Expresso

Como o Brasil se tornou protagonista na ginástica artística

Lucas Zacari

13 de outubro de 2023(atualizado 02/08/2024 às 19h50)

Com bronze nos Jogos de Paris, país subiu ao pódio olímpico pela primeira vez na disputa feminina por equipes. Resultado continua boa fase do esporte no cenário internacional

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FOTO: Hannah Mckay/Reuters - 30.07.2024Equipe brasileira de ginástica artística no pódio das Olimpíadas de Paris. Cinco mulheres estão em pé em uma plataforma. Elas seguram uma medalha de bronze cada e pergaminhos. Elas estão com calça amarela e agasalho azul

Equipe brasileira de ginástica artística no pódio das Olimpíadas de Paris

O Brasil conquistou na terça-feira (30) a primeira medalha olímpica por equipes da história da ginástica artística feminina brasileira. As ginastas Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares e Lorrane Oliveira  ficaram com a medalha de bronze. Na quinta (1º), Rebeca Andrade levou a prata no individual geral, ficando atrás apenas da multicampeã americana Simone Biles.

Os resultados em Paris seguem a boa fase da ginástica artística brasileira no cenário internacional. Em 2023, o país teve a sua melhor participação em um mundial da modalidade, com seis medalhas em uma única edição. As brasileiras conseguiram uma inédita prata por equipes na competição, prova em que o país nunca havia subido ao pódio.

Neste texto, o Nexo apresenta o histórico da ginástica artística brasileira até o bom momento atual e a importância de instituições do esporte para a evolução da modalidade no país.

O histórico da ginástica no Brasil

A primeira participação olímpica da delegação brasileira na ginástica artística, modalidade presente nos Jogos desde a primeira edição, em 1896, aconteceu na Olimpíada de Moscou, em 1980. Na ocasião, João Luiz Ribeiro e Cláudia Costa representaram o país em todos os aparelhos, mas sem resultados expressivos – a melhor colocação masculina foi no solo, com a 53ª posição, enquanto Cláudia Costa obteve a 31ª posição no individual geral.

A ginástica é praticada no Brasil desde a primeira metade do século 19, a partir da imigração alemã, nacionalidade que iniciou e impulsionou a prática do esporte principalmente na região Sul. De acordo com Nestor Soares Publio, um dos principais pesquisadores da modalidade, a mais antiga sociedade de ginástica do país foi sediada em Joinville (SC), fundada em 1858.

Foi somente em 1951 que o Brasil enviou representantes para uma competição internacional, na primeira edição dos Jogos Pan-Americanos, disputado em Buenos Aires. A estreia em campeonatos mundiais aconteceu três anos depois, em Roma, na Itália.

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Segundo Laurita Schiavon, líder do Grupo de Pesquisa em Ginástica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o isolamento dos principais centros mundiais da modalidade no século 20, como Europa e União Soviética, influenciaram na falta de resultados brasileiros.

“Desde a chegada [no Brasil] dos treinadores ucranianos e outros estrangeiros, com a abertura da União Soviética, houve uma divulgação maior sobre o treinamento de ginastas e muito conhecimento técnico divulgado aos treinadores de alto rendimento”, explica ao Nexo.

Foi no início dos anos 2000 que os ginastas brasileiros começaram a figurar entre os principais nomes da modalidade. A principal atleta dessa geração é Daiane dos Santos . Com uma medalha mundial no currículo — ouro no Mundial de Anaheim, nos EUA, em 2003 — ela esteve no topo do ranking no solo durante anos. A performance ao som da música “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo , se tornou uma marca da ginasta, assim como os movimentos duplo twist carpado e o duplo twist esticado, apelidados de “Dos Santos 1” e “Dos Santos 2”.

Veja a performance do ouro de Daiane no Mundial de 2003 no vídeo abaixo:

Os irmãos Hypolito também fizeram história na prova do solo. Daniele foi a primeira a conquistar uma medalha em mundiais, quando obteve a prata em 2001, em competição disputada em Gent, na Bélgica. Diego, por sua vez, era o ginasta recordista de medalhas em mundiais, com cinco conquistas (dois ouros, uma prata e dois bronzes), até a atuação de Rebeca Andrade na Antuérpia, em 2023. Jade Barbosa – primeira medalhista brasileira fora do solo –, Arthur Zanetti e Arthur Nory completaram as conquistas. O Brasil acumula 25 medalhas em mundiais.

Rebeca é a ginasta brasileira com o maior número de conquistas em torneios internacionais. Mundialmente, ela é a 11ª ginasta na história e a terceira neste século a obter medalhas no mundial em todos os aparelhos.

FOTO: Yves Herman/Reuters - 07/10/2023Rebeca Andrade em ação na final do salto no Mundial de Antuérpia, em 2023. Uma mulher está de ponta cabeça, apoiada com suas mãos em um aparelho acolchoado. Ela está com um collant rosa

Rebeca Andrade em ação na final do salto no Mundial de Antuérpia, em 2023

Em Jogos Olímpicos, Zanetti foi o primeiro a conseguir medalhas ao conquistar o ouro em 2012 e a prata em 2016 nas argolas. Nory e Diego Hypolito também foram medalhistas olímpicos, ao subir no segundo e terceiro lugar no pódio do solo dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Nos Jogos de Tóquio, em 2021, Rebeca Andrade conquistou um ouro no salto e prata no individual geral. Com o bronze da equipe feminina em Paris e a prata de Rebeca, o Brasil tem oito medalhas olímpicas no esporte.

Investimentos de clubes e confederações

Na época da primeira participação brasileira na ginástica em Jogos Olímpicos, João Luiz Ribeiro reclamou das condições de treinamento que os clubes brasileiros ofereciam. “Os outros não são nada em nada diferente de nós. O que cria a diferença nas competições são as facilidades que eles têm para estudar, treinar e viver disso, sem maiores preocupações”, disse o ginasta ao jornal O Estado de S.Paulo, em julho de 1980.

A Confederação Brasileira de Ginástica foi fundada em 1978, dois anos antes da primeira participação olímpica, e, de acordo com Laurita Schiavon, da Unicamp, só se tornou estruturalmente organizada no início da década de 1990. “Até os Jogos Olímpicos de Atlanta [em 1996], temos um panorama bastante precário de apoio à ginástica artística no Brasil, com ginastas treinando basicamente com apoio das famílias, vendendo carros para participar de competições e viajando muitas vezes sem seus treinadores para as competições por falta de recurso financeiro”, ressalta.

A pesquisadora também pontua que a instauração da Lei Agnelo/Piva, de 2001, e da Lei de Incentivo ao Esporte, de 2006, foram fundamentais para o aumento dos investimentos na ginástica. A primeira passou a direcionar 2% do valor bruto arrecadado com as loterias federais ao COB (Comitê Olímpico do Brasil) – uma lei de 2018 alterou para 1,7% –, enquanto a segunda permitiu a dedução de até 6% do Imposto de Renda a ser pago por pessoas físicas e jurídicas em projetos esportivos.

Com esses repasses, os investimentos estruturais e em pessoal passaram a ser mais comuns na ginástica. Schiavon cita alguns desses avanços: “Investimento em aparelhagem, equipe multidisciplinar, patrocínios de atletas, Bolsa Atleta e capacitação de treinadores brasileiros juntamente com treinadores estrangeiros”. No orçamento de 2023 do comitê, a modalidade recebeu R$ 10,6 milhões, a segunda com maior valor repassado, somente atrás dos desportes aquáticos.

Ela ainda ressalta que a CBG (Confederação Brasileira de Ginástica) e o COB investem muito na seleção brasileira adulta. Essa dinâmica de quem tem investido e cuidado das carreiras dos principais talentos brasileiros, clubes ou confederações, foi alvo de discussões no X (antigo Twitter) logo após a disputa do Mundial de Antuérpia.

Das seis integrantes da equipe de prata no individual geral – Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira, Júlia Soares e a reserva Carolyne Pedro –, as quatro primeiras são do Flamengo. Usuários da rede social debateram se o mérito das medalhas seria do clube ou das organizações nacionais do esporte.

Segundo o jornalista Demétrio Vecchioli, especialista em esportes olímpicos do site UOL Esporte, os principais nomes da ginástica artística brasileira treinam quase que exclusivamente nas instalações da CBG e do COB. Além disso, o salário dos ginastas e da comissão técnica é pago quase que inteiramente pela confederação e pelo comitê.

Seleção brasileira de ginástica artística, categorias adulto e juvenil, treinam no Centro de Treinamento do Time Brasil, no Parque Olímpico. Homens estão em ação em aparelhos de ginástica. A sala está com vários tatames, e alguns homens estão sem camisa

Seleção brasileira de ginástica artística, categorias adulto e juvenil, treinam no Centro de Treinamento do Time Brasil, no Parque Olímpico

A participação dos principais atletas da modalidade defendendo os clubes fica restrita a eventos específicos durante o ano, como campeonatos brasileiros e o Troféu Brasil, que costumam durar uma semana cada.

A estrutura dos clubes, porém, tem um papel fundamental nas divisões de base da ginástica, desenvolvendo e profissionalizando atletas para alcançar o alto rendimento. O próprio Flamengo, por exemplo, tem uma tradição muito grande em revelar grandes atletas para a ginástica artística brasileira, desde Luisa Parente, a primeira ginasta brasileira a se apresentar em duas Olimpíadas (Seul-88 e Barcelona-92), até a geração de Rebeca e Flávia.

Schiavon ressalta que, apesar dos resultados atuais, os clubes e a ginástica artística brasileira ainda se concentram em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul: “Ainda temos um quadro de desenvolvimento da ginástica artística no país que não tem relação com esses resultados [em campeonatos internacionais]. Não podemos confundir a ginástica artística do Brasil internacionalmente com a ginástica artística no Brasil”.

O papel das Forças Armadas

Além do Bolsa Atleta – programa do Ministério do Desenvolvimento Social, com repasses que variam de R$ 370, para atletas de base, a R$ 15 mil, para aqueles enquadrados entre os melhores do ranking internacional –, outro projeto governamental atuante no esporte é o Programa de Atletas de Alto Rendimento, que incorpora atletas às Forças Armadas Brasileiras.

Há 15 anos atuando no esporte, o programa do Ministério da Defesa oferece benefícios da carreira militar, como 13º salário, férias e acompanhamento médico, além da disponibilidade das instalações do Exército, Marinha e Aeronáutica para os atletas. O alistamento é voluntário e a adesão é dependente do desempenho na modalidade.

De acordo com a pasta ministerial, dos 302 atletas da delegação brasileira na Olimpíada de Tóquio, realizada em 2021, 92 eram militares. Além disso, 8 das 21 medalhas conquistadas na competição foram por integrantes do programa. O Portal de Dados Abertos do governo federal mostra que seis ginastas em 2024 estavam integrados ao programa.

Arthur Zanetti nas argolas, durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Um homem está apoiado em duas argolas, com os braços abertos. Ele está em um collant azul, com a bandeira do Brasil

Arthur Zanetti nas argolas, durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021

Os integrantes do programa não têm obrigações ou funções específicas nas Forças Armadas, cabendo a eles apenas representar o país nos Jogos Mundiais Militares. “As Forças Armadas não colaboram na formação de atletas e pegam os atletas já formados, que treinam em ginásios sem qualquer relação com os militares. Passam uma imagem que estão relacionados às Forças Armadas, gerando empatia com o público, quando apenas pagam salários para atletas sem considerar seus treinadores ou as condições que possuem para tal”, critica Schiavon.

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