Expresso

Por que o desmatamento cai na Amazônia e cresce no Cerrado 

Mariana Vick

09 de julho de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h04)

Dados do Inpe mostram diferença de comportamento de derrubada de vegetação nos dois maiores biomas do Brasil no primeiro semestre de 2023. O ‘Nexo’ conversou com uma pesquisadora sobre o tema

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FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 28.JUL.2021

Terra desmatada faz fronteira com área coberta pela vegetação

Imagem aérea das franjas da Amazônia, no Mato Grosso

A queda do desmatamento na Amazônia no primeiro semestre de 2023 indica uma tendência relevante de redução da atividade depois de anos de crescimento no governo de Jair Bolsonaro. A alta de desmatamento no Cerrado, no entanto, mostra que ainda há desafios para a preservação de florestas no Brasil.

Os dados são do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e foram divulgados na quinta-feira (6) pelo Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima.

33,6%

foi quanto o desmatamento na Amazônia caiu no primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período em 2022

21%

foi quanto o desmatamento no Cerrado cresceu no primeiro semestre de 2023, em comparação com o mesmo período em 2022

A Amazônia e o Cerrado são os dois maiores biomas do Brasil. Ocupam juntos mais de 73% do território nacional, com uma rica diversidade de espécies e papel importante na oferta de água e no combate à mudança climática . Apesar do otimismo quanto à queda no desmatamento na Amazônia, os dados no Cerrado preocupam governo e sociedade civil.

Mapa com biomas do Brasil. São a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal.

Neste texto, o Nexo explica o que aconteceu na Amazônia e no Cerrado no primeiro semestre de 2023 e quais as causas para a queda e a alta do desmatamento. Mostra também por que é preocupante que os índices sigam crescendo no Cerrado e o que é preciso fazer para reverter a derrubada de florestas.

O que aconteceu na Amazônia

Os dados divulgados na quinta (6) mostram que a área desmatada na Amazônia entre janeiro e junho de 2023 foi de 2.649 km², o que equivale a quase duas vezes a cidade de Teresina (PI). Os números são preliminares. A fonte é o Deter, sistema do Inpe que monitora o bioma por satélite em tempo real e produz alertas para órgãos ambientais.

Em queda

Gráfico de barras mostra desmatamento na Amazônia nos primeiros semestres de 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023.

O estado que mais registrou alertas de desmatamento no primeiro semestre foi o Mato Grosso, com 34,2% da área mapeada pelo Deter. O lugar superou o Amazonas e o Pará, que no primeiro semestre de 2022 eram os campeões de alertas. O Amazonas, por outro lado, teve uma queda de 55% do desmate entre um período e outro.

Por estado

Gráfico de linhas mostra desmatamento nos estados da Amazônia entre os primeiros semestres de 2022 e 2023.

A queda no desmatamento é atribuída à retomada do PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia) e a ações de órgãos ambientais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A autarquia havia perdido capacidade no governo de Jair Bolsonaro. Em 2023, voltou a atuar de forma expressiva.

“O governo federal tem dado um sinal claro, desde o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] até a ministra [Marina Silva] e o presidente do Ibama [Rodrigo Agostinho], pela redução do desmatamento, e até mesmo pelo desmatamento zero”, disse ao Nexo Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). “mas eles não pararam só no sinal. Várias iniciativas de comando e controle estão sendo colocadas.”

166%

foi o aumento dos autos de infração do governo federal no primeiro semestre de 2023 na comparação com a média para o mesmo período nos quatro anos anteriores

111%

foi o aumento dos embargos (a proibição de utilização de áreas desmatadas ilegalmente) no primeiro semestre de 2023 na comparação com a média para o mesmo período nos quatro anos anteriores

167%

foi o aumento das multas ambientais no primeiro semestre de 2023 na comparação com a média para o mesmo período nos quatro anos anteriores

O que aconteceu no Cerrado

Os dados do Deter mostram que a área acumulada de alertas de desmatamento no Cerrado foi de 4.408 km² entre janeiro e junho de 2023. O valor é um pouco maior que o da extensão de Cuiabá (MT). Os números superaram o recorde anterior, de 2018, quando 3.774 km² foram devastados nos seis primeiros meses do ano.

Em alta

Gráfico de barras mostra desmatamento no Cerrado nos primeiros semestres de 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023.

Mais de 80% do desmate está concentrado nos estados do chamado Matopiba: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A Bahia é a campeã, concentrando 28,9% da área devastada em todo o Cerrado. O Matopiba é uma região conhecida como a nova fronteira agrícola do Brasil, pelos saltos na produção que registrou nas décadas recentes.

Principais estados

Gráfico de linhas mostra desmatamento nos estados do Cerrado entre os primeiros semestres de 2022 e 2023.

A diferença de desmatamento entre Amazônia e Cerrado se deve a distinções na legislação ambiental brasileira. Quem tem uma propriedade rural no Cerrado pode desmatar uma área maior do que quem produz na Amazônia, segundo o novo Código Florestal, lei sancionada em 2012.

Os dados do Inpe não fazem distinção entre desmatamento legal e ilegal. Para o governo, porém, faz muita diferença lidar com os dois tipos de atividade. Enquanto o desmatamento criminoso pode ser reprimido por órgãos como o Ibama, o legal não é atingido por esse tipo de ação. É por isso que as ações atuais do governo podem não estar fazendo diferença no Cerrado, onde há mais chances de o desmatamento registrado ser permitido, segundo Alencar.

O que diz o Código Florestal

Amazônia

A lei diz que propriedades rurais em áreas de florestas em qualquer estado da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) devem preservar, no mínimo, 80% de sua vegetação. Os 20% restantes podem ser desmatados. Caso o produtor ultrapasse esse valor, o desmate é considerado ilegal.

Cerrado na Amazônia Legal

A lei diz que propriedades rurais em áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal devem preservar, no mínimo, 35% de sua vegetação. Para entender a regra, é preciso saber a diferença entre a Amazônia (bioma) e a Amazônia Legal (região administrativa). Há estados da Amazônia Legal que abrigam biomas que não a Amazônia, como o Mato Grosso e o Tocantins, que incluem também o Cerrado.

Cerrado no resto do país

A lei diz que propriedades rurais fora da Amazônia Legal — não importa o tipo de bioma — devem preservar, no mínimo, 20% de sua vegetação. Com isso, estados como a Bahia e o Piauí têm muito mais margem para desmatar dentro da lei do que lugares como Amazonas, Pará, Mato Grosso e Tocantins.

O que preocupa na alta no Cerrado

A alta do desmate no Cerrado preocupa por causa de sua importância ambiental. O bioma é considerado a savana mais rica do mundo, com grande diversidade de plantas e animais. Abriga nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul (parte da Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata) e está numa região de grandes aquíferos (Guarani e Bambuí).

A área também tem grande importância econômica. Estão no Cerrado alguns dos estados líderes do agronegócio brasileiro, como o Mato Grosso, o Mato Grosso do Sul e os estados do Matopiba. Além disso, a produção de água no bioma ajuda a abastecer bacias hidrográficas de todo o Brasil.

FOTO: ANDRE BORGES/AGÊNCIA BRASÍLIA

Um tucano está pousado sobre uma árvore. Os galhos da árvore são tortuosos e não têm folhas. Ao fundo, há um céu muito azul.

O tucano, ave típica do Cerrado, sobre uma árvore

O Cerrado está entre os biomas brasileiros que mais sofreram alterações com a ocupação humana. Estima-se que ele tenha perdido 50% de sua vegetação original desde o século 20. O desmatamento no bioma é caracterizado principalmente pela expansão das áreas para agropecuária.

44,6%

das áreas agrícolas do país estavam no Cerrado em 2018, segundo estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Apesar de abrir mais terras para a produção, o desmatamento pode prejudicar a economia do bioma, segundo Alencar. O corte de vegetação tende a reduzir a oferta de água na região, essencial para a agricultura. O cenário se agrava em áreas como a do Matopiba, que tendem a ficar mais secas no contexto da mudança climática. “Pode ser que esse parque da produção de grãos que tem se instalado na região se torne inviável em breve”, disse.

O que fazer para revertê-la

Para Alencar, o Cerrado pode continuar a ser um grande produtor do agronegócio sem comprometer o meio ambiente. É preciso, no entanto, adotar medidas que otimizem o uso da terra na região (incentivando, por exemplo, o uso de áreas já degradadas, em vez de derrubar novas florestas). Também é necessário mudar a gestão dos recursos hídricos.

Apenas ações de controle do desmatamento ilegal não são suficientes, segundo ela. “É preciso que haja outros instrumentos para desestimular as pessoas que podem desmatar legalmente de continuar desmatando”, disse. Incentivos econômicos que beneficiem quem preservar áreas verdes podem funcionar nesse caso, por exemplo.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 17.FEV.2018

De costas, um homem anda em uma região com muitas árvores, algumas caídas. Ele usa roupas e boné azuis.

Agricultor anda sobre areia que invadiu área de nascente em fazenda em Barra do Ouro (TO)

Depois de divulgar os dados de desmatamento, o Ministério do Meio Ambiente anunciou medidas que pretende tomar para reverter a tendência de alta. A pasta diz que irá revisar os processos de autorização de desmatamento legal e fazer ações de campo em áreas críticas. As medidas ocorrerão em parceria com os órgãos estaduais.

Para frear o desmatamento ilegal na região, o governo também deve realizar embargos remotos. A ação consiste em proibir a utilização de áreas desmatadas ilegalmente a partir do uso de imagens de satélite. Segundo o ministério, serão embargadas dessa forma propriedades com desmatamento ilegal acima de 0,5 km².

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