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Os problemas de crianças aderirem à cultura fitness

Camilla Hoshino e Beatriz Carneiro

21 de março de 2025(atualizado 21/03/2025 às 17h51)

Meninos e meninas começaram a mostrar músculos e barrigas ‘trincadas’ em desafios digitais. Especialistas discutem os limites entre cuidados com a saúde e obsessão pelo corpo com tão pouca idade

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ARTIGO ORIGINAL

Cultura fitness: crianças precisam ter rotinas de malhação? 

Portal Lunetas

17 de março de 2025

Autoria: Camilla Hoshino e Beatriz Carneiro

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FOTO: Giorgio Trovato/UnsplashUm par de halteres e um tapete preto

Um par de halteres e um tapete preto

A cultura fitness está em alta. Corpos sarados se multiplicam nas redes sociais na mesma proporção em que crescem dicas sobre dietas, comportamento e produtos vendidos como saudáveis. Até as crianças passaram a mostrar seus músculos e barrigas “trincadas” em desafios digitais. Mas qual será o limite entre saúde e obsessão? A pediatra e escritora Ana Escobar alerta: “As famílias precisam tomar cuidado com crianças que estão cultivando excessivamente o corpo”.

Exercícios são essenciais para o bem-estar e saúde física e mental das crianças. No entanto, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a prática seja adequada a cada idade e potencialidade física. “É bom que a criança pratique, pelo menos, 30 minutos de atividade física, cinco vezes por semana, como brincar ao ar livre”, diz Ana.

Segundo a pediatra, exercícios que não são compatíveis com o físico da criança podem comprometer o crescimento, além de provocar lesões. “O levantamento de peso, por exemplo, pode atrapalhar o desenvolvimento de crianças muito pequenas”, afirma. Por isso, o mais indicado é andar de bicicleta, skate ou jogar bola. Ou seja, exercícios ao ar livre e que ajudam a manter as relações em família.

Foi assim que Beatriz, 6 anos, e Carolina, 8 anos, decidiram praticar natação e ginástica rítmica uma vez por semana na escola. A mãe, a atleta Soraya Abrão, treina diariamente e conta que, desde cedo, incentivou as filhas a praticarem e experimentarem diferentes modalidades de atividades físicas.

“No começo, o ambiente era mais competitivo, com treinos três ou quatro vezes por semana e participação em competições. Então elas começaram a reclamar”, conta. Enquanto atleta, o desafio de Soraya foi compreender que a experiência competitiva não foi positiva para as filhas como foi para ela. Com isso, buscou um equilíbrio porque, no fim das contas, “o esporte deve ser algo prazeroso e que traga saúde para elas.”

Saúde do corpo começa pela alimentação saudável

Para os adolescentes, a pediatra Ana Escobar garante que já é possível fazer academia. Porém, é necessário ter a orientação de um profissional que entenda sobre fisiologia e respeite o crescimento nessa faixa-etária. Isso significa que frases motivacionais como “supere a si mesmo” e “dê o melhor de si” têm seus limites.

Nesse sentido, Ana Escobar chama a atenção para a questão do uso de suplementos alimentares que prometem ser “produtos mágicos”, mas que podem fazer mal. “Tem criança que consome, por exemplo, excesso de proteína achando que vai ganhar músculo. Na verdade, está sobrecarregando o rim”, afirma. Por isso, a médica é enfática: “crianças e adolescentes precisam de comida de verdade.”

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A única receita para um ganho de massa sadio é acompanhar o tempo, o padrão e a velocidade de crescimento da criança, defende Evelyn Eisenstein, assessora de políticas públicas e coordenadora do Grupo de Trabalho Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

“É preciso avaliar o que se chama ‘balanço energético e metabólico. Ou seja, com que idade essa criança está, qual a altura, peso, como ela se alimenta e o padrão nutricional familiar”, explica. Portanto, o mais recomendado é ter um acompanhamento regular de um pediatra ou nutricionista.

Quando o assunto é peso, atividade física e alimentação, Soraya tenta educar as filhas para a saúde e sem pressões estéticas. “Explicamos por que é importante escolher bem os alimentos e mencionamos algumas crianças que estão acima do peso,” relata. E, por isso, “a necessidade do esporte para um gasto calórico e energético.”

O melhor exemplo pode vir de casa e não das telas

Assim como Beatriz e Carolina, na casa de Bernardo, 7 anos, o exemplo dos pais incentivaram o menino a ser fisicamente ativo. Ele pratica taekwondo e natação duas vezes por semana. Enquanto a mãe, Camila Araujo, é crossfiteira, o pai é triatleta. “Bernardo nos acompanha nas competições e vê nossa dedicação”, conta Camila.

Apesar disso, ela confessa que a escolha da natação foi motivada pela segurança e pelos benefícios físicos. Já o taekwondo, para desenvolver a disciplina, pois passava por uma fase de desobediência. “A luta traz disciplina e ele gostou bastante, especialmente com o incentivo da troca de faixas”, comenta.

O compromisso em iniciar uma atividade física coerente com a idade de Bernardo foi um processo importante entre eles. “Combinamos que ele deveria praticar por pelo menos um ano, tanto na natação quanto no taekwondo”, conta a mãe.

Esses combinados e as referências positivas dentro da família ajudam a desenvolver também a construção de autoimagem das crianças e de cuidado com o corpo. Por isso, é importante estimular as atividades físicas, mas com o acompanhamento adequado para cada idade e cada caso. Isso porque essa autoimagem que meninos e meninas têm de si pode estar “contaminada” pelas exigências dos padrões estéticos impostos pelo consumo.

Evelyn Eisenstein alerta como as telas influenciam significativamente nesse processo, pois, apesar da comunicação online ter o potencial de inspirar mudanças de hábitos positivas, também pode criar falsas expectativas.

No consultório, Ana Escobar observa cada vez mais o impacto dessas narrativas e propagadas nas redes sociais sobre autoestima das crianças. “Vejo adolescentes se cobrarem por ter um corpo perfeito”, diz. Para isso, contam com auxílio da inteligência artificial, em busca de conselhos sobre “como melhorar o corpo ou deixar o cabelo maravilhoso”, observa. Mas, da mesma forma que essa tecnologia pode ser utilizada para o progresso, também pode criar uma série de armadilhas.

Padrões de beleza podem influenciar no comportamento e saúde

Uma pesquisa da Drexel University, da Pensilvânia (Estados Unidos), com um grupo de estudantes entre 13 e 17 anos, mostrou como os algoritmos das redes sociais que os adolescentes acessam afetam o comportamento deles. Segundo a pesquisa, o conteúdo algorítmico, ao apresentar o que os adolescentes interpretam como uma imagem espelhada confiável de si mesmos, moldava a personalidade dessa nova geração.

O problema, segundo os especialistas, é como são definidos e monitorados os critérios de produção algorítmica. Em 2024, o jornal americano The Washington Post utilizou três ferramentas de inteligência artificial de imagens para analisar resultados de busca online por “mulheres bonitas”. Todas geraram mulheres magras. Apenas 2% das imagens mostram mulheres com sinais de envelhecimento.

Evelyn Eisenstein observa um desequilíbrio na relação das crianças e adolescentes com as telas. Por um lado, forma-se um grupo sedentário, que tende ao isolamento, justamente porque preferem a interação com televisão, computadores e celulares. Por outro, há aqueles que precisam acompanhar tendências, moldar seus corpos a partir do padrão vigente e exibir as rotinas de exercícios na internet.

“Os problemas surgem a partir de distorções que o adolescente vê no mundo externo e passa a depreciar a si mesmo.”

A partir da dinâmica da mudança de padrões de beleza ocidentais, o corpo se torna uma espécie de produto adaptável para cada época. Uma hora é preciso estar magro, outra, cheio de músculos. Para a médica, o resultado disso é o risco de desenvolvimento de doenças de autoimagem, autoestima e transtornos mentais.

“A gente vê crianças imitando posturas e padrões compartilhados em vídeos da internet”, afirma Evelyn. Esses padrões, segundo ela, não são apenas “culturais e contextuais, mas exploratórios e consumistas”. Ela cita influenciadores digitais que vendem programas de emagrecimento com combinação de dietas e exercícios, “completamente distorcidos e antiéticos.”

Outro alerta é o risco de vigorexia, um transtorno psicológico que faz as pessoas se enxergarem fracas, quando na verdade são fortes e musculosas. “É um problema crescente onde adolescentes, influenciados por academias e coaches, usam suplementos nutricionais e anabolizantes sem orientação adequada, buscando padrões estéticos irreais”, enfatiza.

Quando se preocupar com o “excesso fitness” na vida das crianças?

Diante de tantos conteúdos que variam entre fonte de inspiração para a saúde e obsessão por corpos idealizados, as especialistas apontam alguns sinais de alerta para as famílias em relação à cultura fitness.

  • Pais e mães não devem impor seus estilos de vida aos filhos. O objetivo deve ser uma vida saudável por meio de atividades físicas, de preferência aquelas em contato com a natureza;
  • Para adolescentes que desejam ser atletas, é essencial seguir uma orientação nutricional específica para não comprometer o crescimento;
  • uso excessivo, precoce e prolongado de telas afeta negativamente a saúde da criança;
  • A ausência de atividade física é prejudicial e deve ser balanceada com idade, altura, peso corporal, índice de massa corporal e padrões familiares;
  • Adolescentes que não se alimentam bem, não fazem três refeições e dois lanches diários adequados, podem comprometer seu crescimento e saúde geral;
  • Adolescentes que buscam constantemente atingir estereótipos de beleza podem desenvolver uma percepção corporal negativa;

A seção “Externo” traz uma seleção de textos cedidos por outros veículos por meio de parcerias com o Nexo ou licenças Creative Commons.

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