Coluna

Reinaldo Moraes

Gol de letra, tchê

24 de junho de 2016

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O consolo, pros leitores da boa prosa brasileira, é que, quando Luan, hoje com 20 anos, tiver pendurado as chuteiras, talvez antes dos 40, Michel Laub, que há de ser, então, um saudável sexagenário, continuará marcando seus gols de letras para a nossa agradecida e silenciosa admiração

Já falei algumas vezes aqui do projeto “Viagem de bolso”, da Mira Filmes, do qual faço parte como entrevistador. Basicamente, a diretora Lia Kulakauskas, o diretor de fotografia Chico Orlandi, o inabalável homem do som, André Bomfim, e eu, temos andado pelo Brasil rastreando as locações que ambientam romances e novelas de autores brasileiros contemporâneos, na companhia dos próprios. Vai passar no ano que vem em algum canal a cabo, como já disse algumas centenas de impertinentes vezes. Eu aviso quando passar.

Nosso destino agora foi Porto Alegre, e a vítima da vez calhou de ser o Michel Laub, um dos principais nomes da nova safra de romancistas e contistas gaúchos, de nascimento ou residentes no Rio Grande do Sul, que passaram a desovar suas obras por volta da segunda metade dos anos 90 em diante, como Daniel Galera (“Mãos de cavalo”), Daniel Pelizzari (“Digam a Satã que o recado foi entendido”), Amílcar Bettega (“Barreira”), Paulo Scott (“Habitante irreal”) e a Carol Bensimon (“Nós que adorávamos caubois”), que já deu as caras aqui na minha crônica. Isto, pra citar apenas os que eu já li.

Por não tão incrível coincidência, todas esses escribas, hoje entre trinta e poucos e quarenta e tantos anos, passaram pela famosa e, pelo visto, eficientíssima oficina literária ministrada pelo professor e romancista Luiz Antônio de Assis Brasil na capital gaúcha. Se você der um google associando Assis Brasil aos nomes dos ainda jovens autores citados aí em cima, vai topar com elogios rasgados dos pupilos ao mentor que os ajudou a cruzar a linha divisória entre a vasta e estéril seara do amadorismo e o terreno fértil, de árduo trânsito, da literatura pra valer. O guru gaúcho das letras passa um ano inteiro orientando as leituras e os projetos literários dos 15 aspirantes a escritor admitidos em uma única turma, depois de um processo de seleção que se resume a enviarem-lhe, os ditos aspirantes, um texto de prosa literária pra ser avaliado. Os escolhidos passarão 2 semestres à beira do rio Guaíba, enfrentando frios cortantes e calores emolientes, à procura da chave de ouro da escrita literária, sob a batuta do Assis Brasil. Se vão achá-la ou não, é outra história. Dizem que a tal chave já está dentro de você. O mestre apenas te ajuda a encontrá-la. Se o aluno ou aluna não virar o próximo Guimarães Rosa, a nova Clarice Lispector, com certeza passará a escrever qualquer coisa com muito mais graça e eficiência, de meros e-mails e zap-zaps a relatórios administrativos e cartas de amor.

Falei aí no frio cortante de Porto Alegre, a capital mais meridional do Brasil, e foi justamente num fim de semana de temperatura polar que rolou nosso papo estendido com o Laub. Ele próprio também se deslocou de São Paulo, onde ambos moramos, para o cenário de algumas de suas obras, entre as quais “O segundo tempo”, publicado em 2006, que tem por eixo narrativo o chamado “Gre-Nal do século”.

Se você não é gaúcho ou não liga pra futebol, como é o meu caso, deve estar agora se perguntando que raio de coisa é esse “Gre-Nal” e por que foi parar numa novela de cento e poucas páginas, vazadas na prosa densa e poderosa de um autor cujos narradores em primeira pessoa costumam revisitar velhos traumas de seu passado infantil e juvenil, já depois de adultos, sem a menor complacência nostálgica.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

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