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De acordo com dados de uma pesquisa que mede a sensação mundial de bem-viver e bem-estar, resumidamente traduzida como felicidade, o povo brasileiro, sobretudo durante a pandemia, ficou mais infeliz . Somente no ano de 2020 o sentimento de tristeza e desesperança fez com que o povo brasileiro ocupasse a posição de 41º país onde as pessoas são mais infelizes. A pesquisa foi feita analisando 95 outros países, fruto de um trabalho desenvolvido pelas universidades de Columbia e Oxford. Três anos atrás ocupávamos a 29º posição.
Sobre os efeitos específicos da pandemia, dois fatos correlacionados nos chamam atenção. Citando como exemplo Brasil e Estados Unidos, países que ocupam a posição trágica de primeiros no ranking de mortes por covid-19, as posturas negacionistas das suas lideranças contribuíram diretamente com o agravamento da pandemia. Efeito disso, além das mortes e do caos na saúde dos dois países, foi o impacto no sentimento de segurança, que afeta a sensação de felicidade. Conclusão: em países nos quais suas lideranças políticas tomaram atitudes irresponsáveis, e até mesmo genocidas, podemos dizer, a sensação de desamparo e desespero foi maior. Logo, suas populações se sentiram mais infelizes com as atitudes dos seus líderes. Isso pode ser visto no dado do estudo que revela que a sensação de felicidade estava mais dependente do sentimento de confiança do que de fatores como renda, saúde, liberdade e generosidade.
O mundo em geral ficou mais triste durante a pandemia, mas outro dado secundário também nos chama atenção. Todos os primeiros 8 países onde as pessoas são “mais felizes”, digamos assim, são países europeus, aí cabe bem uma análise em diálogo com Frantz Fanon, em “Os Condenados da Terra” (quem não leu, recomendo que leia). A Finlândia ocupa o primeiro lugar dentre os países mais felizes. Com isso, caem por terra as falsas impressões de que a felicidade estaria nos trópicos e relacionadas ao calor, praia ou festas. De forma mais pragmática, e realista, os critérios utilizados pela pesquisa para avaliar o bem-viver, e portanto o estado de felicidade da população de um país, são: PIB (Produto Interno Bruto) per capita, apoio social (o que ao meu entender está fortemente relacionado a políticas públicas), vida saudável, expectativa de vida, liberdade, generosidade e ausência de corrupção. Sobre esse último fator, nós brasileir@s, só sentamos e choramos. A China pode nos dar um dos maiores exemplos do peso de fatores como vida saudável, apoio social e expectativa de vida, fatores diretamente ligados à saúde. Em 2020, o país que antes ocupava o 94º no ranking da felicidade, saltou para 19º, dadas as políticas de combate e prevenção ao novo coronavírus.
Outra pesquisa similar levada a cabo pela Fundação Getúlio Vargas mostra informações similares , mas com outros dados também importantes. A tristeza do povo brasileiro, como tudo no país, também é desigual. A infelicidade aumenta com a desigualdade , e foram os mais pobres que mais se entristeceram com a pandemia. Com o desemprego e a renda mais baixa, essa parcela da população está não só mais triste, mas também com mais raiva, mais preocupada e mais estressada. Contudo, enquanto a felicidade caiu entre os 40% mais pobres, inacreditavelmente, 20% dos mais ricos ficaram mais felizes nesse mesmo momento, a despeito da pandemia.
Felicidade pode ser algo que varia de uma cultura para outra e ter diferentes significados dentro do mesmo país a depender do grupo social. O mesmo vale para tristeza. Contudo, valores e condições de bem viver fundamentais à vida não dependem somente das pequenas alegrias da vida adulta, embora elas sejam fundamentais, mas também de outras questões fundamentais. Num país que ficou mais violento, agressivo e perdeu completamente seu sentimento de empatia, reflexo do péssimo exemplo da nossa liderança máxima, o sentimento de estar sem rumo ou de impotência, que é o que ouço da maioria das pessoas que conheço, não deixa de nos abater profundamente. Me sinto assim também.
Luciana Britoé historiadora, doutora em história pela USP e especialista nos estudos sobre escravidão, abolição e relações raciais no Brasil e EUA. É professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e autora dos livros “O avesso da raça: escravidão, racismo e abolicionismo entre os Estados Unidos e o Brasil” (Barzar do Tempo, 2023) e “Temores da África: segurança, legislação e população africana na Bahia oitocentista” (Edufba, 2016), ganhador do prêmio Thomas Skidmore em 2018. É também autora de vários artigos. Luciana mora em Salvador, tem os pés no Recôncavo baiano, mas sua cabeça está no mundo. Escreve mensalmente às terças-feiras.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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