Por que a promoção da diversidade perde espaço nas big techs
Mariana Vick
05 de setembro de 2024(atualizado 07/01/2025 às 19h12)Microsoft, Zoom, Google e Meta reduzem ou cortam investimentos em programas voltados à inclusão de grupos sub-representados. Movimento registrado desde 2023 ocorre poucos anos depois de ‘boom’ de iniciativas para o tema
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Logos de aplicativos de big techs são exibidos na tela de um celular
Anos depois do “boom” de iniciativas pró-diversidade, equidade e inclusão em grandes empresas de tecnologia, o Vale do Silício parece ter fechado as portas para o tema. A Microsoft demitiu em julho sua equipe de promoção da diversidade por “não ser mais crítica para os negócios”. Meses antes, o Zoom, o Google e a Meta fizeram o mesmo.
Iniciativas de DEI (sigla para diversidade, equidade e inclusão) buscam incentivar a pluralidade nos espaços de trabalho. A adoção de equipes voltadas ao tema abriu portas para grupos sub-representados ou sujeitos a discriminação — como mulheres e pessoas negras e LGBTI+ — em setores como o de tecnologia. O encerramento de suas atividades em grandes empresas traz incertezas para a área.
Neste texto, o Nexo explica o que impulsionou o “boom” de iniciativas de diversidade, equidade e inclusão anos atrás, quais investimentos foram reduzidos ou cortados no Vale do Silício e por que esse movimento ocorre. Mostra também quais podem ser os efeitos dessas decisões e quais devem ser os critérios para avaliar as ações de DEI.
As propostas de diversidade, equidade e inclusão não são exatamente novas em países como os Estados Unidos, onde fica o Vale do Silício. Organizações como a Girls in Tech, instituição sem fins lucrativos dedicada ao recrutamento de mulheres para empresas de tecnologia, foram fundadas em 2007, por exemplo. O “boom” das iniciativas de DEI, no entanto, ocorreu em 2020.
O ano foi marcado pelo assassinato de George Floyd na cidade de Minneapolis. O afro-americano morreu estrangulado por um policial que se ajoelhou em seu pescoço por Floyd supostamente ter usado uma nota falsa de US$ 20 em um supermercado. O episódio comoveu o mundo, impulsionou protestos do movimento Black Lives Matter e fez organizações repensarem suas práticas de diversidade e inclusão.
Manifestante empunha cartaz do movimento Black Lives Matter, contra violência policial nos EUA
“Embora esse episódio tenha acontecido nos Estados Unidos, ele impulsionou uma cena global”, disse ao Nexo Gabriela Agustini, fundadora e codiretora executiva do Olabi, organização sem fins lucrativos da área de tecnologia e inovação. “Talvez a gente possa questionar o quanto ele foi um marco ou um catalisador”, mas foi aí que diversas empresas decidiram criar ações específicas de DEI, segundo ela.
Gigantes dos setores de tecnologia — como Google, Meta e Microsoft — embarcaram no que o jornal americano The New York Times chamou de “acerto de contas racial”. Poucos anos depois, no entanto, a contratação para funções de DEI caiu nos EUA, assim como o número de chamadas para investidores mencionando a sigla. Os cortes da área no Vale do Silício foram registrados entre 2023 e 2024.
Quais empresas fizeram cortes
Microsoft
A Microsoft demitiu em julho sua equipe de diversidade, equidade e inclusão.“O verdadeiro trabalho de mudança de sistemas associado a programas DEI em todos os lugares não é mais crítico para os negócios ou inteligente como era em 2020”, escreveu um funcionário da empresa num email interno, ao qual o site Business Insider teve acesso. O porta-voz da companhia Jeff Jones disse em comunicado que os compromissos da Microsoft com a diversidade “permanecem inalterados”.
Zoom
O Zoom demitiu sua equipe de DEI em janeiro. Em vez dela, a empresa optou por trabalhar com consultores externos e envolver “todos os funcionários” nos esforços de inclusão. Segundo uma mensagem interna da diretora de operações da companhia, Aparna Bawa, obtida pela Bloomberg, era preciso mudar a abordagem da empresa para o tema.
O Google fez cortes em diversos programas voltados para a diversidade em 2023. A empresa demitiu funcionários da área de DEI, descontinuou programas e cortou funções de recrutamento para grupos sub-representados, segundo a emissora CNBC. Um porta-voz da companhia afirmou à reportagem que o Google continua fortemente dedicado aos esforços de diversidade, equidade e inclusão.
Meta
A Meta também fez cortes em DEI em 2023, segundo a mesma reportagem da CNBC. A companhia demitiu funcionários e reduziu programas voltados para a diversidade, entre outras ações. “Nosso compromisso com DEI continua no centro de quem somos como empresa”, escreveu um porta-voz da Meta em declaração à emissora.
Os cortes nas iniciativas de diversidade, equidade e inclusão são justificados principalmente por razões financeiras. Quando há crises econômicas no setor de tecnologia, os primeiros orçamentos cortados são em DEI, já que essa não é uma área que dá retorno financeiro no curto prazo. “O discurso é de que isso vai ser diluído e trabalhado em outras áreas”, disse Agustini.
As iniciativas de DEI também entraram nas chamadas guerras culturais dos EUA. A adoção desse tipo de programa tem despertado forte reação da direita americana nos últimos anos, representada por figuras como Elon Musk, que publicou em 2023 no X (ex-Twitter) que a “DEI deve MORRER”. Há uma grande divisão partidária sobre o tema.
78%
dos trabalhadores americanos identificados como democratas disseram em pesquisa em 2023 que é bom que empresas tenham iniciativas de DEI, enquanto apenas 30% dos republicanos afirmaram o mesmo
A campanha da direita contra a diversidade chegou até mesmo à Justiça. A Suprema Corte americana anulou em 2023 admissões de estudantes baseadas em ações afirmativas em universidades como Harvard. A decisão desencadeou uma onda de processos semelhantes e ameaças legais contra programas de diversidade de empresas.
Levantamento da organização Paradigm mostrou que, depois de um aumento nos investimentos em DEI em 2020, houve uma queda de quatro pontos percentuais no número de organizações com orçamentos dedicados ao tema em 2022 e 2023. Também houve redução de nove pontos percentuais no número de empresas com uma estratégia formal na área. Companhias que descontinuaram seus programas, como a Meta, estão hoje abaixo da 100ª colocação no ranking de empresas e diversidade da revista Forbes.
Os cortes nas iniciativas de diversidade podem fazer as empresas perderem capacidade de inovação, segundo Agustini. Pesquisa da companhia Accenture, por exemplo, mostra que organizações com políticas sólidas de DEI têm cultura de inovação 600% maior que as que não têm. Esse é um ativo importante para um mercado que está em constante transformação:
“[Devemos] olhar para os ganhos da diversidade não só numa lógica financeira de curto prazo. É preciso que a empresa entenda sua capacidade de inovação, de geração de novas perguntas, de se antenar com valores e possibilidades que ainda não estão mapeados. […] Quanto mais diversidade, maior a capacidade da empresa de responder a um contexto de incerteza e transformação”
Gabriela Agustini
fundadora e codiretora executiva do Olabi, em entrevista ao Nexo
Agustini disse que há um risco de haver retrocesso nas ações que estavam sendo construídas, do ponto de vista da inclusão de grupos sub-representados nos quadros das empresas. “A questão da diversidade, da equidade e da inclusão traz uma necessidade de mudança de cultura. Ela lida com um problema estrutural, que exige um esforço de longo prazo”, afirmou.
Não é como se, por exemplo, os programas de DEI criados tivessem resolvido todas as lacunas de diversidade e inclusão das companhias do Vale do Silício. Dados do Departamento de Trabalho dos EUA mostram que o crescimento de mulheres nos cargos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática foi de apenas um ponto percentual entre 2000 e 2022. A proporção de trabalhadores negros no Google nos EUA, por sua vez, aumentou 2,4 pontos percentuais entre 2019 e 2024, mas eles seguem compondo menos de 6% da companhia.
26%
era o percentual de mulheres trabalhando nos cargos de ciência, tecnologia, engenharia e matemática nos EUA em 2022, segundo dados do Departamento de Trabalho dos EUA
Também há efeitos indiretos da redução dos investimentos em DEI. Depois de quase duas décadas de atividade, a organização Girls in Tech fechou as portas em 2024 por falta de financiamento das empresas que antes as contratavam para parcerias. O mesmo ocorreu em 2023 com outra organização do tipo, a Women Who Code.
Agustini afirmou que a promoção de DEI “não é rápida, nem tem uma receita de bolo”. Segundo ela, é difícil que as empresas consigam implementá-la de forma “diluída”, sem equipes dedicadas ao tema. “Só com intencionalidade, esforço coletivo e políticas permanentes é possível avançar até um ponto em que isso [a desigualdade] seja um problema do passado”, disse.
A avaliação desses programas ainda é um desafio. Agustini, porém, disse acreditar que usar como métrica apenas o resultado financeiro é uma estratégia limitada e focada em lógicas do passado. Com os cortes motivados por esse argumento, ela disse se preocupar com a possibilidade de que as empresas tenham que fazer investimentos ainda maiores caso venham a retomar essas políticas, “porque a descontinuidade custa caro”.
Laboratório para processadores de inteligência artificial da Amazon, nos EUA
Reportagem da emissora CNBC publicada em 2023 chamou a atenção para um desafio particular do setor de tecnologia que pode surgir com a redução da diversidade nas empresas: a inteligência artificial. O desenvolvimento de ferramentas de IA cresceu enormemente nos últimos anos. Com menos vozes diversas representadas nesse trabalho, os produtos finais poderão não representar a variedade de seus usuários.
Para incentivar empresas que querem investir em estratégias de DEI, há diversos materiais online sobre o tema. Agustini disse que o Olabi tem uma plataforma voltada a profissionais de qualquer cargo que desejam repensar e implementar novas práticas em suas companhias. Outros materiais, como ebooks, podem ser consultados.
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