Expresso

O que é o tratado contra o plástico discutido na ONU

Mariana Vick

26 de novembro de 2024(atualizado 26/11/2024 às 22h12)

Mais de 170 países se reúnem em Busan, na Coreia do Sul, para última rodada de negociações sobre documento apelidado de ‘Acordo de Paris do plástico’. Divergências dificultam formação de consenso

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FOTO: Agustin Marcarian/Reuters - 26.set.2024Elefante-marinho está deitado sobre a areia, durante o dia. Ao lado dele, há peças de plástico pretas.

Elefante-marinho toma banho de sol ao lado de lixo plástico em praia na Argentina

Mais de 170 países se reúnem a partir de segunda-feira (25) em Busan, na Coreia do Sul, para a última rodada de negociações do chamado Tratado Global de Combate à Poluição Plástica. O encontro busca firmar o acordo da ONU após dois anos de discussão. A duração prevista para a reunião é de sete dias, com fim marcado para 1º de dezembro.

Apelidado de “Acordo de Paris do plástico” pela força que pode adquirir se for aprovado, o tratado busca criar regras globais juridicamente vinculantes — ou seja, obrigatórias para os países que o ratificarem — para diminuir a poluição por plástico. O tema é um dos principais desafios ambientais de hoje. A produção e o descarte inadequado do material são crescentes.

Neste texto, o Nexo explica o que prevê o Tratado Global de Combate à Poluição Plástica, qual o histórico de negociações e quais são as expectativas e desafios para a aprovação do texto. Mostra também qual é o panorama da poluição plástica no mundo.

O que o texto promete

O Tratado Global de Combate à Poluição Plástica tem o objetivo de reduzir a poluição plástica no mundo. As negociações buscam criar um instrumento juridicamente vinculante sobre o tema. O texto pode abordar pontos como o ciclo de vida dos plásticos, a gestão de resíduos e medidas para eliminar gradualmente o material, substituindo-o por materiais alternativos.

O acordo deve dar atenção especial à poluição no ambiente marinho, onde o plástico é onipresente. De acordo com estimativas citadas pela ONU, é possível que haja mais plástico do que peixes nos oceanos até 2050. Essa poluição é puxada principalmente por produtos de uso único e de vida curta, como garrafas e embalagens de alimentos. 

FOTO: Cheryl Ravelo-Gagalac/ReutersGaroto recolhe plástico que se acumulou na costa das Filipinas após passagem de tufão, em 2007

Garoto recolhe plástico que se acumulou na costa das Filipinas após passagem de tufão, em 2007

O tratado não deve propor banir o uso de todo plástico, segundo observadores do processo. Negociações anteriores às que começaram na segunda (25) em Busan decidiram que o texto focaria na produção dos plásticos mais problemáticos — como os de vida mais curta, ou com menor potencial de reciclagem — ou evitáveis. As discussões são conduzidas pelo chamado INC (Comitê Intergovernamental de Negociação).

“A ideia não é, de forma alguma, abolir o uso do plástico. Esse é o discurso e a caricatura promovidos pelos defensores da produção excessiva. Mas nenhum Estado ou ONG propõe isso. O que precisamos fazer é limitar o uso do plástico a finalidades essenciais, que justifiquem os impactos ambientais e de saúde que ele gera”

David Azoulay

advogado no Centro para o Direito Internacional Ambiental, sediado na Suíça, em declaração para a AFP 

António Guterres, secretário-geral da ONU, afirmou que a atual sessão de negociações é uma “oportunidade histórica” para proteger o planeta, que “está sendo afogado na poluição plástica”. Em mensagem em vídeo, ele pediu que os países apresentem um tratado “ambicioso, credível e justo”. Também pediu que o texto não deixe de lado as pessoas mais vulneráveis na cadeia do plástico, como os catadores.

Qual o histórico das negociações

As discussões sobre o tratado começaram em 2022, quando uma resolução da Assembleia da ONU para o Meio Ambiente decidiu criar um instrumento internacional sobre a poluição plástica. Com a decisão, o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) convocou o INC para desenvolver o texto. O prazo dado ao grupo foi até o fim de 2024.

Antes da reunião que começou na segunda (25), houve quatro rodadas de negociações do tratado desde 2022. Os encontros ocorreram em quatro países: Uruguai, França, Quênia e Canadá. A reunião deste ano também foi precedida por reuniões ministeriais, consultas regionais e diálogos com observadores externos. 

FOTO: Carl Court/Getty ImagesGarrafas de plástico processadas em lote para reciclagem

Garrafas de plástico processadas em lote para reciclagem

Diversos países, organizações da sociedade civil e empresas acompanham o debate. Em 2018, antes do início das negociações na ONU, a Fundação Ellen MacArthur reuniu corporações como Coca-Cola, PepsiCo, Danone, Nestlé, L’Oréal e Unilever no chamado Compromisso Global, acordo voluntário de redução da poluição plástica. O grupo pede que o novo tratado tenha regras ambiciosas e permita investimentos para mudanças nos sistemas de produção.

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Os países que participam das negociações, no entanto, divergem entre si. De um lado, um grupo liderado pela União Europeia e também composto por países da África e da Oceania defende discutir o ciclo de vida do plástico (da produção ao descarte) e aprovar um tratado ambicioso, com obrigações vinculantes. Do outro, países produtores de petróleo — como Arábia Saudita, Rússia e Venezuela — buscam limitar as discussões ao problema dos resíduos, sem debater sua produção.

Quais são os desafios para as negociações

Apesar das expectativas sobre o tratado, há desafios para a conclusão das negociações em Busan. As divergências entre países geram uma série de impasses nas discussões. Ainda na segunda-feira (25), o rascunho do acordo tinha mais de 70 páginas, com vários trechos marcados por colchetes (indicações de pontos que não foram resolvidos).

A primeira questão não resolvida tem a ver com o escopo do tratado. Falta definir se ele vai abranger todo o ciclo de vida do plástico, incluindo a produção — como quer parte dos países —, ou se ele vai ser limitado ao consumo. Outros dois desafios estão ligados à definição de produtos químicos nocivos presentes nos plásticos e à criação de um mecanismo financeiro (um fundo, por exemplo) para apoiar a implementação do acordo.

FOTO: Nacho Doce/Reuters - 14.mar.2014Mulher com mãos na cintura em cima de um fardo de materiais plásticos

Recicladora em cima de fardo de materiais recicláveis no Viaduto do Glicério, em São Paulo

A eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, tornou-se um desafio  adicional para o acordo. Há rumores de que, com os impasses vistos agora, seja necessário um encontro extra para selar o tratado. Essa proposta, no entanto, esbarra na posse do novo presidente — que, por ser um negacionista climático, provavelmente não ratificará o acordo. 

é a posição do Estados Unidos no ranking mundial de produtores de lixo plástico, segundo dados da organização WWF

Inger Andersen, diretora do Pnuma, disse que Busan pode e deve marcar o fim das negociações. Para tentar destravar as negociações, o embaixador Luis Vayas Valdiveso, presidente do INC, apresentou em outubro um documento alternativo ao rascunho oficial. O texto, no entanto, recebeu críticas por ter feito concessões a países que buscam regras mais brandas, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.

Como o plástico virou um problema tão grande

O plástico é um material sintético fabricado a partir do rearranjo das moléculas do petróleo bruto. Criado a partir de diferentes descobertas entre os séculos 19 e 20, ele ganhou escala exponencial de crescimento nos anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Leve, barato e flexível, tornou-se um símbolo das facilidades e conveniências da era moderna.

A primeira vez em que um cientista se deparou com o problema potencial do plástico foi no início dos anos 1970, quando o biólogo marinho Ed Carpenter encontrou pedaços do material no oceano atlântico. Após algumas décadas, no início dos anos 2000, outros estudos passaram a descrever os desafios ambientais do plástico. Estão entre eles:

  • o descarte inadequado, que gera poluição 
  • a baixíssima taxa de decomposição do plástico, que faz com que ele persista no ambiente por muito tempo
  • a também baixa taxa de reciclabilidade, de cerca de 9%
  • os danos dessa poluição para a biodiversidade, principalmente nos oceanos
  • a disseminação dos chamados microplásticos, com impactos inclusive na saúde humana
  • a produção crescente do material, que demanda recursos naturais
  • as emissões de gases de efeito estufa associadas ao petróleo

A produção de plásticos dobrou nos últimos 20 anos, abrangendo áreas como a medicina, a moda, a comunicação e a indústria bélica. Foram consumidas 300 milhões de toneladas de plástico apenas em 2020, e algumas estimativas mostram que o número pode chegar a 500 milhões em 2030. O lixo plástico também dobrou em duas décadas, e projeções indicam que esse volume pode triplicar até 2060.

3%

das emissões globais de gases de efeito estufa — que geram a atual mudança climática — vêm do plástico 

600 anos

é o tempo estimado de decomposição de linhas de pescar feitas de plástico; sacos plásticos (20 anos), canudos (200 anos) e garrafas (450 anos) também têm persistência longa no meio ambiente

O Brasil é um dos maiores produtores de lixo plástico no mundo, ocupando o quarto lugar no ranking mundial — atrás apenas dos Estados Unidos, da China, da Índia e da Indonésia —, com 11,3 milhões de toneladas por ano, segundo dados da organização WWF. Apenas 1,2% desse material é reciclado. A taxa de reciclagem é menor que a de países como o Iêmen e a Síria.

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