Externo

Por que as pessoas dão ‘ghosting’ nas redes sociais

Royette T. Dubar

25 de junho de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h34)

Pesquisa feita com universitários mostra os impactos de deixar de responder às mensagens dos outros. E de ser ignorado

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ARTIGO ORIGINAL

When texts suddenly stop: Why people ghost on social media

The Conversation

16 de junho de 2022

Autoria:Royette T. Dubar

Tradução:Bernardo Machado

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FOTO: TOMMASO79/ISTOCK / GETTY IMAGES

Homem desapontado com um celular na mão

Homem desapontado com um celular na mão

Verifique seu telefone. Há algum texto não respondido, snap ou mensagens diretas que você está ignorando? Você irá responder? Ou você deu um “ghosting” na pessoa que as enviou?

O “ghosting” acontece quando alguém corta toda a comunicação online com outra pessoa sem uma explicação. Ao invés disso, como um fantasma, ela simplesmente desaparece. O fenômeno é comum em redes sociais e sites de encontros, mas com o isolamento trazido pela pandemia da covid-19 – forçando mais pessoas a estarem online – ele acontece hoje mais do que nunca .

Sou professora de psicologia e estudo o papel do uso da tecnologia nas relações interpessoais e no bem-estar. Dadas as consequências psicológicas negativas de relações frustradas – especialmente durante o início da idade adulta , de 18 a 29 anos –, eu queria entender o que leva estudantes universitários a darem “ghosting” e se o fenômeno têm algum impacto sobre a saúde mental.

Para responder a estas perguntas, minha equipe de pesquisa recrutou 76 estudantes universitários através de redes sociais e de panfletos no campus. A amostra tem 70% de mulheres. Participantes do estudo se inscreveram em um dos 20 grupos focais de dois a cinco estudantes cada. As sessões de atividade duravam em média 48 minutos e os inscritos deram respostas a perguntas que lhes pediam para refletir sobre suas experiências de “ghosting”. As conclusões do estudo seguem abaixo.

Os resultados

Alguns estudantes admitiram que davam “ghosting” por falta de habilidades de comunicação necessárias para ter uma conversa aberta e honesta – quer essa conversa acontecesse presencialmente ou via texto ou e-mail.

De uma jovem de 19 anos: “Não sou boa em comunicação pessoalmente, então definitivamente não consigo fazer isso através de textos ou algo parecido”.

Uma jovem de 22 anos de idade disse: “Eu não tenho coragem de falar sobre certos temas. Quem sabe isso pode ser por causa da ansiedade social”.

Em alguns casos, participantes optaram pelo “ghosting” quando achavam que o encontro com a pessoa geraria sentimentos emocionais ou sexuais que não estavam preparadas para estabelecer: “As pessoas temem que algo se torne demais… o fato de que a relação está de alguma forma chegando ao próximo nível”.

Algumas pessoas do estudo deram “ghosting” por causa de preocupações com a própria segurança. Quarenta e cinco por cento desapareceram para se afastarem de uma situação “tóxica”, “desagradável” ou “insalubre”. Uma mulher de 19 anos de idade disse: “É muito fácil conversar com estranhos, então [o “ghosting” é] uma forma de proteção quando um cara assustador está pedindo que você envie nudes e coisas assim”.

Uma das razões menos relatadas, mas talvez a mais interessante, para o “ghosting” em alguém é proteger os sentimentos dessa pessoa. Segundo o raciocínio, é melhor desaparecer do que ser responsável pelos sentimentos que resultam da rejeição explícita. Uma jovem de 18 anos disse que o perdido era “uma maneira um pouco mais polida de rejeitar alguém do que dizer explicitamente: ‘Eu não quero conversar com você’”.

Dito isto, dados recentes sugerem que os adultos americanos geralmente percebem o término de relacionamento por e-mail, texto ou rede social como algo inaceitável, e preferem uma conversa ao vivo.

Mas há também o “ghosting” após o sexo.

No contexto da cultura da pegação, há um entendimento de que se quem deu perdido conseguiu o que procurava – muitas vezes isso corresponde ao sexo –, então acabou, a pessoa não precisa mais falar com a outra. Afinal de contas, mais conversa poderia ser interpretada como querer algo mais íntimo.

De acordo com uma jovem de 19 anos: “Acho pouco provável que ocorra uma conversa franca sobre como você está realmente se sentindo ou o que você quer de uma situação… Eu acho que a cultura da pegação é tóxica para promover uma comunicação honesta”.

Mas a razão mais comum para dar o perdido é: a falta de interesse em buscar um relacionamento com a pessoa. Lembra-se do filme “Ele não está tão afim de você?” Como disse um participante: “Às vezes a conversa fica chata”.

As consequências

Entrar na faculdade representa um marco para o estabelecimento e manutenção de relacionamentos longe da vizinhança e da cidade natal. Para alguns jovens adultos, as separações amorosas, a solidão, a exclusão social e o isolamento podem ter implicações psicológicas potencialmente devastadoras .

Nossa pesquisa defende a ideia de que o “ghosting” pode ter consequências negativas para a saúde mental. A curto prazo, muitas das pessoas que foram ignoradas sentiram uma rejeição e confusão esmagadoras. Eles relataram sentimentos de baixa autovalorização e auto-estima. Parte do problema é a falta de clareza – não saber por que a comunicação parou abruptamente. Às vezes, surge um aspecto de paranóia quando quem ficou sem resposta tenta dar sentido à situação.

A longo prazo, nosso estudo descobriu que muitos daqueles que foram ignorados relataram ter desenvolvido sentimentos de insegurança. Alguns trazem essa insegurança para relacionamentos futuros.

Entretanto, pouco mais da metade dos participantes de nosso estudo disse que o fato de terem sido ignorados oferecia oportunidades para a reflexão e a resiliência.

“Pode ser parcialmente positivo para quem sofreu o ‘perdido’ porque pode perceber algumas das deficiências que têm, e podem mudar isso”, disse uma jovem de 18 anos.

Para quem dá o perdido, há uma série de consequências psicológicas. Cerca da metade dos grupos focais que deram o perdido experimentaram sentimentos de remorso ou culpa; já os demais não sentiram nenhuma emoção. Essa descoberta não é totalmente surpreendente, uma vez que os indivíduos que motivaram os rompimentos geralmente relatam menos angústia do que quem os sofre.

Também surgiu em nossas discussões: a sensação de que quem desaparece pode atrofiar seu crescimento pessoal. Um rapaz de 20 anos disse: “Pode [tornar-se] um hábito. Se torna parte de seu comportamento, você acha que deve terminar um relacionamento com alguém assim… Eu sinto que muitas pessoas dão perdido compulsivamente, como se essa fosse a única maneira que elas sabem para lidar com as pessoas”.

As razões para dar perdido por medo de estabelecer intimidade são um caminho especialmente intrigante para pesquisas futuras. Mas até que esse trabalho seja feito, as universidades poderiam ajudar, oferecendo mais oportunidades para que estudantes aumentem a confiança e aprimorem suas habilidades de comunicação.

Isso inclui cursos que tratem destes desafios. Lembro-me de uma aula de psicologia na graduação da Universidade de Trent que me apresentou o trabalho do psicólogo social Daniel Perlman , ele ministrou cursos sobre solidão e relações íntimas. Fora da sala de aula, monitores preparavam seminários e oficinas que ensinavam aos estudantes habilidades práticas sobre como resolver conflitos de relacionamento.

Enquanto isso, estudantes podem se inscrever em blogs de relacionamento que oferecem aos leitores respostas para o que enfrentam baseadas em pesquisas. Basta saber que a ajuda existe – mesmo depois de um “ghosting”, você não está sozinho.

Royette T. Dubar é professora de psicologia na Wesleyan University.

A seção “Externo” traz uma seleção de textos cedidos por outros veículos por meio de parcerias com o Nexo ou licenças Creative Commons.

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