Supersalários: como resgatar o teto constitucional?
Isadora Rupp
23 de março de 2025(atualizado 23/03/2025 às 21h39)Debate sobre o fim dos ‘penduricalhos’ é crescente no Congresso e foi elencado como prioridade do governo federal. ‘Nexo’ mostra qual é o quadro do problema no Brasil
Ilustração com cédulas de real
Em 2023, 93% dos magistrados brasileiros receberam salários acima do teto constitucional, atualmente fixado em R$ 46.366,19 mensais.
Desde a sua redação original, a Constituição de 1988 estabeleceu um limite máximo para a remuneração de servidores públicos, que não deve extrapolar a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo com a regra, o limite vem sendo desrespeitado, e os chamados “supersalários” voltaram à discussão pública por causa de projetos de lei apresentados por parlamentares da direita à esquerda e pelo governo federal ter elencado o fim das remunerações acima do teto como prioridade para 2025.
Neste texto, o Nexo mostra qual é a dimensão do problema no país, os setores que mais extrapolam o teto e o que é necessário fazer para que a regra seja respeitada.
Segundo nota técnica do Movimento Pessoas à Frente, elaborada por Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral e autor de livros como “O país dos privilégios”, a prevalência dos chamados “supersalários” é gritante no Judiciário brasileiro.
O estudo, publicado em dezembro de 2024, analisou dados das folhas de pagamento do Portal da Transparência do Poder Executivo Federal, do Conselho Nacional de Justiça, de membros de 12 unidades do Ministério Público e da seção dados abertos da Câmara dos Deputados.
A análise concluiu que 93% dos magistrados no país receberam acima do teto constitucional em 2023, ano anterior ao estudo. Entre promotores e procuradores do Ministério Público, esse porcentual foi de 91,5%. Isso ocorre porque há uma interpretação do conceito de verbas indenizatórias que acabam tornando o teto constitucional ineficiente – são os chamados “penduricalhos”, instituídos por decisões administrativas e que torna os subsídios imunes às deduções para, em teoria, se cumprir o teto constitucional e não sofrer a incidência de imposto de renda.
Diferenças
Verba Remuneratória
O termo remuneratório é usado para as verbas trabalhistas de natureza salarial e indica a natureza de contraprestação, ou seja, a remuneração ao serviço prestado. Em linhas gerais, é o salário pago em sentido estrito.
Verba indenizatória
O termo indenizatório é usado para reparar despesas ou danos incorridos ao trabalhador para viabilizar a sua função. São de caráter eventual e transitório, não tem o objetivo de contraprestação mensal, mas de reparação eventual e devem ser expressamente criadas em lei, e não por ato administrativo.
Na categoria de verbas indenizatórias estão benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, verbas de representação, gratificações por acúmulos de função ou de processos, além de outros pagamentos como indenização pelo uso de celular pessoal e ajuda de custo para capacitação.
Dentro do Judiciário, um dos críticos mais vocais ao problema tem sido o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino. Na terça-feira (18), durante julgamento da Primeira Turma da Corte, o ministro falou que a remuneração acima do teto “constrange o Judiciário”. Em fevereiro, Dino negou um pedido para liberar o pagamento de auxílio-alimentação para os juízes dos tribunais de Minas Gerais.
Segundo o estudo elaborado por Bruno Carazza, nos demais órgãos pesquisados, o problema é residual: na Câmara dos Deputados, entre os mais de 20 mil servidores, apenas 0,7% receberam acima do teto em 2023.
No Poder Executivo Federal, somente 13.568 servidores receberam mais que o salário de um ministro do STF em 2013, o que representa 0,14%. A concentração dos supersalários, neste caso, fica em carreiras como: advogados públicos, diplomatas, militares e situações de acúmulos legais de cargos (como a de dois cargos de professor, por exemplo).
Atualmente, estão em pauta no Congresso Nacional algumas propostas que tratam dos supersalários, como o PL 2.271/2021, conhecido como o “PL dos Supersalários” e o PL n° 4413/2024, de autoria do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP).
O “PL dos Supersalários”, que está em fase final de tramitação, procura disciplinar as verbas que estão sujeitas ao teto constitucional e as que ficarão fora da trava constitucional.
Segundo estudo jurídico de autoria das advogadas Maria Fernanda Teixeira, Elisa Amorim Boaventura e do advogado João Paulo Bachur, o projeto identifica e regulamenta 32 exceções ao teto remuneratório.
Ou seja: as exceções ao teto seriam aplicadas à grande maioria dos servidores, e incisos do projeto enquadram como indenizatórias verbas que deveriam ser remuneratórias e submetidas ao teto constitucional.
Senadores e deputados federais em sessão no Congresso Nacional
Por isso, os autores do trabalho chamam atenção de que, ao invés de sanar o problema, a aprovação do “PL dos Supersalários” com o texto atual acabariam legalizando os supersalários. O estudo propõe que 14 dos 32 incisos do projeto sejam revistos.
Já a proposta de Boulos pretende acabar com os “penduricalhos” e visa garantir que nenhum servidor receba acima do teto constitucional. De acordo com o deputado, isso geraria uma economia de R$ 5 bilhões ao ano.
O governo federal também elencou como prioridade o fim dos supersalários. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o tema em uma uma lista de assuntos centrais a serem tratados na Câmara dos Deputados nos próximos dois anos. Em uma entrevista ao podcast Flow no dia 7 de março, Haddad disse que a proposta é “moralizante”.
“Sou a favor que um juiz ganhe bem, um desembargador ganhe bem. Acho que tem que pagar bem. Mas acredito que tem que ter parâmetros bastante rígidos [de remuneração]”, afirmou o ministro ao podcast.
Segundo nota técnica elaborada por Bruno Carazza, alguns aspectos devem nortear a questão dos supersalários no funcionalismo brasileiro.
Como o problema, de acordo com os dados, é concentrado principalmente na magistratura e no Ministério Público, a regulamentação do teto de gastos e suas exceções deve ser realizada via emenda constitucional ou lei complementar, para que não se tornem inefetivas sob o argumento de contrariarem o princípio da separação dos Poderes.
De acordo com Carazza, listar individualmente as exceções ao teto não é uma boa ideia, pois há risco de uma expansão exagerada das hipóteses de pagamento de acordo com o poder de articulação e pressão de cada categoria. O ideal é que o texto abarque os pagamentos de qualquer natureza sob o teto constitucional.
Outra medida urgente, segundo o autor, é definir de maneira mais rigorosa os contornos das verbas remuneratórias e indenizatórias. Nos anos recentes, para evitar a aplicação do teto constitucional e cobrança de imposto de renda, carreiras do Ministério Público e do Poder Judiciário criaram benefícios remuneratórios “disfarçados” de indenizações.
“Essa proliferação de verbas indenizatórias é uma das causas para o alto índice de magistrados, procuradores e promotores com ganhos maiores do que ministros do STF atualmente”, afirma o estudo.
Ajustar a legislação tributária para incluir esses pagamentos na incidência de imposto de renda para pessoa física e limitar a ampla liberdade com que órgãos do Poder Judiciário criam administrativamente novas formas de remuneração são outros caminhos propostos por Carazza para que o teto constitucional volte a ser respeitado, e que haja “moralização das remunerações no funcionalismo brasileiro”.
A cobertura especial “Políticas de gestão de pessoas para um melhor Estado” é produzida com o apoio do Movimento Pessoas à Frente, organização suprapartidária e plural, composta por mais de 200 pessoas com diferentes perspectivas políticas, sociais e econômicas, comprometidas com o aprimoramento das políticas de gestão de pessoas no setor público.
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