Expresso

O papel do Ministério da Agricultura na crise das queimadas

Mariana Vick

19 de setembro de 2024(atualizado 19/09/2024 às 19h26)

Pasta libera R$ 6,5 bilhões para produtores rurais atingidos pelo fogo. Investigações apuram suspeita de incêndios criminosos causados por representantes do setor agropecuário. Entidades se defendem 

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FOTO: Carla Carniel/Reuters - 13.set.2024Duas pessoas estão em frente a uma placa que diz: ar ou agro?

Pessoas em frente a uma placa como parte de um protesto contra incêndios no país, em São Paulo

As queimadas que ocorrem no Brasil estão ligadas a um setor que aparece ao mesmo tempo como vítima e culpado pela situação: o agropecuário. Produtores rurais estão sendo investigados por dar início ao fogo em lugares como a Amazônia e o Pantanal. Associações da área, enquanto isso, relatam prejuízos bilionários pela queima de cultivos e áreas de pastagem.

O quadro põe dentro da crise ambiental o Ministério da Agricultura, um dos diversos órgãos do governo acionados para lidar com os incêndios. A pasta anunciou neste mês R$ 6,5 bilhões do Plano Safra para produtores afetados pelo fogo. O alcance do órgão, no entanto, é mais limitado, e ambientalistas cobram a adoção de novas políticas públicas.

Neste texto, o Nexo explica quais são as causas das queimadas, quais são as atribuições do Ministério da Agricultura em cenários como este e o que foi feito até agora sobre o fogo. Mostra também avaliações da atuação da pasta durante a crise e o que dizem representantes do agronegócio sobre o tema.

O que explica o fogo

A temporada de fogo que atinge diferentes partes do Brasil tem relação, em grande parte, com a ação humana. A queimada é uma técnica usada para limpar áreas para o plantio de lavouras e pastagens ou após o desmatamento. Quando elas são grandes, numerosas ou favorecidas por condições ambientais, podem perder o controle e tornar-se grandes incêndios.

As queimadas costumam se destacar em épocas de seca, já que a baixa umidade do ar favorece sua dispersão. Esse é um dos motivos pelo qual os incêndios têm sido tão grandes em 2024. Dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais) mostram que o Brasil passa pela maior seca de sua história desde 1950.

1 a cada 4

hectares queimados em agosto está em áreas de pastagens, usadas para a pecuária, segundo dados do Monitor do Fogo, da rede MapBiomas 

As razões imediatas para a seca são o fenômeno climático El Niño — que, aliás, também causou uma estiagem severa em 2023 —, encerrado em meados de 2024, e o aquecimento do oceano Atlântico Tropical Norte. Também há a influência da mudança climática. O quadro atual é consistente com as projeções de aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos em decorrência do aquecimento global.

A queimada nem sempre é ilegal, embora tenha sido proibida em diversos estados em 2024 por conta da seca. Autoridades de lugares como São Paulo — que registrou queimadas recordes em agosto — e do Pantanal suspeitam, no entanto, que nesses lugares os incêndios sejam criminosos. Pelo menos 12 fazendeiros estão sendo investigados por focos de incêndio no Pantanal, segundo o Ministério Público do Mato Grosso do Sul.

O que cabe ao Ministério da Agricultura

O Ministério da Agricultura é responsável pela gestão das políticas de estímulo à agropecuária no Brasil, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. A pasta busca integrar os aspectos mercadológicos, tecnológicos, científicos, organizacionais e ambientais do agro. Estão entre seus objetivos: 

  • garantir a segurança alimentar do país
  • garantir a produção de excedentes para a exportação

A pasta não tem o papel de fiscalizar o uso do fogo, que cabe a órgãos ambientais estaduais. Também não tem poder para punir produtores rurais investigados ou condenados por incêndios criminosos. É tarefa do ministério, no entanto, socorrer possíveis atingidos em desastres — como fez agora, com o Plano Safra —, disse ao Nexo Mayrá Lima, cientista política e pesquisadora na UnB (Universidade de Brasília).

O Plano Safra é o maior programa do governo federal para o financiamento rural. Sua principal modalidade, o crédito rural, ajuda a minimizar o impacto financeiro de fatores externos que interferem no processo produtivo. A liberação de R$ 6,5 bilhões anunciada neste mês faz parte de uma linha de crédito específica no âmbito do plano. 

FOTO: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil 15.09.2024Brigadista tenta conter chamas em incêndio no Parque Nacional de Brasília. Ele usa capacete amarelo e uma roupa laranja, e observa grandes labaredas de fogo

Brigadista tenta conter chamas em incêndio no Parque Nacional de Brasília

 

Para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, as atribuições do ministério poderiam ser mais amplas. Ações de educação e conscientização de produtores rurais em relação ao uso do fogo, por exemplo, poderiam minimizar a atual crise no país. Não há sequer alertas recentes sobre o tema no site ou nas redes sociais da pasta, por exemplo.

“O Ministério da Agricultura deveria orientar tecnicamente os produtores rurais a evitar o uso do fogo nas práticas agrícolas, especialmente em períodos de extrema seca. […] Há evidências de crimes dolosos que estão sendo praticados em alguns locais, mas o uso do fogo de forma negligente em práticas agrícolas, sem autorização prévia e sem cuidados técnicos, responde por muitos incêndios”

Suely Araújo

coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, em entrevista ao Nexo 

O que diz a legislação sobre o tema

Lima afirmou que a atuação do Ministério da Agricultura está dentro das possibilidades legislativas. Não há em textos de leis como a do novo Código Florestal a previsão de sanções econômicas para produtores rurais envolvidos em queimadas ilegais — que hoje só são punidos na arena criminal —, por exemplo. Para ela, a legislação ainda é frouxa nesse sentido:

“Basta o produtor rural se inscrever no PRA (Programa de Regularização Ambiental) para que ele fique apto a receber os subsídios do Plano Safra. Não precisa haver confirmação do cumprimento dos regramentos do Código Florestal. Essa legislação é frouxa para impedir qualquer tipo de subsídio governamental quando há queimada ou desmatamento ilegal cometido, por ventura, por algum produtor rural”

Mayrá Lima

cientista política e pesquisadora na UnB (Universidade de Brasília), em entrevista ao Nexo 

Esse tema foi objeto de negociação da bancada ruralista durante a votação do novo Código Florestal, em 2012, segundo ela, que estuda a Frente Parlamentar da Agropecuária. O texto votado na época recebeu críticas de ambientalistas por conter flexibilizações para a proteção ambiental. Apesar disso, ele foi aprovado e sancionado pela ex-presidente Dilma Rousseff, do PT.

Propostas legislativas recentes tentam mudar a situação. O projeto de lei nº 5.456, do deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) e de outros parlamentares, por exemplo, estabelece que imóveis autuados por órgãos ambientais por queimada ou desmatamento ilegal terão que pagar Imposto Territorial Rural no valor total do imóvel até a recuperação dos danos ambientais. O texto está em discussão na Câmara dos Deputados.

FOTO: Joel Silva /Reuters - 24.ago.2024Imagem aérea mostra um enorme volume de fumaça escura e cinza sobre uma plantação amarelada de cana-de-açúcar. Há uma linha de fogo separando a fumaça da área ainda não queimada de plantação.

Incêndio em plantação de cana-de-açúcar na cidade de Dumont (SP)

Araújo afirmou que as penas para quem provoca incêndios deveriam ser maiores, incluindo também medidas como a suspensão de crédito e do CAR (Cadastro Ambiental Rural) — registro obrigatório para toda propriedade rural. “Espero que as propostas nesse sentido prosperem, mas provavelmente será difícil aprovar sanções muito duras no Congresso Nacional”, acrescentou. Centenas de parlamentares fazem parte da bancada ruralista, com histórico de aprovar medidas contra a proteção ambiental.

290 

deputados federais e 50 senadores fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional 

Qual é o lugar do ministério nesse cenário

Lima afirmou que o Ministério da Agricultura sempre teve papel lateral em épocas de queimadas, como as de agora. “Nunca foi um ministério procurado. Parece que ele entra no circuito agora pela desconfiança — ainda que não se saiba a motivação — de que produtores rurais estão provocando [incêndios] de forma intencional”, disse. 

Apesar de as atribuições da pasta serem limitadas, ela acredita que seu papel deveria crescer, considerando o atual contexto de mudança climática. “Tratar desse tema apenas no Ministério do Meio Ambiente [que concentra as ações contra o fogo] atrapalha”, disse. Para ela, deveria haver protocolos para que a produção rural não fosse apenas atingida pelo fogo, mas que não fosse provocadora de incêndios.

FOTO: Ueslei Marcelino/Reuters - 12.jun.2024Silhueta aparece à frente de muito fogo e fumaça, numa floresta escura, à noite.

Fumaça de queimadas na cidade de Corumbá (MS), no Pantanal

Araújo afirmou que o ministro da pasta, Carlos Fávaro, “deveria estar pessoalmente liderando os produtores rurais para não fazerem mais uso do fogo”. Ela criticou a carta enviada neste mês à União Europeia por ele e pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, em que os dois pedem que o bloco não ponha em prática suas novas regras antidesmatamento. Para eles, as normas podem afetar 30% das vendas de produtos brasileiros ao bloco.

O Nexo entrou em contato com o Ministério da Agricultura para  responder às críticas e entender suas ações durante a crise das queimadas. A pasta não havia enviado resposta até a noite desta quarta-feira (18).

O que dizem representantes do setor

Entidades do agronegócio lançaram campanhas nas redes sociais em defesa do setor no contexto das queimadas. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara dos Deputados, Pedro Lupion (PP-PL), disse à CNN Brasil que o campo tem sido alvo de ofensiva de ambientalistas. “Há uma tentativa de atribuir culpa ao agro pelos incêndios, mas os mais prejudicados somos nós”, afirmou.

“Os ambientalistas não aceitam nosso protagonismo no Congresso” 

Pedro Lupion

deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, em entrevista à CNN Brasil 

Publicação da Frente Parlamentar da Agropecuária no Instagram traz números sobre as queimadas. De acordo com a postagem, que cita como fonte a Orplana (Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil), o fogo trouxe R$ 1 bilhão de prejuízo para a agropecuária de São Paulo. Já na Amazônia e no Pantanal, as perdas foram de R$ 13,6 milhões na agricultura e de R$ 9,2 milhões na agropecuária.

Para Tereza Cristina (PP-MS), senadora e ex-ministra da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro, a culpa colocada no agro “é para justificar a inoperância e a incompetência do governo” nas ações contra as queimadas. Não é o conjunto do agronegócio que promove as queimadas, mas grileiros, disse ela à Rádio Bandeirantes. “O fogo é mortal para o produtor rural, principalmente em um momento como este.”

Outra representante do setor que se manifestou foi a senadora Rosana Martinelli (PL-MT). “Nós já sabíamos. Já tinha essa previsibilidade de que este ano seria mais acentuada a seca. Qual é o planejamento do governo?”, disse em plenário. “Se não se organizar, vai acontecer no ano que vem a mesma coisa.” 

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