Como países incluíram o clima na agenda econômica
Isabela Cruz
25 de agosto de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h06)Experiências estrangeiras e desafios comuns trazem lições e alertas para governo brasileiro, que começou a implementar um plano de transição ecológica
Os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Marina Silva, do Meio Ambiente, em Davos, Suíça
O governo federal relançou na quinta-feira (24) o Fundo Clima , que destina recursos a empreendimentos e estudos voltados ao controle e enfrentamento das mudanças climáticas. Também conseguiu aprovar no Conselho Monetário Nacional novos parâmetros de operação para o fundo e os critérios para que o governo possa oferecer no mercado títulos soberanos sustentáveis .
As medidas começam a dar realidade ao Plano de Transformação Ecológica anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, duas semanas atrás, junto com o lançamento do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). No Legislativo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que dará prioridade à agenda verde do governo , que inclui projetos sobre mercado de carbono , combustíveis sustentáveis e produção offshore de energia eólica.
O movimento busca tirar o atraso do Brasil quanto à tendência internacional de integrar profundamente as agendas econômica e ambiental, diante da crise climática que já se faz presente. As experiências em curso no exterior dão indicativos dos desafios dessa integração e do que pode potencializá-la.
Neste texto, o Nexo mostra as primeiras ações do plano brasileiro e o que já se sabe sobre ele, traça um panorama internacional sobre pacotes dessa natureza e mostra quais lições as experiências estrangeiras podem dar ao Brasil.
Haddad anunciou no dia 11 de agosto o Plano de Transformação Ecológica, mas o governo ainda não detalhou de forma consolidada todas as medidas que planejou. Na quinta (24), novos anúncios esclareceram alguns pontos.
Criado em 2009, no segundo governo Lula, o Fundo Clima foi turbinado. Com as mudanças em suas condições de financiamento aprovadas no conselho monetário, o governo busca criar as condições para garantir um montante inédito ao fundo.
R$ 10 bilhões
é quanto o governo espera captar para o Fundo Clima, segundo a ministra so Meio Ambiente e da Mudança do Clima Marina Silva
Também houve uma ampliação do comitê gestor dos recursos , de forma a restabelecer a participação da sociedade civil que o governo Jair Bolsonaro tinha excluído.
O número de conselheiros, responsáveis pela avaliação dos projetos que buscam financiamento do fundo, cresceu de 12 para 28. A liberação dos recursos cabe ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no caso de recursos reembolsáveis, e uma pequena parte ao Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, comandado por Marina Silva, no caso dos não reembolsáveis.
Para financiar o Fundo Clima e o Plano de Transição Ecológica em geral , o governo também aposta na oferta no exterior de títulos públicos vinculados a compromissos com o meio ambiente, os chamados títulos soberanos verdes.
Com esses papéis, investidores estrangeiros vão receber rendimentos de projetos sustentáveis. A primeira emissão deverá ocorrer até o final de 2023 ou no início de 2024, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
US$ 1 bilhão
(quase R$ 5 bilhões, na cotação atual) deverá ser o valor da primeira emissão dos títulos verdes, segundo o secretário do Tesouro
A transição ecológica ainda deverá abranger uma série de outras iniciativas, de investimentos públicos diretos a incentivos ao investimento privado, como facilitação de linhas de crédito e oferta de subsídios. Rafael Ramalho Dubeux, um dos elaboradores do plano e assessor especial de Haddad, comentou ao jornal Valor Econômico sobre os sete eixos do plano:
US$ 53 bilhões
ou cerca de R$ 264 bilhões poderão entrar na economia brasileira anualmente nos próximos 20 anos, com a chamada bioeconomia, segundo Haddad
217 mil
novos postos de trabalho poderão ser geradas pelo setor nesse período, ainda de acordo com o ministro
Presidente do instituto Talanoa, Natalie Unterstell afirmou ao Nexo que, embora o Brasil já tenha um “acúmulo grande” de políticas climáticas, é a primeira vez que ocorre “um interesse político tão grande em direcionar a política econômica para as questões de desenvolvimento sustentável”.
Apesar disso, a especialista apontou que a expectativa geral era de que o PAC lançado pelo novo governo Lula fosse “mais verde” — e baseado num plano de transição que já estivesse publicado.
Com R$ 1,7 trilhão para investimentos, a maior parte até 2026, o PAC tem 62% de seus recursos para energia destinados a petróleo e gás , ainda que preveja aumento na capacidade de geração por fontes renováveis. A discussão sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas já tinha revelado as tensões dentro do governo entre áreas econômicas e ambientais.
Segundo Unterstell, que tomou posse como integrante do comitê gestor do Fundo Clima na quinta (24), diversos índices internacionais de performance em políticas climáticas mostram que o Brasil “está na lanterna” nessa seara.
A matriz energética brasileira tem destaque no mundo pela alta participação de fontes renováveis. Mas “foram tomadas decisões nos últimos anos que em vez de nos ajudar a completar a transição, na verdade estão fazendo um movimento de fossilização da nossa energia, dando espaço para a energia suja, em detrimento das renováveis”, ela afirmou.
Unterstell se referiu à criação de obrigações à União para a compra de energia de usinas termelétricas a gás natural, no contexto de negociação da privatização da Eletrobras em 2021, e ao programa lançado no mesmo ano pelo governo Jair Bolsonaro para garantir investimentos na indústria de carvão mineral .
Ela avalia, em contrapartida, que agora existe uma janela de oportunidade política para se propor uma transição ecológica no país. Na visão de Unterstell, além de todo o engajamento global nessa direção, o fato de que o Brasil irá presidir, a partir de dezembro, o G-20 (grupo das 20 principais economias do mundo) e receber a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima em 2025 faz aumentar as cobranças internacionais sobre os resultados brasileiros na esfera ambiental.
Além disso, já há “uma base científica muito forte” sobre as relações entre clima e desenvolvimento socioeconômico, destacou Unterstell. Discursos que buscam antagonizar essas duas áreas caíram por terra diante do ganho de competitividade de setores sustentáveis, enquanto os custos de desastres ambientais ficam cada vez maiores.
7 vezes
maiores são os retornos dos investimentos que oferecem as energias limpas, em relação aos combustíveis fósseis
Nesse contexto, planos econômicos dos mais variados países, especialmente os pacotes de recuperação contra a crise gerada pela pandemia de covid-19, passaram a ter o compromisso com a mitigação das mudanças climáticas entre seus pilares.
Ao mesmo tempo, segundo Unterstell, os planos de transição ecológica estão destinando cada vez mais atenção a questões socioeconômicas, o que passa pela realização de consultas a comunidades afetadas e pela elaboração de políticas públicas para o mundo do trabalho. Confira abaixo algumas previsões nesse sentido.
O JETP DA ÁFRICA DO SUL
No final de 2021, África do Sul, Alemanha, França, Reino Unido, EUA e União Europeia lançaram uma Parceria para a Transição Energética Justa (JETP na sigla em inglês), destinando US$ 8,5 bilhões (cerca de R$ 41,5 bilhões) à inflexão da matriz energética do país africano. As medidas passam sobretudo pela substituição de usinas de carvão por energia eólica e solar e, consequentemente, pela realocação de trabalhadores sul-africanos. No entanto, a implementação da parceria, que virou modelo de cooperação internacional na área climática, vem encontrando uma série de obstáculos na pressão política dentro do país.
O IRA DOS EUA
Completando neste mês de agosto um ano desde que foi lançado pelo presidente Joe Biden, o Inflation Reduction Act (Ato de Redução da Inflação) incentiva investimentos em energia mais eficiente e limpa, de modo a reduzir os custos de vida dos americanos. As medidas abarcam desde créditos fiscais para os consumidores que busquem veículos e recursos domésticos mais eficientes a mais de US$ 60 bilhões em créditos fiscais, empréstimos e subsídios para as indústrias vinculadas à energia limpa. Com isso, o IRA já estimulou a criação de 170 mil novos empregos no setor, segundo a iniciativa americana Climate Power.
O PLANO INDUSTRIAL DA EUROPA
No âmbito do Acordo Verde Europeu, criado em 2019 pela União Europeia, a Comissão Europeia apresentou em fevereiro de 2023 um plano industrial que busca facilitar na Europa o acesso de empresas sustentáveis a isenções fiscais e redirecionar dinheiro para indústrias de tecnologia limpa, em resposta à legislação dos Estados Unidos sobre o tema. Um dos pilares do plano é o chamado fortalecimento das competências “verdes” e digitais da mão de obra europeia , de forma que haja pessoal qualificado para lidar com as tecnologias essenciais à transição para uma economia de baixo carbono. As medidas vão desde iniciativas acadêmicas a ofertas de financiamento. Elas intensificam programas nesse sentido que já estão em curso há anos nos países do continente, como é o caso da Alemanha e da Espanha. De 2000 a 2019, os chamados empregos verdes saltaram de 3,2 milhões para 4,5 milhões .
Analisando dados de 2011 a 2021, a Climate Policy Initiative, uma organização com atuação multinacional, elaborou um diagnóstico global sobre o financiamento climático no mundo. Isso inclui iniciativas públicas e privadas.
Segundo o levantamento, publicado no final de 2022, a taxa de crescimento do financiamento climático privado foi mais lenta (4,8%) do que a do setor público (9,1%) , que tem sido “vital” na canalização de financiamento para setores como agricultura e adaptação às mudanças climáticas.
No entanto, os níveis atuais de aumento do investimento verde ainda são insuficientes para o cumprimento das metas climáticas do Acordo de Paris. O documento afirma ser necessário um aumento significativo e progressivo do financiamento climático até 2030.
20%
deverá ser o aumento anual do financiamento climático
Veja abaixo alguns dos fatores que deverão ser considerados nesse processo, segundo a CPI.
FÓSSEIS COMO BARREIRA
O apoio contínuo aos combustíveis fósseis tira recursos de iniciativas mais sustentáveis e voltadas à independência energética dos países. O total dos subsídios aos combustíveis fósseis em 51 dos principais países do mundo foi 40% superior ao investimento global total no financiamento climático entre 2011 e 2020.
PONTOS CEGOS
Com forte apoio do poder público, o setor das energias renováveis se consolidou e se tornou competitivo. Os transportes tiveram grande destaque nesse processo. Mas outros setores, como agricultura, silvicultura, uso dos solos, indústria, saneamento, registram grande atraso no processo de transição. As áreas de adaptação e resiliência às mudanças do clima também estão ficando para trás.
FALTA DE DADOS
A disponibilidade de dados sobre os fluxos financeiros para projetos sustentáveis está melhorando, mas ainda se sabe pouco sobre os resultados dos financiamentos realizados, o que dificulta a tomada de decisões. O deficit informacional é especialmente grave em relação aos recursos do setor privado.
Em artigo publicado em dezembro de 2022, a Climate Policy Initiative detectou, a partir de experiências de diferentes países, formas para potencializar o financiamento público destinado a mobilizar o investimento privado em ações para o clima.
A primeira delas é financiar ações de pré-desenvolvimento dos projetos. Isso porque, embora ações nessa fase normalmente exijam apenas de 3% a 5% do custo total de investimento, elas são as mais arriscadas e portanto as que recebem menos recursos. Por consequência, sem projetos totalmente desenhados para apresentar, as comunidades perdem a oportunidade de receber investimentos privados.
Outro ponto de atenção para esse tipo de política pública, segundo a CPI, deve ser a cooperação entre instituições de financiamento. A ideia é incentivar parcerias para facilitar a padronização de metodologias de gestão e medição de resultados, a descoberta das melhores práticas e até mesmo um acesso compartilhado a especialistas.
Unterstell também considera que experiências bem sucedidas no exterior “inspiram” alguns pontos para um plano de transição ecológica brasileiro:
“Dentre os exemplos mais legais de planos de transição que temos está o da Espanha, onde eles foram para os territórios, negociar nas áreas onde estavam os trabalhadores do carvão — pessoas que vão ser afetadas, que terão de ser reposicionadas, requalificadas, realocadas em indústrias verdes, indústrias do futuro; é assim que um plano ganha vida”, afirmou Unterstell ao Nexo .
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