As ações contra a seca prolongada na Amazônia
Mariana Vick
29 de setembro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h09)Governo do Amazonas decreta emergência para 55 cidades. Estiagem baixa nível dos rios e embarcações não conseguem navegar. Milhares estão sem acesso a água potável e a alimentos
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Barcos e casas flutuantes ficam encalhados por causa de seca do rio Negro, em Manaus
O governador do Amazonas, Wilson Lima (União), decretou nesta sexta-feira (29) situação de emergência em 55 municípios do estado por causa da seca prolongada que atinge a Amazônia. A medida permite que o governo tome ações urgentes para conter os danos causados pelo clima extremo. O decreto vale por 180 dias.
A estiagem vem causando prejuízos às zonas ribeirinha e rural de Manaus e de cidades do interior, além de atingir outros estados do Norte. Embarcações não conseguem navegar por causa do baixo nível dos rios, e comunidades estão isoladas e sem alimento. Somada a queimadas florestais, a seca causa ainda problemas ambientais e de saúde.
Neste texto, o Nexo explica qual a extensão da estiagem na Amazônia e quais as ações tomadas pelas autoridades diante do problema, das gestões municipais ao governo federal. Mostra também quais são as causas para que a estação seca na região Norte tenha se intensificado neste ano.
Mais de 110 mil pessoas foram atingidas até agora pelos impactos da estiagem no Amazonas. Vinte municípios já haviam decretado situação de emergência antes desta sexta (29), incluindo a capital, Manaus. O rio Negro, um dos principais da região, estava em apenas 16,3 metros de profundidade na quinta (28) — a cota mínima histórica à qual ele já chegou foi de 13,6 metros, em 2010 —, com descida das águas próxima dos 30 cm por dia.
90%
das 136 embarcações que atuam nas 116 linhas do estado operam com alguma restrição, segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados e Contratados do Amazonas
A falta de alimentos e água potável é um dos principais danos causados pela baixa dos rios. A seca também causou a morte de milhares de peixes em lugares como o rio Solimões, outro grande corredor aquático da Amazônia. O Lago do Aleixo, na área urbana de Manaus, ficou totalmente seco , e o solo agora à vista está com rachaduras.
20 mil
crianças podem ficar sem ter como chegar às escolas (trajeto que é feito pela via fluvial) por causa da seca
Além da capital, as cidades mais afetadas incluem Benjamin Constant e São Paulo de Olivença, na calha do Alto Solimões. Atalaia do Norte, Amaturá, Santo Antônio do Içá e Tonantins também sentem os efeitos da seca. Em Atalaia do Norte, o baixo nível do rio impede a captação de água para abastecimento, e mais de 5.000 pessoas foram afetadas.
500 mil
pessoas devem ser afetadas pelo impacto da seca na distribuição de água e alimentos até outubro
Fora do Amazonas, cidades no Acre e em Roraima também sentem os efeitos da estiagem. Em Rio Branco (AC), mais de 4.000 famílias estão sendo abastecidas por caminhões-pipa. O rio Acre, que abastece a capital, chegou a bater o nível de 1,4 metro neste ano — apenas 19 cm acima da mínima histórica de 1,25 metro, de outubro de 2022.
Com o decreto de emergência, o governo do Amazonas busca antecipar o reconhecimento da situação para municípios que ainda não a haviam declarado. Além disso, ele serve para que a gestão pública possa adotar medidas excepcionais e pedir ajuda ao governo federal. As ações anunciadas pelo estado incluem:
A situação de emergência se caracteriza pela iminência de danos à saúde e aos serviços públicos por conta de um desastre. É comum que governos a decretem em casos de clima extremo. Os gestores também podem declarar calamidade (que significa que os danos já se instalaram) em casos mais graves, o que não foi feito no Amazonas.
Antes do decreto, o governo do estado já vinha realizando a chamada Operação Estiagem . O pacote de medidas inclui o apoio a famílias afetadas pelo desabastecimento, distribuição de cestas básicas e kits de higiene, renegociação de dívidas e fomento para produtores rurais. O recurso é estimado em R$ 100 milhões em ações.
Além das ações locais, Wilson Lima anunciou na terça-feira (26) a criação de uma força-tarefa do governo federal para enfrentar a estiagem no estado. O anúncio veio após um encontro com o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Outras pastas também participam das ações, que incluem:
O governo federal liberou R$ 140 milhões apenas para a dragagem dos rios Solimões e Madeira, segundo informações oficiais. A atividade consiste em retirar sedimentos (que podem incluir terra, rochas, lixo etc.) do fundo dos corpos d’água, aumentando sua profundidade. O objetivo é tentar manter ativa a rota de barcos.
Homem em casa flutuante diante de seca do rio Negro, em Manaus
“Nós temos três aspectos que são importantes para se levar em consideração nessa questão de estiagem: o primeiro deles é a questão da ajuda humanitária, o segundo são as questões de desmatamento e queimadas e o terceiro é a atividade econômica por conta da dificuldade de passagem de balsa e grandes embarcações ali pelo rio Madeira”, disse Lima na quinta (29).
Os danos econômicos se estendem para além da Amazônia. É pelos rios que chegam os insumos e a matéria-prima para a Zona Franca de Manaus — e também por eles que saem os produtos acabados. A área é conhecida pela presença de indústrias, que escoam itens como eletrônicos e alimentos processados para o restante do país.
Meteorologistas afirmam que a seca histórica na Amazônia se deve à combinação de dois fatores : o fenômeno climático El Niño e o aquecimento das águas do Oceano Atlântico Norte, que fica acima da linha do Equador. Ambos inibem a formação de nuvens e chuvas no Norte do Brasil.
O El Niño é um fenômeno natural. É um evento marcado pelo aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico Equatorial, nas proximidades da costa da América do Sul, como o Nexo explica no vídeo abaixo. Acontece de tempos em tempos e está associado, no Brasil, à redução de chuvas e ao aumento das temperaturas no Norte e Nordeste:
Declarado oficialmente em junho, o El Niño deve durar até o começo de 2024. Setembro é um mês típico de seca na Amazônia, mas a influência do fenômeno (junto com o aquecimento do Atlântico Norte) a intensificou. A previsão é de mais estiagem nos próximos meses, atrasando o início da estação chuvosa, que começaria em outubro.
A Amazônia passou por secas severas em outros anos de El Niño, que tem se tornado mais intenso no contexto da mudança climática . A pior estiagem já registrada na região ocorreu entre 2009 e 2010 , anos de influência do fenômeno e também de aquecimento das águas do Oceano Atlântico Norte. A bacia do rio Negro teve naquele período sua maior seca desde que as medições foram instaladas, em 1903.
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