Como adaptar a estrutura das cidades ao clima extremo
Mariana Vick
07 de novembro de 2023(atualizado 15/01/2024 às 14h30)Temporal deixa milhares sem luz na Grande São Paulo por dias. Prefeito da capital, Ricardo Nunes propõe taxa voluntária para aterramento de fios, uma das soluções possíveis para evitar novo caos
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Trabalhador da antiga Eletropaulo em meio a torres de energia em São Paulo
A tempestade que atingiu o estado de São Paulo na sexta-feira (3) expôs a fragilidade da infraestrutura da região diante dos extremos do clima. Serviços de energia elétrica foram interrompidos após as chuvas em parte da capital, na região metropolitana e no interior paulista. Também houve problemas nos serviços de água, telefonia e internet.
Temporais fortes não são novidade em São Paulo ou em outras cidades do Brasil. Mas eventos desse tipo tendem a ficar mais intensos e frequentes no contexto da mudança climática. E a situação atual mostra que nem mesmo as cidades mais ricas do país estão adaptadas para lidar com seus efeitos.
Neste texto, o Nexo explica o que provocou a interrupção de serviços em São Paulo e quais medidas as cidades brasileiras devem adotar para adaptar sua infraestrutura. Mostra também quem são os agentes responsáveis por fazer essas mudanças e qual o grau de adaptação das cidades brasileiras aos efeitos do aquecimento global.
O temporal que atingiu São Paulo na sexta (3) foi acompanhado por ventos de até 100 km/h. Cidades de todas as partes do estado foram atingidas. Sete pessoas morreram na capital, na região metropolitana, no interior e no litoral, atingidas por quedas de árvores, desabamentos de muros e um naufrágio.
A queda de árvores derrubou cabos de energia e comunicação nas ruas, o que interrompeu os serviços de eletricidade, telefonia e internet. Moradores relataram danos decorrentes do problema. Horas depois do corte de energia, muitos disseram ter precisado jogar comida fora , e pessoas com doenças crônicas relataram dificuldade para operar aparelhos médicos.
A falta de energia também levou ao desabastecimento de água. Segundo a Sabesp, empresa estatal de abastecimento do estado de São Paulo, a interrupção do serviço paralisou a operação de instalações e estações elevatórias da empresa e afetou o nível dos reservatórios — o que, consequentemente, afetou a oferta de água para a população.
O apagão atingiu, no ápice, 3,7 milhões de paulistas. A maioria deles é atendida pela Enel, empresa privada que abastece a capital e mais 23 municípios. Cerca de 200 mil domicílios e comércios na Grande São Paulo ainda estavam sem luz na manhã de terça (7), quatro dias depois das chuvas da semana anterior.
Medidas de adaptação à mudança do clima são aquelas necessárias para ajudar um país ou uma região a evitar ou se preparar para os efeitos da mudança climática. Essas medidas podem ser de diversos tipos — arquitetônicas, urbanísticas, econômicas, entre outros. O objetivo é diminuir a vulnerabilidade de um local a eventos como grandes secas, inundações ou ondas de calor.
Uma das medidas possíveis para evitar problemas como o que ocorreu em São Paulo é o aterramento de cabos de energia e comunicação. A conversão da rede de fios aérea (nas ruas) em subterrânea evita que chuvas e quedas de árvores suspendam os serviços. Além disso, a medida traz outras vantagens, como:
Diferentes governos da cidade de São Paulo já prometeram a medida. Dados da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecom Competitivas) mostram, no entanto, que menos de 0,3% da rede de energia no município está totalmente subterrânea. Problemas operacionais, administrativos e judiciais impediram o avanço da política.
A proposta reapareceu na segunda (6) em um pronunciamento do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). Ele sugeriu a cobrança de uma “contribuição opcional” de moradores com condições financeiras para acelerar a implementação da rede subterrânea na cidade. Criticado por propor uma taxa, ele voltou atrás pouco depois:
“Não terá taxa para aterramento, não existe nenhuma hipótese. Não foi isso que eu disse”
A oferta de energia elétrica em São Paulo é privatizada desde 1998, quando o então governador Mário Covas (PSDB) desmembrou a antiga Eletropaulo e vendeu o braço responsável por atender à maior parte da região metropolitana do estado, incluindo a capital. A italiana Enel adquiriu a maior parte das ações da distribuidora em 2018, num negócio de R$ 5,5 bilhões.
As concessões para distribuição de energia elétrica no Brasil são firmadas com o governo federal. O acordo de concessão da Enel para operar em São Paulo, feito junto à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), vai até junho de 2028. Além de fazer concessões, o órgão define normas para o setor e fiscaliza as empresas durante os contratos.
Aterrar os fios de energia de uma cidade é, portanto, atribuição da companhia, sob o comando da Aneel. Esse foi o argumento utilizado pela concessionária (na época com outro nome, AES Eletropaulo) quando antigos prefeitos de São Paulo, de José Serra (PSDB), em 2005, a Fernando Haddad (PT), em 2015, tentaram lançar esse tipo de medida. A empresa se opôs à política por considerá-la uma competência federal, não municipal.
Em 2017, no entanto, o ex-prefeito João Doria (PSDB) fez um acordo com a AES Eletropaulo e as empresas de telefonia e internet da capital para adotar essas ações. O programa de aterramento se manteve sob o governo Nunes, com poucas mudanças. Hoje, o prefeito é cobrado a acelerar essas medidas.
Rodrigo Corradi, secretário executivo adjunto da organização Iclei (Governos Locais pela Sustentabilidade) América do Sul, afirmou ao Nexo que, mesmo que as prefeituras não sejam as únicas responsáveis por infraestruturas como de energia, comunicação e água, o município tem o dever de cobrar políticas públicas das concessionárias.
“O município tem que ser aquele que cobra e que determina quais são os limites e capacidades do que pode ser feito. Existem várias ações que não levam em consideração a realidade do extremo climático que já estamos vivenciando”, disse. Medidas de adaptação diante dos riscos da mudança climática podem estar previstas nos planos diretores.
Governos estaduais e federal também têm papel nessa mudança. No caso da Sabesp em São Paulo, a responsabilidade pelos serviços pesa diretamente sobre o governo local, comandado por Tarcísio de Freitas (Republicanos). “É preciso uma estrutura de coordenação entre os diferentes entes”, disse Corradi.
“Quando a cidade mais rica do país vive uma situação dessas, claramente existem problemas sistêmicos”, afirmou. Segundo ele, São Paulo tem condições para que eventos como as chuvas de sexta-feira (3) não sejam mais tão danosos. “Temos que identificar que isso [os extremos do clima] não vai passar.”
Estudo de 2021 de universidades brasileiras com a Universidade de Michigan, nos EUA, sobre o estado de São Paulo, mostra que mais da metade dos 645 municípios paulistas têm pouca capacidade de adaptação à mudança climática. A pesquisa avaliou políticas públicas da região nas áreas de habitação, mobilidade e agricultura, entre outras.
O quadro não é tão diferente no restante do mundo. Relatório publicado na quinta (2) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostra que a implementação de medidas de adaptação climática está desacelerando nos países. Apesar dos diversos eventos extremos que ocorreram em 2023 , os esforços globais não estão à altura do problema.
“Não temos investido o suficiente para conhecer o que é a mudança do clima, esperada e previsível para cada pedaço do território nacional”, disse ao Nexo Roberto Kishinami, coordenador sênior do Portfólio de Energia do iCS (Instituto Clima e Sociedade). “Não é caro. Aliás, é muito barato comparado ao quanto de perdas materiais e de vidas podem ser evitadas.”
Para ele, é preciso um tratamento abrangente para os impactos da mudança do clima no Brasil. “Por ora estão acontecendo blackouts de infraestrutura, mas e quando começar afetar a produção de alimentos e água potável com as secas prolongadas? As mortes por ondas de calor extremas? É o que já está sendo observado em partes do planeta”, disse.
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