa laranja da Defesa Civil caminha por uma rua íngreme e olha para as casas ao lado. A câmera a fotografa de costas. À direita, há uma bicicleta apoiada em uma das casas totalmente coberta por lama.

Voluntária verifica casas danificadas após deslizamentos em São Sebastião (SP)

Depois dos temporais que causaram um desastre no litoral norte de São Paulo no Carnaval, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, passou a defender a possibilidade de decretar estado de emergência de forma antecipada em áreas de risco no país.

A proposta busca evitar novas tragédias como a paulista no contexto da mudança climática, que torna os chamados eventos climáticos extremos mais intensos e frequentes. O quadro impõe desafios para as cidades brasileiras, que, em geral, não estão preparadas para o novo cenário do clima.

O Nexo explica o que há na proposta de Marina Silva, quem ela busca contemplar e quais são os desafios para implementá-la, caso ela se torne uma política pública. Mostra também as inspirações para o plano e casos bem-sucedidos de medidas contra desastres em outros países.

O que há na proposta do governo

Marina Silva falou pela primeira vez na proposta de decretar emergência em áreas de risco em uma visita na terça-feira (21) ao Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), no Ministério da Ciência e Tecnologia, junto com a chefe da pasta, Luciana Santos.

Segundo o que já se sabe sobre a proposta, que Marina explicou em entrevistas à imprensa, o governo quer decretar emergência em cidades e bairros que concentram populações em áreas de risco para que eles tenham acesso facilitado à ajuda para evitar danos causados por eventos climáticos extremos, como:

  • recursos para obras de infraestrutura e recuperação de matas ciliares (que ficam próximas de corpos d’água, como rios)
  • criação de planos de defesa civil locais contra eventos extremos
  • educação da população para riscos climáticos
  • reassentamento de moradores de áreas vulneráveis, caso não seja possível protegê-los

A proposta também inclui revisar planos diretores e códigos de obras das cidades, criar uma legislação sobre contratos públicos mais ágil que a Lei de Licitações atual, adotar medidas para responsabilizar judicialmente a descontinuidade de obras de prevenção e criar uma linha orçamentária específica para adaptação climática.

“Existe linha orçamentária para o Minha Casa, Minha Vida e para saneamento. Teria de ter uma para adaptação, onde os parlamentares pudessem botar emendas ”, disse Marina na terça (21). Segundo ela, deve haver um seminário no governo para discutir essas medidas e desenhar um plano, mas o evento ainda não tem data marcada.

Quem a proposta busca atingir

Caso se transforme em política pública, a proposta deve atingir 1.038 municípios. Segundo estudo do Cemaden feito em 2018 com base em dados do Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais de 8,2 milhões de pessoas viviam em áreas de risco no país no início daquela década.

10 milhões

é a quantidade estimada de pessoas que vivem em áreas de risco hoje, com a previsão de dados populacionais no novo Censo

Entre essas pessoas, mais de 2,5 milhões vivem em 825 municípios considerados ainda mais vulneráveis, segundo o Cemaden. Grande parte deles está nas regiões Sudeste e Nordeste, e inclui capitais como Salvador (BA), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE).

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 22.FEV.2023

Pessoas usando roupas camufladas, boné e máscara carregam um corpo, que está coberto. Ao redor deles, há muita lama e escombros de casas destruídas.

Pessoas carregam corpo de mulher que morreu em desastre em São Sebastião (SP)

Esses dados foram obtidos a partir de monitoramento do órgão, que acompanha a situação de municípios com histórico de desastres e mapeia as áreas de mais risco. Da mesma forma que o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) faz com o desmatamento , o Cemaden emite alertas para as prefeituras quando há previsão de desastres.

Segundo Marina, aliás, a proposta de decretar emergência para áreas de risco é inspirada no PPCDam (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), política pública criada em 2004 que, a partir dos dados do Inpe, definiu uma lista de municípios onde havia mais desmatamento e implementou neles ações específicas para combater o problema.

Qual a repercussão da proposta

O plano cogitado pela ministra divide ambientalistas. Para Marcio Astrini, secretário-executivo da rede de organizações Observatório do Clima, ainda é cedo para avaliar a proposta, já que ela ainda deve ser desenhada. Apesar disso, ela passa uma mensagem positiva:

“[A proposta] dá um novo tipo de atenção para as populações vulneráveis aos extremos climáticos. Coloca um zoom sobre esses grupos. Adiciona uma perspectiva de risco”

Márcio Astrini

secretário-executivo do Observatório do Clima, em entrevista ao Nexo

Segundo ele, esse problema deveria estar há anos no foco das políticas do governo federal, dada a vulnerabilidade do Brasil a desastres, mas, até agora, vem sendo negligenciado. Em 2016, o país lançou um plano nacional de adaptação à mudança do clima, mas suas orientações não se concretizaram.

R$ 1,17 bilhão

é a verba do governo federal em 2023 para prevenir e combater desastres naturais; valor é o menor em 14 anos

Rodrigo Perpétuo, secretário Executivo da associação Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade) na América do Sul, não vê a proposta de Marina da mesma forma. Para ele, apesar de bem-intencionadas, as medidas divulgadas pela ministra parecem ser inviáveis.

“Me parece improvável declarar estado de emergência em apenas alguns pedaços das cidades [como a ministra propõe em alguns casos]”, disse ao Nexo . “Também há uma questão técnica. O governo não vai encontrar nos municípios projetos de obras nem mapeamento de riscos, porque eles não têm condições técnicas para isso.”

FOTO: AMANDA PEROBELLI /REUTERS 21.02.2022

Imagem aérea mostra deslizamento de terra na cidade de São Sebastião. Várias casas estão destruídas com lama e vegetação no entorno

Deslizamentos em São Sebastião, cidade no litoral norte de São Paulo

Perpétuo disse que, antes de facilitar o acesso a recursos, o governo deve levantar os riscos e as necessidades de cada cidade brasileira. Astrini, apesar de não considerar a proposta de Marina inviável, também disse que a União deve trabalhar ao lado dos municípios para capacitar o poder público e a população contra desastres.

Quais são os modelos possíveis

Tanto Astrini quanto Perpétuo disseram ao Nexo que o modelo do Japão usado para evitar desastres causados por terremotos pode servir de exemplo para o Brasil combater eventos climáticos extremos, mesmo que, no caso dos japoneses, os desastres não sejam causados pela mudança climática.

Entre as medidas adotadas pelo país, estão a construção de edificações e meios de transporte resistentes a desastres, sistemas de alerta por meio de alto-falantes e celulares para avisar à população sobre novos riscos e ações de educação e treinamento para todos, não só o poder público.

Perpétuo também citou o exemplo da Colômbia, que, no contexto da mudança climática, tem incentivado com recursos financeiros a implementação de planos de conservação da biodiversidade nos municípios. Segundo ele, as medidas ambientais adotadas são associadas à política urbana local, o que ele também considera importante no Brasil:

“A política de adaptação [ao clima] brasileira só será eficaz com um programa nacional de política habitacional. As pessoas mais afetadas [pelos extremos climáticos] são as que vivem em habitações informais nas cidades”

Rodrigo Perpétuo

secretário-executivo do Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade) na América do Sul, em entrevista ao Nexo

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