Coluna
João Paulo Charleaux
Acordo do G20 contra a fome chega tarde, mas não tarde demais
Temas
Compartilhe
“Fome” aparece 20 vezes na declaração final da cúpula do G20, que terminou nesta terça-feira (19), no Rio de Janeiro. É um crescimento de 566% em relação às três raquíticas menções feitas nominalmente ao assunto na cúpula do ano anterior, em Nova Déli, na Índia. Para quem gosta de intenções, cúpulas e declarações, foi um crescimento e tanto. Mas que valor isso terá na realidade?
Enquanto, do lado de dentro, os líderes mundiais falavam de suas boas intenções, havia, só no estado do Rio de Janeiro, 489 mil pessoas passando fome e outras 2 milhões convivendo com algum grau de insegurança alimentar. No Brasil, país que lidera a iniciativa, são 8,7 milhões de pessoas nessa situação – número que caiu 11,4 pontos percentuais no intervalo de um ano, mas que ainda assim representa o equivalente à população de uma Suíça ou Israel.
É hipocrisia dizer que uma fração dos restos do bufê dos chefes de Estado reunidos no G20 mataria a fome de quem estava do lado de fora. Mas é igualmente hipócrita considerar que letras num papel tenham, por si só, esse poder. Para enxergar o valor do Acordo é preciso olhar pela fresta de esperança realista que pode haver entre o mundo perfeito das declarações políticas e a desconfiança irreconciliável de quem sente que já viu essa novela antes, em algum outro canal.
“Quem tem fome tem pressa”, como dizia Betinho. Então, é preciso reconhecer que a iniciativa do G20 ainda é curta e chega tarde para um problema urgente. O socorro poderia ter vindo antes, mas na cúpula de Bali, na Indonésia, em 2022, depois de a pandemia ter desgraçado economias e ampliado a fome no mundo, houve apenas três menções ao assunto na declaração final.
Quando começou toda essa história de cúpulas do G20, 16 anos atrás, em Washington (EUA), nem se tocava no tema, embora, é claro, ele já existisse. Na declaração de 2008, a única solução que as 20 maiores economias do mundo conseguiram propor para a desigualdade era o aumento do crédito internacional e a aposta no crescimento econômico contínuo, sem qualquer menção à distribuição de riquezas, taxação de bilionários ou fundo comum de combate à pobreza e à fome.
João Paulo Charleauxé jornalista, escritor e analista político. Foi repórter especial, editor e correspondente do Nexo em Paris. Trabalhou por sete anos no CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) em cinco diferentes países, cobriu a guerra nas fronteiras de Israel com Gaza e o Líbano, a crise política e humanitária no Haiti e o tsunami no Chile. Pela Cia das Letras, publicou o livro “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História” e prepara um novo livro, sobre “As Regras da Guerra”, mesmo tema de uma série publicada na Folha em 2023-2024. Ao longo dos últimos 25 anos, escreveu no Estadão, no Globo, na Piauí, no UOL e na Carta Capital. Participou como comentarista na CNN e na CBN. Trabalha principalmente com temas ligados ao direito internacional aplicável aos conflitos armados.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
Navegue por temas