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Por que mais mulheres não ganham prêmios Nobel de ciência?

Mary K. Feeney

15 de outubro de 2019(atualizado 28/12/2023 às 12h29)

Estudos têm mostrado que aquelas que persistem nessas carreiras enfrentam barreiras explícitas e implícitas ao seu progresso

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ARTIGO ORIGINAL

Why don’t more women win science Nobels?

The Conversation

10 de outubro de 2019

Autoria: Mary K. Feeney

Tradução: Camilo Rocha

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FOTO: PONTUS LUNDAHL/TT NEWS AGENCY/REUTERS

donna strickland

A física Donna Strickland ganhou o prêmio Nobel em 2018

Todos os prêmios Nobel de ciência em 2019 foram concedidos a homens.

É um retorno ao cenário tradicional depois que, em 2018, a engenheira bioquímica Frances Arnold ganhou o Prêmio Nobel de química e Donna Strickland recebeu o de física .

Strickland foi apenas a terceira física mulher a receber um Nobel, depois de Marie Curie, em 1903 , e Maria Goeppert-Mayer, 60 anos depois . Quando perguntada sobre como se sentia, ela observou que, no início, foi uma surpresa perceber que havia tão poucas mulheres entre as vencedoras do prêmio: “Mas, ao mesmo tempo, eu vivo em um mundo que é, em sua maior parte, composto de homens, então ver uma maioria masculina não deveria surpreender .”

A raridade que são mulheres laureadas com o Nobel levanta questões sobre a exclusão das mulheres da educação e de carreiras científicas. Pesquisadoras do sexo feminino avançaram muito ao longo do século passado, mas há evidências esmagadoras de que as mulheres permanecem sub-representadas nas chamadas áreas STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

Estudos têm mostrado que aquelas que persistem nessas carreiras enfrentam barreiras explícitas e implícitas ao seu progresso. O preconceito é mais intenso em campos predominantemente masculinos, nos quais as mulheres carecem de uma massa crítica de representação e são frequentemente vistas ocupando um lugar simbólico ou marginal.

Quando as mulheres alcançam os mais altos níveis nos esportes, política , medicina e ciência, elas servem como exemplos para todos – especialmente para meninas e outras mulheres.

À medida que as coisas melhoram em termos de igualdade de representação, o que ainda prejudica as mulheres no laboratório, em postos de liderança e em premiações?

Boas notícias no início do processo

Estereótipos tradicionais sustentam que as mulheres “não gostam de matemática” e “não são boas em ciências”. Tanto homens como mulheres relatam esses pontos de vista , que já foram empiricamente contestados por pesquisadores. Estudos mostram que meninas e mulheres evitam estudos relacionados às áreas STEM não por causa da incapacidade cognitiva, mas pela exposição e experiência precoces com STEM, a política educacional, o contexto cultural, os estereótipos, e a falta de exposição a exemplos a seguir.

Nas últimas décadas, os esforços para melhorar a representação das mulheres nos campos de STEM se concentraram em combater esses estereótipos com reformas educacionais e programas individuais que podem aumentar o número de meninas que entram e permanecem no chamado processo STEM – o caminho dos ensinos fundamental e médio até a faculdade e a pós-graduação nessas áreas.

Essas abordagens estão funcionando. É cada vez mais provável que mulheres expressem interesse nas carreiras STEM e busquem cursos STEM na faculdade. As mulheres agora representam metade ou mais das profissionais de psicologia e ciências sociais e estão cada vez mais representadas na força de trabalho científica, com exceção das ciências da computação e da matemática.

De acordo com o Instituto Americano de Física, as mulheres obtêm cerca de 20% dos diplomas de bacharel e 18% dos doutorados em física, um aumento desde 1975 , quando as mulheres recebiam 10% dos diplomas de bacharel e 5% dos doutorados em física.

Mais mulheres estão se formando com doutorado em STEM e ganhando posições no corpo docente. Mas eles encontram penhascos e tetos de vidro à medida que avançam em suas carreiras acadêmicas.

O que não está funcionando para mulheres

As mulheres enfrentam várias barreiras estruturais e institucionais nas carreiras acadêmicas em STEM.

Além de questões relacionadas à disparidade salarial entre os gêneros, a estrutura da ciência acadêmica geralmente dificulta o progresso das mulheres no local de trabalho e o equilíbrio entre a carga de trabalho e a vida pessoal. A pesquisa científica pode exigir anos de tempo com foco no laboratório. A estrutura do processo para se conseguir a estabilidade na carreira acadêmica pode dificultar, se não tornar impossível , o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e a capacidade de responder às obrigações familiares, ter filhos ou tirar licença familiar.

Além disso, trabalhar em locais dominados por homens pode fazer com que as mulheres se sintam isoladas , percebidas como ocupando um lugar simbólico e suscetíveis ao assédio . As mulheres são frequentemente excluídas das oportunidades de networking e de eventos sociais, fazendo com que se sintam fora da cultura do laboratório, do departamento acadêmico e do campo.

O viés implícito pode funcionar contra a contratação, progresso e reconhecimento do trabalho das mulheres. Por exemplo, as mulheres que procuram empregos acadêmicos têm maior probabilidade de ser vistas e julgadas com base em informações pessoais e aparência física.

Quando falta as mulheres massa crítica em um local de trabalho – entendida como 15% ou mais do total de funcionários – elas têm menos poder para defender suas causas e são mais propensas a ser vistas como grupo minoritário e exceção . Quando se encontram nessa posição minoritária, mulheres podem se sentir mais pressionadas a assumir trabalhos extras como aceitar papéis simbólicos em comitês ou servir de mentoras para estudantes de graduação do sexo feminino .

Com menos colegas do sexo feminino, mulheres têm menos chances de construir relacionamentos com colaboradoras e redes de apoio e aconselhamento . Esse isolamento pode ser exacerbado quando as mulheres são incapazes de participar de eventos de trabalho ou de conferências devido a responsabilidades familiares ou de cuidados infantis , e à incapacidade de usar fundos de pesquisa para reembolsar cuidados infantis.

Universidades, associações profissionais e financiadores federais têm trabalhado para resolver várias dessas barreiras estruturais. Os esforços incluem a criação de políticas voltadas para a família, o aumento da transparência nos relatórios salariais, a garantia das proteções da lei Título IX [que determina que instituições de ensino proporcionem as mesmas oportunidades para homens e mulheres], a provisão de programas de orientação e apoio para mulheres cientistas, a proteção do tempo de pesquisa para mulheres cientistas e a seleção de mulheres para contratação, apoio à pesquisa e promoção. Esses programas têm tido resultados variados.

Por exemplo, pesquisas indicam que políticas que contemplam a família, como licenças-maternidade e cuidado infantil no local de trabalho, podem exacerbar a desigualdade de gênero , resultando em maior produtividade na pesquisa para homens e em mais compromissos relacionados a serviços e ensino para mulheres.

FOTO: REPRODUÇÃO/THE CONVERSATION

wilhelm roentgen

As pessoas não atualizam as imagens mentais que têm da aparência de um cientista desde que Wilhelm Roentgen ganhou o primeiro Nobel de Física em 1901

Vieses implícitos sobre quem faz ciência

Todos nós – o público em geral, a mídia, funcionários de universidades, estudantes e professores – temos ideias sobre como se parece um cientista e um ganhador do Prêmio Nobel. Essa imagem é predominantemente masculina, branca e mais velha – o que faz sentido uma vez que 97% dos ganhadores do Prêmio Nobel de Ciências têm sido homens.

É um exemplo de um viés implícito : uma das suposições inconscientes, involuntárias, naturais e inevitáveis ​​que todos nós – homens e mulheres – formamos sobre o mundo. As pessoas tomam decisões com base em suposições subconscientes , preferências e estereótipos – às vezes até quando essas decisões são contrárias às suas crenças explícitas.

Pesquisas mostram que o viés implícito contra mulheres como especialistas e cientistas acadêmicos é generalizado . Ele se manifesta por meio da valorização, reconhecimento e concessão de bolsas de estudos para homens em detrimento de mulheres.

O viés implícito pode funcionar contra a contratação, progresso e reconhecimento do trabalho das mulheres. Por exemplo, as mulheres que procuram empregos acadêmicos têm maior probabilidade de ser vistas e julgadas com base em informações pessoais e aparência física . As cartas de recomendação para mulheres têm mais chance de suscitar dúvidas e usar linguagem que tenha efeitos negativos em suas carreiras.

O viés implícito pode afetar a capacidade das mulheres de publicar descobertas de pesquisa e obter reconhecimento por esse trabalho. Os homens citam seus próprios estudos 56% mais do que as mulheres. Conhecido como “Efeito Matilda” , existe uma lacuna de gênero em reconhecimento, premiações e citações .

É menos provável que as pesquisas de mulheres sejam citadas por outros, e suas ideias têm maior probabilidade de ser atribuídas a homens . Pesquisas de autoria individual de mulheres levam o dobro do tempo para passar pelo processo de revisão. As mulheres estão sub-representadas nas editorias de revistas acadêmicas , e como acadêmicas seniores e autoras principais e revisoras de seus pares. Essa marginalização em posições-chave trabalha contra a promoção da pesquisa feminina.

Quando uma mulher se torna uma cientista de renome global, o viés implícito trabalha contra as chances de ela receber convites para ser palestrante principal ou convidada com o objetivo de compartilhar as descobertas de sua pesquisa, diminuindo assim sua visibilidade na área e a probabilidade de ser indicada para prêmios . Esse desequilíbrio de gênero é perceptível na frequência com que mulheres especialistas são citadas em notícias sobre a maioria dos tópicos.

Mulheres cientistas não recebem o respeito e o reconhecimento que deveriam vir com suas realizações tanto quanto os homens. Pesquisas mostram que quando as pessoas falam sobre cientistas e especialistas do sexo masculino, é mais provável que usem seus sobrenomes e se refiram a mulheres pelo primeiro nome .

Por que isso importa? Porque experimentos mostram que indivíduos referidos por seus sobrenomes têm maior probabilidade de ser vistos como famosos e eminentes. Um estudo chegou a descobrir que chamar cientistas pelo sobrenome levou as pessoas a considerá-las 14% mais merecedoras de um prêmio de carreira da National Science Foundation.

A predominância masculina marca a história da ciência. A esperança é de que, ao lidar com o viés estrutural e implícito no STEM, evitemos outra espera de meio século até que a próxima mulher seja reconhecida com um Prêmio Nobel por sua contribuição à física. Aguardo ansiosa pelo dia em que uma mulher que receba o prêmio mais prestigioso da ciência seja noticiada apenas por sua ciência e não por seu gênero.

Mary K. Feeney é professora de Ética em Relações Públicas e diretora-associada do Centro de Estudos de Ciência, Tecnologia e Política Ambiental, na Universidade Estadual do Arizona.

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