Crianças ainda precisam se vacinar contra covid em 2024?
Mariana Vick
18 de fevereiro de 2024(atualizado 19/02/2024 às 19h31)Decisões do Supremo atingem governos que buscavam flexibilizar obrigatoriedade de imunização infantil. O ‘Nexo’ mostra o que a lei diz sobre o tema e qual é a importância de manter a proteção em dia
Temas
Compartilhe
Vacinação infantil
Duas decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal na quinta-feira (15) atingiram governos que buscavam flexibilizar a vacinação infantil. Cristiano Zanin suspendeu os efeitos de decretos que dispensavam o imunizante contra covid-19 para matrícula na rede pública em cidades de Santa Catarina. Já Alexandre de Moraes notificou o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), pela declaração recente de que estudantes do estado teriam acesso à escola mesmo sem vacina.
Tanto a ação do governador mineiro quanto a das prefeituras catarinenses ocorreram depois de o Ministério da Saúde ter incluído, a partir de 2024, o imunizante contra a covid-19 no calendário de vacinação infantil. A imunização contra a doença é obrigatória desde janeiro para crianças de 6 meses a menos de 5 anos matriculadas na rede escolar. As regras são as mesmas que para outras vacinas consideradas fundamentais para a saúde pública no Brasil.
Neste texto, o Nexo explica o que a lei diz sobre a vacinação infantil, como governador e prefeitos tentam desobrigar a medida e qual é a importância de imunizar crianças contra a covid-19, mesmo quase quatro anos desde o início da pandemia. Mostra ainda qual é o estado da vacinação infantil contra o coronavírus no Brasil.
A vacinação é obrigatória para crianças e adolescentes no Brasil. Pais precisam apresentar a carteirinha na hora da matrícula ou rematrícula de seus filhos nas escolas. As instituições de ensino não podem impedir os alunos de estudarem se a imunização não estiver em dia — pois a educação é um direito fundamental —, mas as famílias devem regularizar a situação dentro de determinado prazo.
A obrigatoriedade da vacinação contra inúmeras doenças está prevista em lei. A principal delas é a 6.259, de 1975, assinada pelo então presidente Ernesto Geisel com o objetivo de institucionalizar o PNI (Programa Nacional de Imunizações). O texto determina que o Ministério da Saúde tem como papel definir as vacinas de caráter obrigatório no país.
Crianças no retorno às aulas presenciais durante a pandemia de covid-19, no Rio de Janeiro
Outra legislação que prevê como obrigatória a imunização das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescentes). Vacinas como a BCG (que previne a tuberculose), a da febre amarela e a tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) estão entre as obrigatórias. O imunizante contra a covid-19 passou a fazer parte do calendário em 2024.
3 a 20
salários mínimos é a multa estipulada pelo ECA caso a determinação não seja cumprida; sanção, porém, raramente é aplicada
Caso as famílias não cumpram com o prazo para a vacinação, as escolas podem acionar o Conselho Tutelar. Deixar de imunizar uma criança pode levar a acusações de negligência e, em último caso, à perda de guarda. Em casos extremos, em que a ausência de vacinação leve à morte, os pais podem responder por homicídio doloso (quando se tem intenção ou se assume o risco pela morte).
Zanin suspendeu decretos municipais de 19 cidades catarinenses que em 2024 haviam dispensado a vacinação contra a covid-19 para matrícula em escolas: Joinville, Balneário Camboriú, Içara, Modelo, Presidente Getúlio, Rancho Queimado, Rio do Sul, Santo Amaro da Imperatriz, Saudades, Jaguaruna, Taió, Formosa do Sul, Criciúma, Brusque, Blumenau, Ituporanga, Sombrio, Santa Terezinha do Progresso e São Pedro de Alcântara.
Os decretos catarinenses já haviam sido alvo do Ministério Público de Santa Catarina, segundo o qual os documentos eram ilegais. Parte das prefeituras notificadas revogou as medidas após a manifestação, como Blumenau, Joinville e Rio do Sul. O ministro do Supremo deu por inválidas as que restavam, argumentando que contrariavam o PNI e outras decisões da corte:
“O direito assegurado a todos os brasileiros e brasileiras de conviver num ambiente sanitariamente seguro sobrepõe-se a eventuais pretensões individuais de não se vacinar”
Cristiano Zanin
ministro do Supremo Tribunal Federal, em decisão na quinta-feira (15)
Moraes notificou Zema por outra razão. O governador de Minas apareceu em um vídeo, no começo de fevereiro, ao lado do senador Cleitinho (Republicanos-MG) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) dizendo que, no estado, nenhum aluno seria impedido de estudar por falta de vacina, sem especificar se se referia ou não à proteção contra a covid-19. O ministro do Supremo pediu na quinta (15) esclarecimentos sobre a declaração, depois de o PSOL ter acionado a corte:
Zema também disse, em entrevista à CNN Brasil, que as crianças de Minas vão “aprender ciência” antes de decidirem se querem ou não se vacinar. “Toda criança tem o direito de frequentar a escola, isso é inquestionável. A criança vai ter uma merenda boa, vai ter boas escolas, e vai, principalmente, aprender ciência, para que no futuro ela tenha condições, diferente do que já aconteceu no passado, queremos que ela venha a decidir se quer ou não ser vacinada”, afirmou.
Além de ser obrigatória, a vacinação é importante para proteger as crianças contra a covid-19. Mesmo com a redução de infecções e o fim da emergência de saúde pública no Brasil, o coronavírus continua a circular. Dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) mostram que houve 196 mil registros de casos de covid-19 em 2024, além de 1.127 mortes.
Além disso, crianças não vacinadas são um dos grupos mais vulneráveis à infecção. Estão sujeitas, por exemplo, a formas graves da doença, como a síndrome inflamatória multissistêmica, e à chamada covid-19 longa. A infecção foi a principal causa de morte por doença imunoprevenível em menores de 19 anos entre agosto de 2021 e julho de 2022, segundo nota técnica da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) publicada em janeiro.
“A covid-19 se transformou numa doença menos perigosa, com caráter mais endêmico, em função da imunidade populacional híbrida, com misto de várias infecções e doses de vacina (…). Exceto para duas faixas etárias, que continuam registrando hospitalizações: os idosos e as crianças que nunca tomaram a vacina e nunca viram o vírus. São ‘virgens’ do vírus. Daí a importância de reforçar a vacinação”
Renato Kfouri
presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, em entrevista ao Nexo
O documento enfatiza que tanto a vacina CoronaVac, do Butantã, como a da Pfizer têm valores próximos de 90% de efetividade contra a infecção e, principalmente, contra hospitalização por covid-19. Ambas também são seguras, com raros relatos de efeitos colaterais graves. O texto explica ainda que a vacinação completa (incluindo doses de reforço) é necessária porque a resposta imune desenvolvida após a imunização decai ao longo do tempo.
Criança recebe vacina contra a covid em São Paulo
A vacinação também é importante porque continua a proteger o coletivo, segundo Marcelo Otsuka, pediatra e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia. “A vacinação não é um bem só individual”, disse ao Nexo. “Uma criança com uma doença pode não ter problema, mas outras podem ter necessidades de internação e até morrer por causa da infecção [que tem mais chances de se disseminar quando a cobertura vacinal é baixa].”
“Conseguimos erradicar diversas doenças no Brasil por conta da vacinação. Hoje muitas pessoas não sabem o que são epidemias de pólio, sarampo e coqueluche. A vacinação não é para proteger uma única pessoa, mas uma nação. Não podemos baixar a guarda”
Marcelo Otsuka
pediatra e coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, em entrevista ao Nexo
Para Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, discursos que defendem a dispensa da obrigatoriedade da vacina são um desserviço para a saúde pública. “[Eles] tiram a confiança não só na vacina da covid-19, mas na política pública que a coloca à disposição”, disse ao Nexo. “Ninguém nunca no Brasil deixou de matricular uma criança porque não estava com a vacinação em dia”, “mas é um direito das crianças se protegerem”, completou.
Dados da plataforma Vacinômetro, do Ministério da Saúde, mostram que cerca de 6,7 milhões de brasileiros de 6 meses a menos de 5 anos tomaram ao menos uma dose da vacina contra a covid-19. São 2,8 milhões de bebês de até 2 anos e 3,8 milhões de crianças de 3 a 4 anos. Os números são muito menores que o total dessas populações:
6,1 milhões
é a quantidade de brasileiros de 6 meses a 2 anos, segundo o Censo de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
5,4 milhões
é a quantidade de brasileiros de 3 e 4 anos, segundo o mesmo Censo
A quantidade de imunizantes aplicados diminui à medida que o esquema vacinal avança. Enquanto 1,5 milhão de bebês de 6 meses a 2 anos receberam a primeira dose contra a covid-19, apenas 913 mil receberam a segunda e 420 mil, a terceira, segundo o Ministério da Saúde. O grupo está elegível para a vacinação desde o fim de 2022.
ADESÃO EM QUEDA
A queda de adesão à vacinação se explica por diferentes motivos. Estão entre eles a falta de acesso a doses, a hesitação vacinal e a desinformação sobre os imunizantes. Esses problemas não afetam só a campanha de imunização contra a covid-19, mas também a de outras vacinas infantis, que registraram baixas coberturas nos últimos anos.
Em 2023, o Ministério da Saúde divulgou que oito vacinas recomendadas do calendário infantil apresentaram aumento nas coberturas de janeiro a outubro daquele ano. Nenhum dos imunizantes atingiu a meta nacional de 95%. Para a pasta, no entanto, o resultado é positivo por poder indicar uma reversão na tendência de queda.
O NEXO AGORA TEM UM CANAL NO WHATSAPP!
Você pode se inscrever neste link
Ative as notificações para receber avisos de publicação ao longo do dia.
NEWSLETTER GRATUITA
Enviada à noite de segunda a sexta-feira com os fatos mais importantes do dia
Gráficos
O melhor em dados e gráficos selecionados por nosso time de infografia para você
NAVEGUE POR TEMAS
ponto. futuro
Navegue por temas