Qual a viabilidade de um orçamento participativo federal
Marcelo Roubicek
12 de março de 2023(atualizado 28/12/2023 às 17h22)Promessa de Lula para o novo mandato foi bandeira importante de gestões municipais do PT a partir dos anos 1980. Pesquisadores da área falam ao ‘Nexo’ sobre os obstáculos e benefícios do modelo
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Luiz Inácio Lula da Silva e Simone Tebet durante evento do governo de transição
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs durante a campanha eleitoral de 2022 que o orçamento participativo fosse adotado a nível federal. O petista colocava esse modelo como um contraponto ao orçamento secreto , esquema pelo qual os parlamentares, usando emendas como moeda de troca junto ao Executivo , indicavam de forma pouco transparente o destino de verba do governo federal.
Em 2023, o Ministério do Planejamento e Orçamento, comandado por Simone Tebet, articula para tirar a proposta do papel .
Neste texto, o Nexo explica o que é o orçamento participativo e detalha o que está sendo sinalizado pelo governo Lula. Também ouve pesquisadores do tema para entender as principais dificuldades e benefícios que podem vir da adoção desse modelo.
O orçamento é participativo quando os cidadãos podem propor, decidir e monitorar a alocação de recursos públicos a partir do que identificam como necessidades coletivas. Essa é uma forma não apenas de influenciar a escolha de prioridades da gestão, mas também de conhecer melhor a gestão financeira da administração local.
Há diferentes formas e modelos de participação no Orçamento. A mais comum na experiência brasileira é a separação de uma parte da verba para que os cidadãos — geralmente via representantes de determinados grupos, chamados de delegados — decidam sobre como o dinheiro será empregado.
Moeda de um real sobre notas de diferentes valores
O orçamento participativo difere de outras formas de participação política direta — como audiências e conselhos — por dois motivos principais. O primeiro é que a decisão do orçamento participativo tem um caminho mais direto até a implementação. Se aprovado pelo Legislativo como parte da lei orçamentária anual, um projeto decidido pelos cidadãos depende apenas da execução orçamentária para sair do papel.
Além disso, trata-se de uma experiência que lida diretamente com o processo de planejamento e alocação do dinheiro público. Diversos estudos sobre esse tipo de participação social mostram que, com mais familiaridade com as contas públicas, os cidadãos tendem a cobrar mais resultados da administração, que, por sua vez, tende a aprimorar seus instrumentos de planejamento e de gestão.
A história do orçamento participativo no Brasil é concentrada em governos municipais.
A primeira experiência com maior reconhecimento aconteceu em 1989, na prefeitura de Porto Alegre, na gestão de Olívio Dutra (PT). Depois disso, o modelo começou a se disseminar pelo Brasil. Em meados dos anos 2000, mais de 200 municípios, que juntos abarcavam aproximadamente 30% da população brasileira, já haviam tido alguma experiência de orçamento participativo.
Em entrevista ao Nexo em outubro de 2022, entre os dois turnos da eleição presidencial, o sociólogo Celso Rocha de Barros disse que a adoção do orçamento participativo foi uma marca das gestões municipais do PT durante o período de crescimento do partido nos anos 1980 e 1990.
Lula discursa no 1º Congresso Nacional do PT, em 1991
Mas esse modelo de participação não ficou restrito à esquerda, tendo sido adotada também em municípios governados por partidos de direita . Ao longo dos anos, cidades como São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e Salvador tiveram experiências de orçamento participativo. Houve também algumas poucas experiências estaduais, como no Rio Grande do Sul.
Em 2023, no entanto, a quantidade de municípios que adotam o modelo participativo de orçamento é mais baixa do que em outros momentos.
“No Brasil, nos últimos anos, essa experiência, que foi muito bem sucedida, acabou que perdeu um pouco o fôlego”, disse ao Nexo Luciana Martins de Souza, professora do departamento de ciências sociais da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e vice-coordenadora do Núcleo Participação e Democracia.
“Próximo do impeachment de Dilma [Rousseff], o número de orçamentos participativos pelo país foi diminuindo. Até porque o PT começou a investir em outras formas de participação, como os conselhos”, afirmou ao Nexo Rafael Cardoso Sampaio, professor de ciência política da UFPR e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital. “O Brasil criou e era referência nos orçamentos participativos, mas agora tem poucas experiências”, disse.
A experiência brasileira teve repercussão positiva no exterior, se transformando em referência de gestão e governança. A adoção em outros países foi incentivada por órgãos internacionais como o Banco Mundial e a ONU (Organização das Nações Unidas).
“[Os órgãos internacionais] começaram a incentivar que o orçamento participativo fosse para outros lugares, principalmente para a África. Quando começa esse processo, ele vai se espalhando também para América Latina e para Europa”, disse Sampaio.
Mas mesmo no exterior, as experiências ficaram mais restritas ao nível local ou regional. “Em nível federal, ainda é uma coisa bem rara. Pouquíssimos países pelo mundo tentaram fazer, justamente pela complexidade”, disse Sampaio. O professor citou Portugal e Rússia como alguns países que tentaram iniciativas do tipo.
Para Souza, da UFES, uma das dificuldades centrais de pensar o orçamento participativo a nível federal é justamente a escala da operação. “É complicado pensar, num país tão grande como o Brasil, com tantas diferenças regionais, em unificar todos esses interesses. É um desafio muito grande”, disse.
“Do ponto de vista municipal, você está lidando com uma parcela pequena do orçamento com uma população pequena. Mesmo em cidades maiores, como São Paulo, é difícil conciliar as diferentes questões”, afirmou.
Outra dificuldade citada pela professora diz respeito à necessidade de costurar diversos acordos políticos para implementar o orçamento participativo a nível federal. O raciocínio é que o Orçamento também interessa aos parlamentares — que precisam aprovar a peça orçamentária — e aos estados e municípios, que implementam muitas das políticas decididas no processo de elaboração orçamentária.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em debate da TV Globo
“A ideia de orçamento participativo é muito usada na arena eleitoral. É o que Lula fez, de tentar uma aliança com a sociedade civil e mostrar que vai governar junto com ela. Mas, para implementar o orçamento participativo, não basta negociar com a sociedade civil. Você precisa negociar com governadores, com o Legislativo. O Orçamento é muito complexo”, disse Souza.
Sampaio, da UFPR, também elencou diversos outros obstáculos em levar o modelo participativo ao nível federal. Alguns deles são:
A promessa de um orçamento participativo foi feita por Lula ao longo da campanha eleitoral de 2022. Ele contrapôs esse modelo ao orçamento secreto.
“Vamos pegar o Orçamento e mandar para o povo dar opinião, para saber o que ele quer efetivamente que seja feito, para ver se a gente consegue diminuir o poder de sequestro que o centrão fez”
A sinalização do governo em 2023 é de que o modelo participativo não será adotado no orçamento em si — cujo nome oficial é LOA (Lei Orçamentária Anual). O modelo será adotado no chamado PPA (Plano Plurianual).
O PPA estabelece linhas gerais de atuação e gastos prioritários para os próximos quatro anos. Ou seja, ele dá diretrizes e metas para as despesas do governo federal no período equivalente a um mandato.
O PPA é elaborado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso no primeiro ano de cada mandato presidencial. Ou seja, em 2023, será proposto pelo governo Lula em referência ao período de 2024 a 2027. Em 2019, o Congresso aprovou o plano referente ao período entre 2020 e 2023.
Visão geral do plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília
O modelo participativo no PPA e não no Orçamento em si significa que o governo não adotará o modelo clássico de orçamento participativo, em que os cidadãos têm direito a decidir sobre a alocação de parte pré-determinada da verba pública. A participação será relativa às diretrizes que orientam o gasto.
“O PPA é como se fosse um programa de governo, com diretrizes. Acho que a ideia do governo, embora se chame orçamento participativo, é ter um programa de governo com participação, eleger as prioridades de acordo com a participação”, disse Souza, da UFES, ao Nexo . “O ponto negativo é a concretude disso: o que do PPA vai ser realizado?”, afirmou a pesquisadora.
“Talvez você não vá decidir sobre uma coisa tão direta, como se vai ter um hospital ou um viaduto em determinado local. Talvez seja uma coisa um pouco mais ampla: para esta região, [o dinheiro] vai ser [usado para] infraestrutura ou saúde?”, disse Sampaio da UFPR. Mas o professor disse que isso não diminui a iniciativa: “Mesmo se for com o PPA, a efetividade ainda é alta. Porque o plano restringe bastante como o governo pode gastar”.
Luciana Martins de Souza disse que, mesmo que as decisões tomadas pelos cidadãos em um PPA participativo não saiam todas do papel, o processo de maior envolvimento das pessoas é importante. “Mesmo que não tenha uma execução de 100% da decisão participativo, se houver um envolvimento da população e das organizações, o aprendizado dessa experiência é muito importante”, afirmou a professora da UFES.
O aprendizado diz respeito à compreensão de como funciona o setor público e o processo de implementação das políticas públicas no país. A pesquisadora também falou sobre a importância de “a população ser ouvida”. A ideia é que isso ajuda também a fortalecer a democracia brasileira.
Várias moedas de R$ 1 real, dinheiro que circula no Brasil
Para além da questão do aprendizado, Rafael Cardoso Sampaio também disse que se o Brasil for bem sucedido na adoção de um modelo participativo a nível federal, será o primeiro país do mundo a conseguir isso nessa escala. “Se for bem construído, vira uma agenda muito positiva, tanto interna quanto externa”.
Além disso, a necessidade de desenvolvimento de uma plataforma para participação dos cidadãos pode trazer resultados muito positivos, na avaliação do professor. “Em algum nível, [a participação] vai ter que ser digital, por causa do tamanho do Brasil”, disse. E o desenvolvimento da plataforma “pode ter um efeito indutor da inovação digital, tanto dentro quanto fora do governo”, afirmou.
Por fim, ele disse que um caso bem sucedido a nível federal poderia incentivar novas experiências em estados e municípios. “Não é fácil, mas pode virar um bom exemplo. Se bem sucedido, isso pode começar a desenvolver uma cultura participativa digital”.
Em um evento em 6 de março de 2023, a secretária de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento, Leany Lemos, disse que “vamos ter um momento em abril e maio em que faremos fóruns regionais . Vamos viajar o Brasil, haverá uma plataforma para a captura de sugestões, para a priorização de programas”.
O governo ainda não divulgou detalhes de como a participação vai funcionar, mas a operação deve ser de responsabilidade da Secretaria Nacional de Participação Social, ligada à Secretaria-Geral da Presidência da República.
A ideia é que a fase de participação do PPA aconteça entre abril e julho de 2023. Uma das frentes de participação acontecerá via conselhos nacionais , que são colegiados setoriais que contam com representantes do governo e da sociedade civil. Deverão ocorrer três fóruns em que esses conselhos poderão trazer propostas para o PPA.
Além disso, os cidadãos que não integram nenhum conselho também poderão participar em duas frentes. Uma delas será presencial, em plenárias regionais — não há detalhes sobre onde e quando ocorrerão. Outra frente será via uma consulta digital, em uma plataforma que ainda está sendo desenvolvida pelo governo.
A fase de participação deve se encerrar em julho. As sugestões serão consolidadas até agosto — o PPA precisa ser entregue pelo Executivo ao Congresso até o dia 31 de agosto .
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