Expresso

Como a inteligência artificial pode ser usada na educação

Cesar Gaglioni

23 de outubro de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h10)

Estudiosos da área veem integração da tecnologia como inevitável, mas processo deve ser feito de forma responsável

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FOTO: FLORENCE LO/REUTERS

ChatGPT: um assistente virtual inteligente no formato chatbot online com inteligência artificial desenvolvido pela OpenAI

ChatGPT: um assistente virtual inteligente no formato chatbot online com inteligência artificial desenvolvido pela OpenAI

Desde que chegaram ao grande público em 2022, as inteligências artificiais generativas são apresentadas como uma das maiores revoluções tecnológicas do século 21.

Com a disseminação da tecnologia, educadores e gestores públicos passaram a pensar em como usá-la na educação, já que é algo que desperta o interesse dos alunos. Levantamento do Google Brasil de julho mostrou que 30% dos estudantes brasileiros já usaram IAs para alguma tarefa escolar.

Neste texto, o Nexo explica como a inteligência artificial pode ser uma aliada na educação.

A inteligência artificial

O QUE É

Não há um conceito único consolidado sobre o que é inteligência artificial, algo que pode envolver diferentes graus de autonomia das máquinas. Em termos básicos, são sistemas computacionais que têm competências semelhantes às humanas, como o raciocínio e a aprendizagem. A meta dessas tecnologias é poder inferir como atingir um objetivo, tomando decisões ou produzindo previsões e recomendações.

ONDE JÁ ESTÁ

Sistemas de inteligência artificial são usados nos mais variados âmbitos da vida social. Dentre eles: sistemas biométricos de identificação, chatbots de atendimento ao cliente, filtragem de spams entre emails recebidos, análise de dados para a concessão de empréstimos bancários ou para elegibilidade de políticas públicas, listas de recomendação de conteúdo em plataformas de streaming, direcionamento de publicidade nas redes sociais, criação automatizada de textos e imagens, funcionamento de veículos autônomos, operação de infraestruturas militares.

Os benefícios da IA na educação

Na visão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o uso das inteligências artificiais na educação é inevitável e deve ser abraçado de forma responsável.

“É uma tecnologia que oferece oportunidades reais para ajudar no ensino de alunos com dificuldades de aprendizagem, com deficiências ou aqueles que vêm de minorias linguísticas ou culturais”, afirma a instituição na edição de outubro de 2023 da revista Unesco Courrier. “Pode ajudar a entregar um ensino mais personalizado, permitir modelos de aprendizagem flexíveis e transcender as fronteiras de espaço e tempo para criar uma experiência de ensino imersiva.”

Para Graziele Ortega, analista de tecnologia educacional da rede de colégios Santa Marcelina , a possibilidade de personalizar o ensino para cada aluno e seu ritmo de aprendizagem pode ser o principal benefício da inteligência artificial na educação, preenchendo uma demanda antiga, mas que era inviável pela proporção de alunos e professores disponíveis.

“No campo docente, sempre foi explícita a necessidade de enxergar cada estudante em sua individualidade, mas nem sempre foi possível”, disse ao Nexo . “A possibilidade que se tem hoje, por meio da IA, de contar com parâmetros muito fidedignos do perfil do corpo discente, permite aos professores elaborarem trilhas de aprendizagem específicas de forma instantânea, aplicando-as em atividades, provas e simulados online.”

Ortega acredita que, a partir do uso da tecnologia, os alunos conseguirão ganhar autoconfiança e autonomia. “Essa utilização também transforma a própria dinâmica de aprendizado do estudante, que pode acompanhar e fazer a gestão de seu próprio estudo, ganhando autonomia para intensificar seus esforços onde possui mais vulnerabilidade, adaptando-se ao conteúdo do curso e avançando de acordo com o seu próprio ritmo”, afirmou.

De acordo com a ONG americana Center for Curriculum Redesign (Centro para a Redefinição Curricular), os principais impactos positivos da inteligência artificial na educação envolvem uma personalização do ensino , com sistemas que podem servir como “professores particulares” aos alunos em complemento às aulas tradicionais.

“Um algoritmo pode conhecer o estudante a partir de suas interações, saber quais são suas principais dificuldades no conteúdo, seu estado emocional durante o estudo. Tudo isso pode ser usado para saber qual a melhor rota de estudos e como esses estudos devem ser guiados”, diz a organização no livro “Inteligência artificial e educação” , de 2021.

Na visão de Dora Kaufman, professora de tecnologia da informação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, há três missões principais para garantir o uso responsável da inteligência artificial na educação. “Capacitar os alunos a usarem as tecnologias da melhor forma, essa é uma missão; outra é agregar essas tecnologias às metodologias de ensino; outra é utilizá-las nos processos financeiros e administrativos das escolas”, afirmou em evento do Instituto Unibanco no dia 4 de outubro.

Experimento realizado na Universidade de Hong Kong em fevereiro de 2023 usou inteligências artificiais para medir a motivação de estudo de 123 alunos de 9º ano. A pesquisa concluiu que os robôs ajudaram a aumentar o ímpeto dos alunos em estudar e em persistir mesmo diante de problemas e exercícios mais complexos em disciplinas de exatas e humanas, até mesmo daqueles que tinham dificuldades de aprendizagem. Uma experiência similar foi feita pela Universidade de Taiwan, com 115 estudantes, atingindo resultados parecidos.

Usos concretos

Já há escolas no Brasil e no exterior fazendo experimentos com inteligências artificiais no âmbito escolar, tanto no setor público quanto no privado.

A prefeitura de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, conta com 110 professores considerados “articuladores de inovação” no time da Secretaria Municipal de Educação. Eles são os responsáveis por inserir, aos poucos, sistemas como o ChatGPT nas salas de aula, um processo que começou em maio de 2023.

“Estimulamos a autoaprendizagem, o pensamento crítico, o raciocínio computacional, o letramento emocional, as habilidades de negociação e decisórias, além da interação social e do trabalho em equipe. A inteligência artificial é uma realidade e precisamos conviver com ela e desfrutar dos benefícios que pode oferecer à educação”, disse ao site da prefeitura a professora Tatiane Reis, uma das articuladoras de inovação da cidade.

Em São Paulo, no colégio Visconde de Porto Seguro, a inteligência artificial é parte do programa de letreiramento digital dos alunos – currículo que visa capacitar os estudantes para saber o funcionamento das novas tecnologias e entender quais são seus potenciais benefícios e riscos.

“Quando o assunto tomou os noticiários no ano passado, muitos professores, pais e alunos questionaram se a ferramenta poderia ser usada em sala de aula, se não iria comprometer o aprendizado, substituir profissionais e outras questões muito relevantes. A nossa postura foi de serenidade, de investigar melhor e aprender com a nova tecnologia”, disse em nota Joice Leite, diretora de educação digital da instituição.

Nos EUA, universidades estão estimulando o uso das ferramentas , caso da Universidade Vanderbilt, que incentiva os alunos a encontrarem as melhores respostas para tarefas e trabalhos acadêmicos usando o ChatGPT.

“Não dá para ignorar”, afirmou à CNN americana Jules White, professor da instituição. “Acho tremendamente importante que estudantes, professores e ex-alunos se tornem especialistas em IA, porque ela será muito transformadora em todos os setores em demanda. Dessa forma, precisamos fornecer o treinamento certo”.

Há também empresas privadas que estão apostando em ampliar o uso da tecnologia na educação – são as chamadas ed-techs (junção de ‘education’ e ‘technology’).

De acordo com o estudo “Mapeamento Edtech 2022: Investigação sobre as tecnologias educacionais no Brasil”, elaborado pela Deloitte e pela Associação Brasileira de Startups (Abstartups), com apoio da AWS EdStart, o número de startups que oferecem soluções para a educação no Brasil através do uso intensivo de tecnologia e novos modelos de atuação teve um crescimento de 44%, chegando a 813 empresas no total.

Quais são os riscos

Apesar dos possíveis impactos positivos, há desafios no horizonte da inteligência artificial aplicada na educação.

O principal deles é a possibilidade de que as ferramentas utilizadas contem com algum viés algorítmico. Erros de programação, dados equivocados e/ou ideias defendidas pelos desenvolvedores das inteligências artificiais podem gerar algum tipo de distorção no conteúdo que é exibido aos estudantes e professores.

A tecnologia depende de um processo chamado machine learning (ou aprendizado de máquina). Machine learning nada mais é do que alimentar a inteligência artificial com milhares de informações sobre determinado assunto para que o computador seja capaz de analisar os dados, reconhecer padrões e tomar decisões.

“Se os dados usados no treinamento da inteligência artificial foram enviesados, eles podem perpetuar desigualdades e reforçar estereótipos que já existem. É crucial criar sistemas que sejam desenvolvidos e treinados com equilíbrio e inclusão como pedras fundamentais”, diz artigo científico de 2022 assinado por Daniel Schiff, pesquisador de inteligência artificial e educação no Instituto de Tecnologia de Atlanta, nos EUA.

“Os algoritmos de IA podem aprender com dados com os quais são treinados, resultando em recomendações e decisões tendenciosas e, ainda, informações infundadas ou falsas. Portanto, é essencial que haja ética e curadoria nos conteúdos ofertados pela IA”, disse Graziele Ortega.

Outra preocupação é com a coleta de dados de estudantes. Em 2022, na Indonésia, foi descoberto que a ferramenta educacional Ruangguru, desenvolvida pela startup de mesmo nome em parceria com o governo local, usava os dados dos alunos para exibir publicidade personalizada de produtos e serviços alinhados com as preferências de cada um deles. A plataforma é uma inteligência artificial que auxilia os alunos no estudo pós-aula.

“É algo que coloca em risco a privacidade e os direitos das crianças para algo que não tem nenhum fim educacional”, disse relatório da ONG Human Rights Watch sobre o assunto, publicado em 2022. “Crianças, pais e professores não exerceram o direito de serem avisados sobre a coleta de dados e como as informações seriam usadas.”

Na visão de Ortega, a proteção dos dados e da privacidade dos alunos é essencial. “É imperativo que as instituições adotem rigorosas medidas de segurança e proteção de dados, além de estabelecerem políticas que garantam que os estudantes tenham controle sobre suas informações pessoais, algo que já é regularizado pela Lei Geral de Proteção de Dados”, afirmou.

Exemplo de alinhamento

Este conteúdo faz parte da cobertura especial “Educação na era das transições”, realizada em parceria com o Instituto Unibanco, organização sem fins lucrativos que atua pela melhoria da qualidade da educação pública, acelerando transformações por meio de metodologias de gestão educacional.

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