Expresso

O que os governos devem fazer diante do calor extremo no Brasil

Isadora Rupp

22 de setembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h38)

Termômetros devem marcar mais de 40ºC em nove estados do país. Medidas simples de educação, saúde pública e urbanização podem diminuir o impacto das altas temperaturas 

O Nexo depende de você para financiar seu trabalho e seguir produzindo um jornalismo de qualidade, no qual se pode confiar.Conheça nossos planos de assinatura.Junte-se ao Nexo! Seu apoio é fundamental.

FOTO: EDSON LOPES JR. /SECOM PREFEITURA DE SP 19.09.2022

Operação Altas Temperaturas em São Paulo. Funcionários com uniforme azul da prefeitura estão em uma tenda e distribuem garrafas d' água e frutas. Um homem vestido de camiseta cinza segura uma maçã.

Operação Altas Temperaturas em São Paulo distribui água e frutas para pessoas em situação de rua e vendedores ambulantes

A onda de calor que atinge o Brasil deve chegar ao ápice no final de semana. O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) emitiu alerta vermelho, que significa grande perigo, até domingo (24), com temperaturas que vão ultrapassar os 40°C em estados das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país.

Segundo o Instituto, o fenômeno meteorológico que atinge o Brasil no final do inverno de 2023 traz riscos para a integridade física e até mesmo à vida humana. Por isso, prefeituras e estados adotam medidas de emergência para atender as populações mais vulneráveis, como pessoas em situação de rua.

Neste texto, o Nexo mostra quais são essas iniciativas e lista medidas que os governos devem adotar para lidar com os problemas causados pelo calor extremo.

As ações emergenciais

O alerta vermelho do Inmet é válido até o final do domingo (24). Nove estados estão sob o aviso:

  1. São Paulo (SP)
  2. Rio de Janeiro (RJ)
  3. Minas Gerais (MG)
  4. Paraná (PR)
  5. Mato Grosso (MT)
  6. Mato Grosso do Sul (MS)
  7. Goiás (GO)
  8. Tocantins (TO)
  9. Pará (PA)

Em São Paulo, a prefeitura iniciou a Operação Altas Temperaturas na terça-feira (19), em parceria com o governo do estado, que será mobilizada sempre que os termômetros atingirem 32°C. A Defesa Civil estadual prevê que a capital tenha o dia mais quente da história no sábado (23) e no domingo (24). A previsão é que a temperatura atinja 38°C. Foram instaladas 10 tendas para distribuição de água, frutas e bonés para pessoas em situação de rua e vendedores ambulantes. Os locais também têm espaço pet.

Segundo a prefeitura, a ação também vai reforçar o convencimento das pessoas a procurarem redes de acolhimento. Os abrigos tiveram reforço na compra de ventiladores. Uma ambulância para atendimento a casos de exposição ao calor também vai atender essas tendas.

No Paraná, a Câmara dos Vereadores pediu que a prefeitura de Curitiba mobilize uma ação, a exemplo de São Paulo. Uma das sugestões é dar acesso aos prédios públicos com ar-condicionado e destacar ambulâncias para atender casos de insolação e desidratação.

No Tocantins, a Secretaria de Educação lançou orientações para mitigar problemas relacionados ao calor nas unidades escolares. Suspendeu as atividades ao ar livre das 10h às 17 horas enquanto durar a onda de calor, e orientou que sejam oferecidos alimentos leves na merenda escolar para ajudar a hidratação de crianças e adolescentes.

Nos Centros Municipais de Educação Infantil de Palmas, capital do estado, as crianças têm banho de chuveiro ao ar livre na sombra das árvores para se refrescarem.

Os danos à saúde

O Ministério da Saúde divulgou orientações para proteção durante o período de altas temperaturas, que incluem reforço na hidratação, evitar atividades ao ar livre nos horários mais quentes, usar roupas leves, e outras mais específicas, como:

  • Guardar medicamentos na geladeira se a bula recomendar que o armazenamento seja abaixo de 25°C . “O medicamento pode se tornar mais tóxico ou perder a eficácia se não forem mantidos na temperatura indicada na bula”, disse ao Nexo o biomédico Jonathan Vicente, mestre em saúde coletiva pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do The Global Climate and Health Alliance.
  • Pessoas com doenças crônicas ou que fazem uso de vários medicamentos devem procurar aconselhamento médico para receber orientações específicas. O calor aumenta o risco de ataques cardíacos e piora a saúde de pessoas com doenças do coração, segundo estudo da Universidade Harvard (EUA) publicado em 2022.
  • Buscar um local fresco rapidamente ao sentir sintomas como tontura ou fraqueza, mas evitar mudanças bruscas de temperatura e tomar banho com a água ligeiramente morna em vez de banhos gelados.
  • Jamais deixar crianças e animais domésticos dentro de veículos estacionados .

De acordo com Vicente, pessoas hipertensas ou diabéticas também precisam redobrar os cuidados, pois fazem parte de uma população mais suscetível ao heatstroke, uma condição grave que pode ocorrer quando a temperatura corporal fica acima de 40° por causa da exposição ao sol.

Diferente da exaustão por calor, a pessoa não fica suada e geralmente perde a consciência. É um processo que pode levar até à falência dos rins. “Muita gente não sabe identificar e, por isso, a principal atitude dos governos precisa ser a de educação e informação, tanto para a população como para os profissionais de saúde”, afirmou Vicente ao Nexo .

FOTO: PAULO PINTO /AGÊNCIA BRASIL 19.09.2023

Pessoas circulam na Avenida Paulista, em São Paulo, sob o sol. O termômetro de rua marca 33°C.

Termômetro de rua na Avenida Paulista, em São Paulo

Segundo o biomédico Jonathan Vicente, ao se deparar com uma situação que uma pessoa desmaie ou tenha uma indisposição por calor, a primeira atitude deve ser acionar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) pelo telefone 192. Se o caso for heatstroke, quanto mais ágil for o atendimento médico, menor é a chance de complicações, como convulsões ou até mesmo a morte.

61.672

é o número de pessoas que morreram em 2022 na Europa em pouco mais de três meses em decorrência das ondas de calor extremo, segundo estudo publicado na revista científica The Nature Medicine

Em entrevista ao podcast O Assunto, a médica Mayara Floss disse que as altas temperaturas podem levar a um colapso do corpo , que perde a capacidade de autorregular a temperatura corporal, o que pode levar à morte devido ao calor.

5 milhões

pessoas morrem anualmente no mundo por causa de temperaturas extremas, segundo a Cool Coalition, entidade global para resfriamento eficiente e ecológico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Moradores de casas precárias e de regiões sem ou com pouca arborização, crianças, idosos, pessoas com problemas de saúde mental e profissionais que trabalham ao ar livre, como policiais, bombeiros, agricultores, garis, operários da construção civil e vendedores ambulantes estão entre os mais suscetíveis.

FOTO: ADNAN ABIDI/REUTERS – 02.MAI.2022

Homem está curvado sobre muro baixo, colocando tijolos. Atrás dele, no canteiro de obras, há mulheres e outros homens.

Pessoas trabalham em canteiro de obras em Nova Déli, na Índia

Em entrevista ao Nexo em julho, o professor e chefe do Departamento de Física Aplicada da USP, Paulo Artaxo, disse que esse novo clima é muito mais prejudicial para as atividades econômicas e para o bem-estar das pessoas do que o que tivemos ao longo dos últimos 50 anos.

“Vamos ter mortes em massa devido a grandes secas, ondas de calor, inundações mais intensificadas e assim por diante. A mortalidade será muito maior entre a população mais vulnerável, que é a população mais pobre”, afirmou Artaxo.

As ações possíveis

Novas medidas de saúde pública e mudanças arquitetônicas são algumas das atitudes tomadas por governos mundo afora para diminuir os efeitos do calor extremo.

Paris, capital da França, está investindo no aumento da vegetação na cidade, e planeja plantar 170 mil árvores até 2026. Os estacionamentos também vão se transformar em espaços verdes para reduzir a cobertura de asfalto em 40% . Isolamento térmico e pintura de telhados com cores claras também estão nos planos.

FOTO: SARAH MEYSSONNIER/REUTERS 03.08.2022

Mulher se refresca na fonte Trocadero, em Paris, durante onda de calor. Ela está embaixo de uma cascata de água. Com o sol, um arco-íris se formou em parte da água

Mulher se refresca na fonte Trocadero, em Paris, durante onda de calor

Essa é a preparação para lidar com um cenário em que se estima que a capital da França enfrentará nos próximos anos ondas de calor com até 50°C , em decorrência das mudanças climáticas. A cidade de Miami, nos Estados Unidos, investe na arborização em torno dos pontos de ônibus , após um conselho municipal detectar que esses espaços se tornam uma zona de perigo durante as ondas de calor.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o plantio de árvores nas ruas, uma atitude simples, proporcionaria a 77 milhões de pessoas no mundo um abatimento de 1°C em dias de calor extremo.

Nos cuidados de saúde, entidades inglesas já pedem o fim dos impostos para protetores solares, e defendem ainda o acesso gratuito ao produto, principal mecanismo para prevenção do câncer de pele, o tipo de câncer mais prevalente no Brasil e no mundo, de acordo com o Ministério da Saúde. A exposição excessiva ao sol é o principal causador da doença.

FOTO: LOUIZA VRADI/REUTERS – 1º.JUL.2021

Mulher com roupas pretas, segurando uma sacola, segura com a outra mão um pano azul em torno da cabeça. O dia está ensolarado.

Pessoa caminha em praça protegendo o rosto do sol durante onda de calor em Atenas

A médica da família Mayara Floss, na conversa com o podcast O Assunto, afirmou que os serviços de saúde no Brasil também precisam considerar de forma rápida a possibilidade de estresse por calor quando não há outros elementos que expliquem a temperatura alta do corpo. O atendimento rápido nesses casos é fundamental para evitar mortes.

O biomédico Jonathan Vicente destaca que países como os Estados Unidos e o Reino Unido elaboraram cartilhas para orientar tanto profissionais da saúde quanto a população para que aprendam a lidar com o calor extremo, e que esse deve ser um ponto de partida para o governo brasileiro.

“Em Londres, cancelaram as aulas, mas foram à TV fazer pronunciamentos e explicar os riscos. Educar é a melhor forma para que as pessoas entendam de fato o problema. Também é preciso que o SUS trabalhe nas três esferas governamentais em ações articuladas, e que a gente cobre dos países mais ricos as adaptações que precisarão ser feitas”, afirmou Vicente ao Nexo .

NEWSLETTER GRATUITA

Nexo | Hoje

Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Gráficos

nos eixos

O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você

Este site é protegido por reCAPTCHA e a Política de Privacidade e os Termos de Serviço Google se aplicam.

Navegue por temas